Referência em atendimento de vítimas de maus-tratos, Hospital Pequeno Príncipe recebeu 20% menos crianças em comparação ao ano anterior. Dos 554 casos atendidos na instituição, 59% tinham até 6 anos
Uma estatística triste. A cada ano, o Hospital Pequeno
Príncipe recebe centenas de crianças e adolescentes vítimas de todos os tipos
de violência: sexual, física, psicológica, negligência ou autoagressão. Em
2020, foram 554 atendimentos, sendo que a violência sexual foi a predominante,
com 362 crianças vítimas, o que corresponde a 65,3% do total de casos. Cento e
três menores necessitaram de internação para se recuperar das lesões sofridas
ou para serem retirados da convivência familiar até que os órgãos de defesa da
infância tomassem as medidas protetivas cabíveis. “São números estarrecedores,
que ressaltam a importância de a sociedade estar atenta, ouvir os pedidos de
socorro desses meninos e meninas, e denunciar sempre, pois a denúncia pode
salvar vidas”, enfatiza a diretora-executiva do Hospital, Ety Cristina Forte
Carneiro.
Especialistas são unânimes em dizer que a necessidade de
ficar mais tempo em casa agravou os casos de violência contra as crianças.
“Historicamente, em cerca de 80% dos casos de violência, o agressor é alguém da
própria família ou conhecido da família. Em tempos de pandemia, a convivência
com esses agressores está aumentada. Se somarmos a isso o fato de as pessoas
estarem mais estressadas, menos tolerantes, com diversos problemas sociais, e
ainda sem a escola, que é um lugar de proteção das crianças, elas, sem dúvida,
estão muito mais vulneráveis”, analisa a psicóloga do Pequeno Príncipe Daniela
Prestes.
Um dado alarmante é com relação à pouca idade das
vítimas: 326 tinham até 6 anos. Segundo o Comitê das Nações Unidas sobre o
Direito da Criança, os primeiros anos da vida são a base para o desenvolvimento
futuro de uma pessoa, e o estresse na primeira infância (que vai desde a
gestação até os 6 anos), incluindo a exposição à violência, coloca em risco a
saúde e a educação das crianças, com consequências mentais e fisiológicas
negativas em longo prazo e que podem causar mudanças permanentes no cérebro em
desenvolvimento, afetando a aquisição da linguagem, o funcionamento cognitivo e
o autocontrole. Também pela pouca idade, a criança não consegue identificar o
que é violência e pedir socorro sozinha.
Perfil
das vítimas
Conforme relatório de 2020 da Organização Mundial da
Saúde (OMS), uma a cada duas crianças sofre algum tipo de violência no mundo
todo ano. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que mantém o Disque 100,
contabilizou 95.252 denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes em
2020 no Brasil. No Pequeno Príncipe, foram 554 atendimentos. A maioria das
vítimas, 67,5% do total, era menina. De todas as crianças atendidas, 167
apresentaram lesões aparentes, e em 103 casos foi necessária a internação.
Enquanto em 2019 duas crianças foram retiradas da família e encaminhadas a
abrigos, em 2020 o número passou para oito.
Nos casos de violência sexual, as menores crianças
vítimas desse tipo de violação foram três meninas e um menino de 10 meses de
idade. Em três dos quatro casos, o pai foi o principal suspeito. O genitor foi
apontado como principal suspeito em 70 dos casos atendidos (20%). Em 81% das
situações de violação sexual, a agressão foi cometida por alguém do vínculo
familiar da criança.
Considerada também como violência, a autoagressão é
bastante preocupante. O que chama a atenção é que em 2020 a menor vítima de
tentativa de suicídio era uma criança de apenas 10 anos de idade. Ao todo o
Pequeno Príncipe atendeu 19 crianças e adolescentes por situações provocadas
pela própria vítima.
Veja,
ouça, denuncie
Para sensibilizar a sociedade sobre a importância da denúncia,
o Pequeno Príncipe mantém, desde 2006, a Campanha Pra Toda Vida – A Violência
não Pode Marcar o Futuro das Crianças. Por meio de manuais voltados a
profissionais de saúde e da educação, livros sobre autoproteção direcionados ao
público infantojuvenil e mobilização da comunidade por meio das redes sociais e
outros materiais, a campanha busca dar visibilidade ao tema, seja ajudando os
profissionais a identificarem os sinais de violência, seja incentivando as
pessoas a denunciarem.
Em 2021 o tema é um chamado ainda para a sociedade
engajar-se na proteção às crianças e adolescentes. “Veja – Ouça – Denuncie é um apelo à sociedade, é um pedido para que
todos fiquem de olhos abertos, atentos aos pedidos de socorro das crianças e em
ação, denunciando os casos suspeitos de violência. A denúncia pode ser feita
ligando de forma anônima para o Disque 100 (nacional), 181 (Paraná) ou 156
(Curitiba). Este é um gesto que tem o poder de salvar vidas”, ressalta Ety.
Histórico de atendimento no Hospital Pequeno
Príncipe