Marco
legal em relação a um crime até pouco tempo atrás considerado de menor
potencial ofensivo e punido com pagamento pecuniário, a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006) mudou a ideia de que violência doméstica deva ser tratada no
âmbito privado e que a responsabilidade pela punição aos crimes depende da
mulher. Dados encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelos
tribunais brasileiros mostraram que 110 mil processos foram iniciados nas varas
de violência doméstica contra a mulher em 2015. Há outros 314 mil em tramitação
nas varas exclusivas de violência doméstica contra a mulher.
Os
dados, pela primeira vez acompanhados pelos tribunais, permitem revelar a
extensão da violência doméstica no Brasil, mas não dizem tudo. Acredita-se que
boa parte dos crimes – talvez o maior número – ainda esteja oculto. “A vergonha
e o medo de denunciar o agressor é um dos desafios que temos de superar. Outra
questão é a desconfiança no Poder Judiciário. Mas, para isso, precisamos
aumentar o número de varas especializadas, assim como melhorar o atendimento
que prestamos a essas cidadãs”, afirma a juíza Adriana Ramos de Melo, membro do
Comitê Gestor do Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ.
Segundo
a magistrada, a Lei Maria da Penha funciona como um freio inibidor da violência
e a denúncia muitas vezes impede o mal maior – o feminicídio. “A denúncia age
como o limite legal da violência doméstica. Em se tratando desse crime, a falta
de limite é a morte”, alerta.
Outra
juíza, acostumada a lidar com casos de violência doméstica desde 2006, reforça
a tese. “Quando há resposta penal, a reincidência é baixa. Ele passa a ter medo
da consequência dos seus atos; mas, se não houver, a tendência é aumentar e
perpetuar. Ele quer cometer o crime, só não faz se tiver medo da consequência”,
diz Theresa Karina de Figueiredo Gaudêncio Barbosa, do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Sem
volta - A magistrada
explica que nem todas as questões que envolvem um conflito familiar
necessariamente terminam em processo. Mas quando a violência está descrita como
uma ação penal pública incondicionada, ou seja, casos como lesão corporal, é o
Ministério Público quem processa o agressor. “Ainda que a mulher queira,
posteriormente, voltar atrás, isso não será possível. O interesse público fala
mais alto”, diz a magistrada.
Nos
casos de ameaça, por exemplo, a ação penal é condicionada, ou seja, a vítima
vai a juízo, pessoalmente, e a representação ainda pode ser retirada. Segundo a
juíza, esses são os casos mais comuns. Já nos casos de violência psicológica,
que podem provocar uma ação de injúria ou difamação, é a vítima quem tem de
entrar com uma queixa-crime no juizado de violência doméstica.
Combate
à violência – O CNJ
tem, entre suas atribuições, o planejamento e a qualificação do Judiciário para
lidar com o combate à violência doméstica. Desde 2007, o órgão realiza as
chamadas Jornadas Maria da Penha. Neste ano, a 10ª
edição ocorrerá na quinta-feira (11/8), no Supremo Tribunal Federal.
O
Conselho já editou diversas normas para regulamentar a atuação do Judiciário
nesse tema específico, dentre elas a Resolução
128/2011, que criou coordenadorias estaduais das mulheres em situação de
violência no âmbito dos tribunais, além de participar do Fórum Nacional de
Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid).
Lei
Maria da Penha -
Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das mais importantes
contribuições à defesa dos direitos humanos, a Lei
Maria da Penha, nos últimos 10 anos, aumentou a punição dos criminosos e
possibilitou a criação de uma rede de atendimento psicossocial das mulheres
vítimas de violência. No âmbito judicial, 100 juizados especializados nesse
tipo de crime foram criados, de 2006 a 2015, totalizando 106 em todo o país,
segundo dados do CNJ.
“Temos
de preparar os futuros magistrados nas universidades e os juízes atuais com
cursos de capacitação, para que entendam as convenções internacionais, assim
como lidar com equipes multidisciplinares e com as mulheres vítimas, para que
tenham coragem e força de levar à frente as ações e, dessa forma, barrar a
violência que impacta e destrói toda a família”, finaliza Adriana Ramos, do
Comitê Gestor do Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ.
Sobre
a Lei – A Lei Maria da
Penha estabelece que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime,
deve ser apurado por meio de inquérito policial e ser remetido ao Ministério
Público. A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a
aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até
três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de
violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e
de assistência social. Esses crimes são julgados nos Juizados Especializados de
Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação, ou nas
Varas Criminais em casos de cidades em que ainda não existem a estrutura.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias