No final do século XIX o Brasil necessitava de trabalhadores assalariados para substituir a mão de obra escrava. Dos imigrantes que chegaram ao Brasil, entre 1893 e 1928, 73% não pagavam suas passagens, pois seus deslocamentos eram custeados pelos cafeicultores ou pelos governos dos países interessados. Os países de emigração precisavam se “desvencilhar” de sua superpopulação pobre e analfabeta. Para se ter uma ideia dessa movimentação populacional, entre 1888 e 1939, quatro milhões de imigrantes entraram no Brasil, sendo que os italianos representavam o grupo mais numeroso: 34% de todo o contingente migratório, segundo a ONU Migración.
O governo brasileiro garantia que os imigrantes
podiam se estabelecer em qualquer ponto do país e se dedicar a qualquer ramo de
agricultura, indústria, comércio, arte ou ocupação útil, desde que não
ofendessem a segurança, a saúde e os costumes públicos. Tinham liberdade de
crenças e de culto, bem como o gozo de todos os direitos civis atribuídos aos
nacionais pela Constituição. Contudo, o medo do governo (Era Vargas) era que os
imigrantes pudessem agitar os sindicatos brasileiros em uma época em que o
capitalismo mundial havia sofrido um duro golpe com a crise mundial de 1929.
Tudo isso aconteceu durante a primeira grande onda migratória mundial, que
durou quase 50 anos, de 1888 (ano da abolição da escravatura) até a década de
1930.
A segunda onda migratória mundial deu-se depois da
2ª Guerra Mundial, entre 1948 e 1963. Uma das características dessa fase foi o
deslocamento de massas de refugiados e de migrantes oriundos de países
devastados econômica e socialmente por esse conflito. Nessa época, essa
temática populacional tinha forte apelo humanitário e os deslocamentos foram
dirigidos pelos organismos internacionais, que haviam sido instituídos pela
Organização das Nações Unidas (ONU).
Durante essa onda, não era qualquer um que poderia
migrar para o Brasil. Era preciso ter uma Carta de Chamada e um Compromisso de
Trabalho, caracterizando-se por um processo altamente seletivo. Isso porque o
capitalismo mundial dessa época se baseava na industrialização, que era sinônimo
de desenvolvimento econômico. Essa fase durou apenas 15 anos, pois os países de
emigração tinham voltado a crescer, não sendo mais atraente o processo
migratório ultramarino.
A partir de 1985 iniciava-se a terceira onda
migratória, que dura até os nossos dias. Trata-se do maior deslocamento de
pessoas de todos os tempos, que já envolveu 3,6% da população mundial (281
milhões de pessoas). Essa onda se caracteriza por um fenômeno novo, que é o
envolvimento de quase todos os países, seja na qualidade de países de
emigração, de imigração ou de trânsito. Antes, os fluxos se dirigiam do Velho
Mundo para a América.
Nessa terceira onda, o Brasil tornou-se, ao mesmo
tempo, um país de emigração e de imigração. De acordo com os dados estimados
para o ano de 2020, 4.215.800 dos brasileiros estavam morando no exterior (2%
da população do país), sendo que um grande incremento migratório ocorreu entre
2012 e 2020 (122%), de acordo com o estudo do Ministério das Relações
exteriores “Comunidade Brasileira no Exterior. Estimativas referentes ao ano de
2020”.
De forma resumida, pode-se dizer que o Brasil
recebia imigrantes nas duas primeiras ondas e que, na terceira, vem sendo
notada a saída de muitos nacionais que se dirigem para outras terras em busca
de uma vida melhor.
Ainda que a Declaração Universal dos Direitos do
Homem tivesse estabelecido, no seu artigo 13, que todo ser humano tem direito
à liberdade de locomoção, verifica-se, contudo, que não estabeleceu a
obrigatoriedade de as pessoas serem recebidas por outro Estado nacional. A
rigidez das fronteiras tem sido um dos empecilhos ao exercício pleno de um
direito universalmente afirmado.
Esse fato evidencia que o mundo global vive um
grande paradoxo: proporciona a livre circulação de bens, capitais e serviços,
em espaços sem fronteiras, ao passo que os Estados nacionais não garantem a
livre-circulação de pessoas e seus direitos. Exige-se fluidez para alguns
aspectos e, para outros, exige-se a rigidez territorial.
Ressalva-se, ainda, que especialmente a partir do
início do século XXI, a migração vem sendo sinônimo de ilegalidade, conflito e
delinquência. Isso vem desencadeando o fechamento de fronteiras, nacionalismo,
xenofobia e racismo, golpeando o Terceiro Milênio desde o seu início,
principalmente depois dos ataques terroristas às Torres Gêmeas, em Nova York,
em setembro de 2001.
Maria Gravina Ogata - Escritora; Geógrafa com Mestrado em Geografia Física, pela Universidade
São Paulo; Bacharel em Direito, pela Universidade Federal da Bahia; e Doutora
em Ciência Política, pela Universidade Complutense de Madrid. Escreveu o ensaio
histórico-social “As bambinas e os samurais brasileiros: uma saga migratória”,
publicado pela Literare Books, que mostra como os imigrantes italianos e
japoneses fizeram do Brasil a sua terra e como vem aumentando a diáspora dos
brasileiros no exterior.