Segundo um estudo realizado pela Universidade
Federal de Pernambuco, em parceria com a Universidade de Bocconi, na Itália, só
2,5% dos filhos dos pobres brasileiros conseguem ascender social e
economicamente em uma geração, enquanto 50% dos filhos dos ricos conseguem se
manter onde estão, não importa sua qualificação.
Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), no Brasil, uma pessoa oriunda de família pobre leva
até nove gerações para se estabelecer na camada média da distribuição de renda.
Se imaginarmos essa escala usando a metáfora de uma escada de 100 degraus, sair
do degrau 25 e chegar ao 75 levará, no mínimo, sete gerações. Só para comparar,
nos países nórdicos, com forte presença do Estado nas políticas sociais e
educacionais, bastam duas ou três gerações para haver uma mudança de patamar
socioeconômico.
É lógico que há exceções, mas evidentemente não há
como replicá-las em escala no quadro atual. No entanto, esses poucos exemplos
são fartamente usados para “provar” que basta "querer" para conseguir
o que se deseja. E essa falácia alimenta uma indústria cultural que foca no
indivíduo as soluções (e a culpa pelos fracassos) de todos os problemas. É a
versão educacional da Teologia da Prosperidade, na qual a quantidade de fé na
mudança é que determina o grau de transformação que ocorrerá. Algo como captar as
energias positivas do universo ou, descobrir o “grande segredo”.
Em tempos de negacionismo das pesquisas sérias,
florescem essas teorias de que o sucesso é uma questão de vontade e não de
realidade. Na rede pública de ensino do Estado do Paraná, por exemplo,
aconteceu algo assim. Numa disciplina do programa de educação integral, chamada
Educação Financeira, voltada para alunos do sexto ano do Fundamental, um
material "ensina" como ter uma "mentalidade de rico” em oposição
a uma "mentalidade de pobre". Curioso que a primeira lição desse
conteúdo “educativo" é que uma mente rica não põe a culpa em ninguém por
suas dificuldades, enquanto uma mentalidade pobre “culpa os outros ou o
governo”. Logo, realidades como as deficiências brutais da educação pública não
devem ser objeto de reclamação. Em São Paulo, por exemplo, um quarto das aulas
dos itinerários no novo Ensino Médio não são dadas por falta de professores. Há
dez anos não é realizado concurso para contratação de novos docentes. Mas é
lógico que falar sobre isso é coisa de mente de pobre, não é?
Para piorar: nas crises econômicas, como a
pandemia, por exemplo, os pobres tendem a ficar mais pobres e os ricos, mais
ricos. Ou seja, o “apertem os cintos”, “agora não é hora de reivindicar nada”,
“estamos todos no mesmo barco”, “precisamos cortar na carne para sairmos da
crise e todos voltarem a ganhar”, é outra dessas retóricas tortas, sem base em
qualquer fundamento científico, mas que repercutem fortemente na sociedade. A
realidade, porém, é que nem todos estão no mesmo barco, mas em barcos bem
diferentes. Pelo menos é o que diz o professor da Fundação Getúlio Vargas,
William Eis Júnior: "A pessoa que é pobre tem a renda reduzida em
períodos de crise. Mesmo na Europa, no auge da pandemia, com todo o apoio que foi
dado para as pessoas de baixa renda ou que ficaram sem trabalhar, ninguém teve
aumento de renda. Agora, a pessoa mais rica conseguiu manter sua
renda".
Freud dizia que nossa vida é pautada por dois
sentimentos opostos: o princípio do prazer e o princípio da realidade. O
primeiro quer o prazer agora; o segundo, adia o prazer do agora para outro
momento. Graças a esse adiamento, construímos a civilização. Da mesma forma,
por causa dele, nunca poderemos ser plenamente felizes. No entanto, é preciso
salientar que, para o médico austríaco, o desejo é uma coisa abundante, que
nunca acaba. O mesmo não pode ser dito dos recursos econômicos. Como falar em
poupar, em planejar gastos, em evitar os supérfluos, em conter a ânsia
consumista em um país no qual 35% dos trabalhadores ganham até um salário
mínimo, 70% ganham até dois salários mínimos, 90% ganha até 3.500 reais? O
princípio da realidade da sociedade brasileira não se refere a adiar o desejo
de ter bens materiais - como se isso pudesse ser apenas uma questão de
planejamento e tempo, aplicando uma mentalidade de rico - mas, de nunca poder
alcançar esses bens, porque a desigualdade econômica é brutal e desumana. Essa
é, até aqui, a História do nosso país, mesmo que essa realidade não pareça
entrar na mente de rico de muita gente.
Daniel Medeiros - doutor em
Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo.
@profdanielmedeiros