Em 20 anos, o sequenciamento genético avançou bastante e tem contribuído demais para o avanço da medicina
Durante
a pandemia, podemos comprovar na prática como o investimento em pesquisa e
desenvolvimento na área médica evoluiu nos últimos anos, nos permitindo avançar
rapidamente no combate a doenças. Uma importante ferramenta no enfrentamento da
pandemia foi o sequenciamento genético. O tema desperta muita curiosidade e
parece incompreensível para leigos, mas de extrema importância para a humanidade.
O
sequenciamento genético ajuda a entender mais sobre a diversidade de organismos
e sobre a vida de forma geral, permitindo traçar planos de preservação
ambiental, evitar novas pandemias, além de identificar e tratar doenças. O
Brasil teve grande contribuição nas pesquisas que mapearam o DNA humano e
permitem o desenvolvimento de remédios e até um melhor enfrentamento de algumas
doenças.
O
especialista no assunto, David Schlesinger, médico geneticista e CEO dos
laboratórios Mendelics e meuDNA, explica os avanços da genética nestes últimos
20 anos, desde o primeiro sequenciamento do genoma humano, e quais as
contribuições desta descoberta para o mundo. Confira:
Como
nasceu o estudo genético? Para qual finalidade?
R:
O estudo do DNA como fonte de informação para a vida é bastante recente. Apesar
de sabermos que essa molécula existe desde dos anos 1860, não sabíamos para que
servia ou qual era a sua composição. Inclusive acreditava-se que as proteínas
eram as detentoras do código da vida. A partir da descoberta da estrutura do
DNA, pela dupla de cientistas James Watson e Francis Crick em 1953, o
conhecimento sobre essa molécula começou a avançar mais rapidamente. Nos anos
seguintes, cientistas propuseram que o DNA, de alguma forma, continha as instruções
para formar um ser vivo e que essas instruções eram passadas de geração em
geração. Em 1968 foi publicado o trabalho que apontava que o DNA continha o
código para as células produzirem proteínas, o que confirmou que essa molécula
é como um livro de receitas para a formação de todos os seres vivos.
Em
1977 surgiu a primeira técnica de sequenciamento de DNA, conhecido como
sequenciamento de Sanger, que nos permitiu ler a sequência de letras que forma
o DNA. Atualmente, o Sequenciamento de Nova Geração (NGS), utilizado pela
Mendelics em exames de diagnóstico, por exemplo, é um método mais moderno,
rápido e barato que nos permite ler todas as milhares de letras que compõem os
genes e o nosso DNA.
Com
o NGS, foi possível sequenciar e analisar o DNA de várias espécies, inclusive a
nossa, e entender mais sobre a relação do código genético com as
características físicas e de saúde. As pesquisas atuais buscam aumentar nossa
compreensão de quais alterações genéticas são responsáveis por doenças, quais
os seus mecanismos e, com isso, desenvolver formas de diagnóstico e tratamento.
Qual
é a importância do sequenciamento genético para a humanidade?
R:
Conhecer o nosso código genético é essencial para entendermos o nosso funcionamento,
e como as alterações nesse código interferem no nosso organismo. Conhecendo
quais mutações causam doenças e como elas surgem, podemos estudar como
tratá-las, ou até evitá-las. Em muitos casos, é possível inclusive verificar se
temos uma probabilidade maior de desenvolver uma doença mesmo antes de ter
sintomas, o que pode aumentar as chances de detecção precoce e cura.
Quais
os principais avanços dos últimos 20 anos?
R:
Nessas últimas duas décadas tivemos avanços importantes das técnicas de Sequenciamento
de Nova Geração (NGS), que permitem sequenciar muito mais, em menos tempo e com
uma redução enorme nos custos. O primeiro genoma humano, que foi publicado no
início dos anos 2000, precisou de um investimento de quase 3 bilhões de dólares
e mais de uma década para ser sequenciado. Hoje é possível sequenciar genomas
humanos muito mais completos em dois dias, por menos de mil dólares.
Paralelamente,
as técnicas de análise computacional e inteligência artificial também se
desenvolveram bastante e ajudam a reduzir ainda mais o tempo das análises
genômicas, além de trazer mais precisão e acurácia para os resultados. Essas
análises são fundamentais para transformar a enorme quantidade de dados
genéticos do sequenciamento em informações fáceis de compreender. Essa redução
de custos e tempo, e aumento da precisão das análises, permitiu que a medicina
genômica avançasse muito. Hoje já descrevemos mais de 6 mil doenças genéticas
raras e conhecemos a contribuição genética para várias doenças mais comuns como
o Alzheimer, a diabetes e a pressão alta, por exemplo.
Quais
foram as principais descobertas?
R:
Nestes últimos anos a causa de várias doenças foi elucidada e passamos a
entender melhor como elas se manifestam, como são herdadas e quais os melhores
tratamentos. Um exemplo interessante foi o desenvolvimento de uma terapia
gênica para fibrose cística, que atende pacientes que têm algumas mutações
específicas. É um tratamento muito personalizado que só foi possível
desenvolver depois de estudarmos a genética dos pacientes com a doença.
A
medicina preventiva e de precisão avançou muito nessas duas últimas décadas e
vai continuar avançando ainda mais nos próximos anos, graças às tecnologias
cada vez mais precisas e acessíveis. E a população só tem a ganhar com isso
tudo: diagnósticos mais rápidos e certeiros, e tratamentos mais personalizados
e eficazes. Para se ter uma ideia, de 2001 até agora já foram adicionados quase
15 mil novos registros no OMIM, que é um catálogo de genes e doenças genéticas
humanas.
Poderia
citar um exemplo de antes e depois deste avanço?
R:
Em relação às análises de doenças genéticas, vemos um avanço na complexidade
das doenças que conseguimos estudar: antes nos restringimos mais à doenças
monogênicas, ou seja, que são causadas por um único gene; hoje já entendemos
melhor como as doenças poligênicas, que são causadas por alterações em dois ou
mais genes, funcionam e conseguimos estimar a contribuição individual de cada
gene e determinar qual a melhor linha de tratamento a ser seguida. Com isso, já
é possível diagnosticar várias doenças que antes ficavam sem resposta e
tratamentos adequados, como o TEA (Transtorno do Espectro Autista) e
Deficiência Intelectual.
Quais
os próximos passos para esse segmento?
R:
Apesar da enorme redução dos custos de análises genômicas nas duas últimas
décadas, esses exames ainda são inacessíveis à maioria das pessoas no Brasil.
Precisamos desenvolver análises ainda mais acessíveis à nossa população para
que mais pessoas possam chegar a um diagnóstico preciso. Quanto mais análises
fazemos, melhor é o nosso entendimento das doenças genéticas na nossa
população. Por isso, a missão da Mendelics é tornar o diagnóstico genético
rápido, preciso e acessível para todos que precisam. Queremos que todos tenham
acesso ao diagnóstico genético.
Pode
citar fatos curiosos nestes 20 anos? (experimentos que não deram certo,
descobertas curiosas, algo assim)
R:
O sequenciamento do genoma humano foi, sem dúvidas, um dos maiores
acontecimentos do século. Tanto a publicação da primeira versão no início dos
anos 2000, quanto os avanços que trouxeram as versões atuais. Estamos muito
perto de ter o código completo do nosso genoma. O Projeto Genoma Humano também
revelou que o genoma humano tem cerca de 22.500 genes capazes de produzir proteínas
e que nosso DNA tem aproximadamente 3,1 bilhões de pares de bases (A, T, C e
G). Durante muitos anos, os cientistas discutiram (e até apostaram) sobre qual
seria o número de genes no genoma humano. As sugestões mais frequentes
costumavam ser de números bem maiores do que o que foi encontrado.
Apesar
de sermos aparentemente muito diferentes, todos os humanos compartilham 99,9%
do DNA - o que nos torna únicos é o 0,1% restante, que inclui características
físicas como cor de olho, de cabelo e de pele, e a propensão a desenvolver
certas doenças.
Algo
curioso que também nos surpreendeu é que o tamanho do genoma não está tão
relacionado com a complexidade dos organismos quanto nós pensávamos: o maior
genoma conhecido é de um tipo de ameba, um organismo muito mais simples que um
ser humano, mas que tem um genoma 200 vezes maior.
Hoje
sabemos que a forma como as nossas células utilizam a informação que está no
DNA diz mais sobre a complexidade do organismo do que o tamanho do seu genoma.
Antigamente achávamos que somente as regiões que codificam proteínas eram
interessantes e o resto era conhecido como DNA lixo. Agora sabemos que esses
trechos, que correspondem a cerca de 98% do nosso genoma, atuam no controle de
como, quando e quanto os genes são expressos.
Outro
avanço muito interessante aconteceu na área de edição genética. Há anos
tentamos descobrir como editar o DNA. Há alguns anos já utilizamos técnicas de
edição genética no desenvolvimento de alguns tratamentos, como na produção de
insulina humana por bactérias modificadas, e no uso de um tipo específico de
RNA modificado para tratar a doença macular relacionada à idade (AMD)..
Durante
os últimos anos foram desenvolvidas técnicas de edição genética muito mais
simples e precisas, como a CRISPR-Cas9, que é capaz de alterar diretamente a
sequência do DNA. Essas técnicas já estão sendo usadas no desenvolvimento de
terapias gênicas para doenças graves, como na epidermólise bolhosa, além de
aplicações no melhoramento de plantas e na agricultura. Inclusive o Prêmio Nobel
de 2020 foi concedido a duas pesquisadoras dessa área.
O
genoma humano já foi 100% sequenciado?
R:
Ainda não. Mas estamos mais perto que nunca. No genoma de referência mais atual
ainda faltam cerca de 8% do genoma. Essa parcela do DNA corresponde às regiões
que são difíceis de sequenciar, como aquelas que envolvem repetições de trechos
do genoma. Porém, em meados de 2021 o Consórcio Telomere-to-Telomere (T2T)
sequenciou e publicou quase todo o restante que faltava. Considerando os dados
desse estudo, agora temos sequências completas de 23 dos 24 cromossomos
humanos. Nos resta agora sequenciar completamente o cromossomo Y, um dos
cromossomos sexuais, que ainda possui algumas poucas regiões que não
conhecemos.
Qual a importância deste feito?
R:
Apesar de parecer pouco, esses 8% que faltavam guardam cerca de 115 genes que
antes não conseguíamos sequenciar. É uma contribuição enorme para o estudo do
nosso organismo e pode nos ajudar a entender melhor a origem de algumas doenças
genéticas que ainda não mapeamos.
Como
a genética contribui para a medicina?
R:
Muitas doenças são difíceis de diagnosticar, principalmente aquelas que são
raras, pois frequentemente apresentam sintomas similares aos de outras doenças
mais comuns, com isso, podem ser erroneamente diagnosticadas. Pacientes com
doenças raras levam em média 3 anos para terem um diagnóstico correto da sua
condição, o que acaba atrasando também o tratamento.
A
genética nos ajuda a estudar essas doenças e determinar quais mutações causam
cada uma delas. Assim, podemos desenvolver testes genéticos que identificam
essas mutações e oferecer um diagnóstico rápido e preciso aos pacientes, além
de nos auxiliar na escolha do melhor tratamento. Se aplicarmos esse
conhecimento e tecnologia na triagem neonatal, podemos triar essas doenças em
recém-nascidos e iniciar o tratamento antes mesmo deles apresentarem qualquer
sintoma.
Quando
é recomendado uma pessoa realizar um sequenciamento genético?
R:
Sempre que houver suspeita médica de alguma doença genética ou histórico
familiar de doenças raras ou câncer. Doenças genéticas podem ser hereditárias,
ou seja, a mutação que causa a doença é passada de geração em geração. Se
vários membros de uma família são afetados por uma mesma condição, há a
possibilidade de que seja genético. Por isso, é muito importante compartilhar o
seu histórico familiar com o seu médico. Se percebemos qualquer alteração no
nosso organismo devemos consultar um médico para que ele avalie quais as
possíveis causas. Se houver necessidade de investigar uma doença genética, o
pedido deve vir do médico.
Hoje
já existem também testes genéticos voltados ao autoconhecimento da nossa
herança genética. Esses testes podem ser voltados para o estudo da
ancestralidade ou da predisposição a algumas doenças. Nesse último caso, o
resultado informa o risco da pessoa desenvolver algumas doenças específicas no
futuro e, com isso, ela pode adotar hábitos preventivos. Não é necessário ter
um pedido médico para realizar esses exames, eles estão disponíveis para
qualquer pessoa.
Profissionais
da saúde têm fácil acesso e conhecimento sobre testes genéticos?
R:
Infelizmente informações sobre doenças e testes genéticos estão concentradas em
sites internacionais e conteúdos em português são mais escassos. Por isso, nós
da Mendelics decidimos contribuir com a comunidade médica lançando dois blogs:
o nosso Blog Mendelics reúne conteúdos sobre doenças e exames genéticos e
tecnologias da área genômica; e o blog do Teste da Bochechinha trata da triagem
neonatal e as doenças raras e tratáveis que investigamos no nosso teste. Temos
ainda o blog meuDNAdiz, que traz temas sobre genética de forma simples, para
toda a população que se interessar pelo tema. É importante que as empresas e
profissionais da área auxiliem na construção de conteúdo de qualidade sobre
exames genéticos para que toda a população entenda os benefícios.
Quais
as principais doenças detectadas com o sequenciamento genético?
R:
Com os exames genéticos podemos detectar desde doenças raras como a Distrofia
Muscular de Duchenne, a Fibrose Cística e Atrofia Muscular Espinhal (AME), até
doenças mais comuns como Alzheimer e síndrome de Down, além de vários tipos de
câncer hereditário.
Como
funcionam e para que servem os bancos de dados genéticos?
R:
Os bancos de dados genéticos guardam as informações genéticas de populações. A
partir desses bancos podemos determinar quais mutações são comuns na população
e quais podem estar associadas a doenças. É muito importante conhecer essas
informações para entendermos melhor como as doenças genéticas se manifestam na
população brasileira. Hoje, o genoma brasileiro e latino americano é
sub-representado nos grandes bancos de dados internacionais, e isso dificulta a
interpretação dos efeitos de algumas mutações encontradas na nossa população. A
Mendelics é a detentora do maior banco de dados genéticos de brasileiros e
latino americanos do mundo. Por isso, temos a maior taxa diagnóstica da América
Latina: nossas análises levam em consideração a arquitetura genética da nossa
população para conseguir resultados mais precisos. Estamos constantemente
contribuindo com a comunidade médica mundial: somos um dos maiores
contribuintes do ClinVar, uma plataforma que reúne informações sobre alterações
genéticas e seus efeitos no nosso organismo.
Como
o uso da inteligência artificial contribuiu para o desenvolvimento da genética?
R:
Hoje o Sequenciamento de Nova Geração (NGS) é a técnica mais utilizada para
sequenciamento em larga escala, pois é rápido e barato. Essa técnica sequencia
de milhares a bilhões de fragmentos curtos de DNA que depois são usados para
reconstruir a sequencia original, como um quebra cabeças. É aí que está o
desafio, e a inteligência artificial (IA) nos ajuda muito nessa etapa. Um
computador é capaz de reconstruir essas sequências com mais rapidez e acurácia.
Sem o uso de IA não teríamos avançado tão rapidamente no estudo do nosso
genoma.
Na
área da genética médica, a IA nos ajuda a identificar e classificar as
variações que encontramos no nosso DNA. Com isso, podemos relacionar quais
variantes estão associadas a uma determinada doença e utilizar essa informação
para o diagnóstico de doenças genéticas. Cada pessoa possui milhares de
variantes genéticas, então imagine quanto tempo levaríamos para verificar cada
uma delas sem o auxílio de um software.
A
Mendelics desenvolveu uma plataforma com inteligência artificial chamada
Abracadabra® que nos auxilia no diagnóstico de doenças genéticas. A plataforma
consegue identificar as variantes que são de interesse clínico e podem estar
associadas com alguma doença genética. Com essa ferramenta, reduzimos o número
de variantes que precisam ser analisadas manualmente pela nossa equipe médica,
e assim podemos oferecer um diagnóstico mais preciso e rápido. Inclusive o
Abracadabra® já foi reconhecido internacionalmente com o Prêmio MIT de
Inovação.
Quando
e de que forma ela é usada?
R:
A inteligência artificial pode ser aplicada para resolver quaisquer problemas
que são complexos e demorados. Esses softwares conseguem identificar padrões
com muito mais facilidade que nós. No caso da genômica, a IA já é aplicada na
descoberta e análise de variantes genéticas, no estudo, diagnóstico e cálculo
de risco a doenças genéticas, na predição de características físicas como cor dos
olhos e cabelos, no desenvolvimento de terapias gênicas mais precisas e
eficazes, no desenvolvimento e na avaliação da eficácia de medicamentos, e
tantas outras áreas.
O
exame genético também identifica traços da personalidade de um indivíduo?
R:
Os traços comportamentais e de personalidade são características complexas, ou
seja, são determinados por múltiplos genes e também por fatores ambientais.
Algumas características complexas já são bem estudadas e a genética tem um
grande peso. Porém, comportamento e personalidade, apesar de serem parcialmente
determinados pela genética, como os comportamentos instintivos, por exemplo,
têm uma forte influência do ambiente em que vivemos e das experiências que
temos ou longo da vida.
Características
genéticas podem ser modificadas com a finalidade de evitar doenças?
R:
Se uma pessoa é diagnosticada com uma doença genética, é necessário tratar. Não
conseguimos ainda reverter os fatores genéticos que causam a doença. Hoje já
existem algumas terapias genéticas que tentam corrigir o erro causado pela
mutação, mas ainda são muito escassas ou experimentais.
É
possível também fazer exames de triagem de portador para casais com histórico
familiar de alguma doença genética. Esse exame verifica se os progenitores
possuem mutações que podem causar doenças genéticas e qual o risco de gerarem
um bebê afetado pela doença. Com essas informações o casal pode fazer um
planejamento familiar personalizado e até optar por métodos de
fertilização in vitro (FIV).
Os
exames genéticos também podem ser realizados para identificar alto risco de
alguns tipos de câncer. Cerca de 10% dos casos de câncer são hereditários, ou
seja, estão associados a mutações que aumentam o risco e que são passadas de
geração em geração, afetando vários membros da família. Pessoas com histórico
familiar de câncer podem realizar esses exames para identificar se têm alguma
variante genética que aumente o seu risco de desenvolver a doença e então
realizar medidas preventivas para reduzir esse risco.
É
possível erradicar uma doença, como, por exemplo, o Alzheimer ou determinado
tipo de câncer?
R:
É muito difícil erradicar uma doença genética pois as mutações que causam essas
doenças podem surgir novamente. Além disso, para eliminar essa mutações seria
necessário impedir que todas as pessoas portadoras dessas mutações se
reproduzam, o que é completamente ilegal e anti ético. Apesar dessas mutações
causarem doenças, impedir que ocorram é desvantajoso a nível populacional:
essas mutações contribuem para a diversidade genética das espécies, e isso é
muito importante para a sobrevivência ao longo das gerações.
Como
tornar o sequenciamento genético mais popular e acessível para todos?
R:
Investindo em ciência e desenvolvimento tecnológico. Precisamos de tecnologias
e ferramentas de análise computacional mais precisas, ágeis e a custos cada vez
menores para que mais pessoas tenham acesso a esse tipo de exame. Também é
necessário familiarizar os médicos com essas novas tecnologias para que eles
saibam como utilizá-las, e educar a população sobre os benefícios dos testes
genéticos. Não adianta termos exames mais acessíveis se a comunidade médica não
consegue usar e a população não sabe para que eles servem e quais os seus
benefícios.
Como
o Brasil contribui cientificamente para o sequenciamento genético?
O
Brasil tem muito a contribuir na área. Temos excelentes universidades e
programas de pós-graduação na área da genética que formam ótimos profissionais.
Vimos um exemplo claro disso no início da pandemia: o genoma completo do
SAR-CoV-2 foi sequenciado dentro de 48h depois da confirmação do primeiro caso
no Brasil.
Além
disso, o brasileiro contribui muito com o estudo da variabilidade genética
humana com o seu próprio genoma. Populações miscigenadas como a nossa são muito
importantes para entendermos melhor as diferenças genéticas entre as populações
mundiais, inclusive quando falamos de doenças. Existem muitos grupos de pesquisa e
empresas brasileiras importantes na área de sequenciamento genético. As grandes
universidades públicas, como a USP e a UNICAMP, por exemplo, têm excelentes
laboratórios de diagnóstico genético.
No
setor privado, a Mendelics foi pioneira na América Latina em diagnóstico
genético por NGS e hoje já temos mais de 100.000 amostras analisadas e a maior
taxa diagnóstica do país. Também temos o maior banco de dados genéticos de
brasileiros e latino americanos, o que nos ajuda a oferecer laudos mais
precisos, considerando a genética da nossa população e não a de europeus, como
é feito na maioria dos demais laboratórios. A Mendelics é a instituição
brasileira que mais contribui com o banco de dados da ClinVar, um banco público
de informações sobre variantes genéticas associadas a doenças. Estamos entre os
25 maiores contribuintes do mundo.
Quais
os países mais avançados?
Durante
a pandemia do novo coronavírus, o Reino Unido se destacou muito pela capacidade
de sequenciamento do vírus e vigilância sanitária. Eles também têm um grande
projeto de sequenciamento da população e um dos maiores bancos de dados
genéticos do mundo. Outros países europeus, a China e os Estados Unidos também
se destacam nessa área. O Brasil também vem se destacando nos últimos anos.
E
o que esperar do futuro?
Estamos
vendo um avanço rápido das tecnologias de sequenciamento e na área da
informática. Muitas empresas estão investindo em equipamentos e tecnologias
capazes de sequenciar sequências longas de DNA de forma mais rápida e precisa.
Diferentemente do NGS, essas tecnologias analisam fragmentos maiores do genoma
e facilitam a sua reconstrução, nos deixando cada vez mais próximos de conhecer
o genoma humano completo, além de auxiliar no estudo de outros organismos: hoje
conseguimos sequenciar de uma só vez toda a diversidade de organismos que vivem
em um lago ou na microbiota do nosso intestino, por exemplo.
No
campo da informática vemos mudanças todos os dias. As inteligências artificiais
já são empregadas em muitos setores. Na área da saúde, esses programas já estão
sendo implementados em hospitais e laboratórios para auxiliar no diagnóstico,
principalmente por imagens. E na genômica não é diferente. Na Mendelics já
utilizamos um software de IA para auxiliar nas análises de dados genéticos, o
Abracadabra®. Os avanços, principalmente, na área de aprendizado de máquina,
vão trazer muitas melhorias para o ramo da saúde.
No
futuro podemos esperar atendimentos, exames, diagnósticos e tratamentos mais
eficazes, individualizados e, idealmente, mais acessíveis também.