De acordo com pesquisa nacional divulgada no início de outubro pelo instituto DataSenado, cerca de 21 milhões de brasileiros já tiveram contato com o trabalho remoto. Desse total, dois terços atribui o trabalho em casa à pandemia da Covid-19 e 41% aponta um aumento na sua produtividade após adotar o home office. O levantamento ainda demonstrou que 58% dos respondentes afirma ter experiência e se sentir preparado para trabalhar neste modelo e que 49% percebeu uma melhora em seu bem-estar pessoal.
Segundo
especialistas, os números apontam uma adesão dos brasileiros a um regime de
trabalho que deve se manter em evidência após o fim da crise sanitária.
Entretanto, passados mais de seis meses do início da pandemia no país, empresas
e trabalhadores ainda têm dificuldade de seguir as regras para esse tipo de
trabalho, o que acarreta o risco de ser desrespeitado o limite da jornada de
trabalho, previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como 8h
diárias e 44h semanais. Outro problema consiste nos gastos dos empregados para
trabalhar fora do local da empresa.
“É
fato que o trabalho remoto surgiu como alternativa para manter a prestação dos
serviços na pandemia e que atualmente muitas empresas e trabalhadores
reconhecem nesta forma de prestação de serviços o modelo mais adequado e
eficiente para a realização das suas atividades. No entanto, a normativa sobre
o tema na CLT é ainda muito aberta e precisa ser adotada com outros
dispositivos internacionais de normas de regulamentação”, aponta Ruslan
Stuchi, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório
Stuchi Advogados.
O
trabalho remoto passou a ser regulamentado pela Reforma Trabalhista em 2017. A
legislação trabalhista determina que a prestação do serviço em caráter de
teletrabalho pode se dar em qualquer lugar, sendo preponderantemente fora das
dependências do empregador, como na residência do empregado. Não deve haver o
controle de jornada pelo empregador, o que impossibilita o direito ao adicional
de horas extras, intervalo mínimo entre as jornadas, dentre outros direitos. Em
regra, o empregado é o responsável pelo controle da sua jornada.
A
adoção do teletrabalho deve constar de forma expressa em contrato individual de
trabalho ou em aditivo, por meio de mútuo acordo entre as partes. Deve ser
formalizado como se dará o custeio e o fornecimento de materiais e equipamentos
necessários para prestação da atividade, como o uso do computador e gastos com
a energia elétrica. O empregador ainda é responsável por instruir os empregados
sobre regras de saúde, ergonomia e de segurança do trabalho, que devem ser
acatadas pelos funcionários.
O advogado
trabalhista Erick Magalhães, sócio do escritório Magalhães & Moreno
Advogados, relata casos de descumprimento do limite da jornada
após a adoção do trabalho remoto na crise sanitária. “Há pessoas que trabalham
em casa de 12h a 15h diárias porque são obrigados a cumprir essa jornada sob
pena de não conseguirem entregar os trabalhos exigidos e de não cumprir as suas
metas. Muitos desses profissionais fazem o login em um
sistema interno da empresa, uma rede de dados protegida. Mediante os recursos
tecnológicos atuais, a empresa dispõe de meios necessários para controlar o
tempo de efetivo trabalho do empregado, devendo efetuar o pagamento das horas
extras”, defende o advogado.
Segundo
o levantamento do DataSenado, 82% dos entrevistados concordam com o pagamento
de horas extras caso a jornada seja superior a 8h diárias. Já nove em cada dez
concordam que a empresa deva fornecer equipamento eletrônico para que o
trabalhador possa cumprir as tarefas no regime de teletrabalho. A pesquisa
aponta, entre as dificuldades citadas para trabalhar nesse modelo, a falta de
internet de qualidade (22%) e a falta de equipamento de informática adequado
(16%). Entre o total de respondentes, 68% afirma que não recebeu auxílio
da empresa para a compra de equipamentos e 57% relata que se utiliza de seus
próprios recursos.
Mayara Galhardo Felisberto, advogada trabalhista do escritório Baraldi
Mélega Advogados, lembra que muitas empresas tiveram pouco tempo
para se adaptar ao teletrabalho. “A crise sanitária ocorreu de forma repentina
e as pequenas e médias empresas não estavam preparadas. A tendência é que, com
a manutenção do home office, haja a adequação do
ambiente de trabalho do empregado e consequentemente a compensação financeira”.
Para
a especialista, havia preconceito em relação ao uso do home office.
“A cultura brasileira quanto ao ferrenho controle de jornada e comparecimento
dos empregados a determinados locais físicos dificultava a inserção do home office.
Porém, a necessidade de isolamento social fez com que as empresas pudessem
experimentar a modalidade diferenciada”, analisa.
Recomendações
A
necessidade de assegurar os direitos dos trabalhadores ao ser exercido o
trabalho remoto fez com que o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgasse
uma série de orientações em relação ao teletrabalho. A lista prevê o respeito à
privacidade e segurança de dados; o registro do contrato por escrito; observar
os parâmetros da ergonomia, em relação às condições físicas ou cognitivas de
trabalho; garantir pausas para descanso e adaptação; oferecer suporte
tecnológico; orientar quanto à prevenção de acidentes de trabalho; respeitar a
jornada de trabalho; garantir a liberdade de expressão do empregado,
ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia e injúria; e estabelecer uma
política de autocuidado para a identificação de sintomas do Covid-19.
Em
resposta às recomendações, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST),
ministro Ives Gandra Martins Filho, apontou a iniciativa como uma tentativa de
legislar sobre o tema, o que seria de competência somente do Congresso Nacional. Para Bianca
Canzi, advogada trabalhista do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados,
as orientações são positivas e não excederam o papel do MPT. “Tudo que for para
ajudar a manter relações de trabalho saudáveis será válido. Foi apenas uma recomendação
para quem quiser seguir. Não é uma lei, que no caso teria uma obrigatoriedade”,
pondera.