As mudanças de comportamento do consumidor brasileiro
A relação entre consumo e emoção nunca esteve tão
evidenciada quanto na pandemia da Covid-19. Desde o primeiro momento, a
população mundial teve seu comportamento de consumo alterado – seja porque se
enxergou a necessidade de fazer estoques de comida, medicamentos e álcool em
gel, seja porque os sentimentos diante da incerteza do futuro fizeram com que
as compras por indulgência passassem a ser mais constantes. Mas, às vésperas da
Black
Friday, considerada uma das principais datas do comércio mundial, a
pergunta mais pertinente é como o brasileiro vai se comportar no dia 27 de
novembro. Como especialista nas relações de consumo, decidi investigar quais
são os sinais e drivers desse possível comportamento do cliente e dar
algumas dicas para os gestores de marcas, produtos e serviços; a ideia é
antecipar como eles podem endereçar os desejos desse consumidor.
Um dos pontos de partida dessa reflexão é a análise
setorial Black Friday, conduzida pelo Google. Esse levantamento
alerta que os gestores de marcas não devem olhar para o passado na hora de
desenvolver as estratégias de vendas para 2020. Embora o faturamento de 2019
com a ação sazonal tenha sido de R$ 3,2 bilhões, este ano se apresenta como uma
incógnita; ou seja, em um cenário de incertezas, a expectativa é que o consumo
das famílias recue 7,1%. Para se ter uma ideia, em abril, a retração nas vendas
do comércio varejista foi de 23,4%; setores como vestuário e calçados foram os
mais impactados com retração de 39%; em contrapartida, os hiper e
supermercados, além de produtos alimentícios, cresceram 11%.
Se formos considerar o outro lado da moeda – ou
seja, os aspectos positivos –, tivemos um aumento nas vendas on-line,
já que o isolamento favoreceu as compras por impulso. Em maio, o e-commerce
representou 12,6% do comércio varejista. O número de novos e-shoppers
cresceu mais de 40%, representando 18% dos consumidores on-line.
Essa tendência deve permanecer, sobretudo porque as compras funcionaram como
uma válvula de escape; uma forma de inclusão social em um contexto tão adverso.
O que eu quero dizer com isso? Em uma perspectiva
mais psicológica, a compra passou a ser fortemente associada ao entretenimento,
à indulgência e à necessidade – não necessariamente física. O emocional ditou
inúmeras compras, ou seja, comprar virou uma forma de combater o vazio
emocional; o medo. Aqui, nota-se que uma possível culpa em comprar demais foi
substituída por “eu mereço”. Passados meses de isolamento social, começamos a
enxergar casos de indulgência moderada. Na prática, essa compra passou a ser
revista e ponderada sob novas formas de encarar a situação de adversidade.
É aqui que se enquadra a Black
Friday 2020, que será mais sobre bons negócios do que sobre um
consumismo sem reflexão. A pesquisa do Google mostra, por exemplo, que 52% dos
brasileiros estão gastando mais tempo na pesquisa por produtos ou lojas; 52%
compraram on-line em uma loja que nunca tinham comprado antes; 47%
aumentaram as buscas nas categorias do varejo e 50% sentem que as prioridades
mudaram – querem viver com menos! Então, quando pensamos em entretenimento,
queremos dizer que será mais planejado; em indulgência, que esse consumidor
está mais aberto a experimentar produtos, serviços e formas de comprar; e, em
necessidade, que ele está mais consciente de suas prioridades.
Com esse cenário, gestores de marcas, produtos e
serviços devem ser norteados por motivações de consumo – destacando melhores
achados, as escolhas mais inteligentes e as formas de visualizar o consumo
consciente. Não estou falando de discursos vazios, somente para conquistar o
consumidor. Estou falando que esse deve ser um valor a ser abraçado de verdade.
Embora haja, sempre, o objetivo do consumidor de se
deparar com descontos arrasadores, a tendência é que os brasileiros separem as
oportunidades dos oportunistas. O consumidor está muito atento – há alguns anos
– e, neste momento, bastante sensível a esse ponto. O levantamento mostra,
ainda, que há uma tendência, no varejo on-line, por compra de celulares, linha
branca, linha marrom, games e acessórios, informática,
pequenos eletrodomésticos, esporte e lazer para a casa. Haverá uma maior
diversidade na forma de comprar, ou seja, consumidores comprando tanto on-line
quanto no varejo físico. Nesse último caso, a minha dica é que o varejista crie
formas para que essa compra seja rápida e que passe toda a segurança sanitária
necessária.
Um ponto muito importante é o cuidado para não
frustrar o consumidor. Os problemas com a entrega de produtos (erros e demoras)
são inadmissíveis, sobretudo em um momento no qual o cliente está sensível pelo
contexto de pandemia. O mais importante agora é fidelizar esse consumidor com
um atendimento de excelência; mais do que nunca, estreitar relacionamento
significa aumentar o índice de recompra e de satisfação. É importante entender
que as pessoas estão muito tempo em casa, sentindo a necessidade de criar um
ambiente seguro – um contraponto à situação –, portanto, cabem às marcas trazer
esse prazer, esse gosto novo, esse momento que encanta e nos dá
esperança.
Nesse mercado que emerge em consequência da
pandemia, há duas questões que serão essenciais para os próximos anos: entender
verdadeiramente o novo consumidor e injetar o que chamamos de "fator
cool" das marcas, indo além para surpreender esse cliente. Com isso, temos
que criar canais de contato como as Black Stores – nas quais o consumidor
retira a compra feita no ambiente on-line. Como norte desse jeito de
pensar, é importante entender que o cliente quer rapidez, cortesia e
assertividade.
Como última mensagem, gostaria de alertar –
consumidores e varejos – para a importância de refletirmos sobre o momento que
estamos vivendo. Cabe a cada um de nós, consumidores e cidadãos, nortear nossa
conduta pela ética e pelo senso de coletividade. Entramos juntos nessa situação
e somente coletivamente é que vamos vencer os desafios. Espero que possamos
sair melhores; com um sentido mais apurado de humanidade. Comprar e vender é
também sobre ser ético e solidário.
Stella
Kochen Susskind - Pioneira na América Latina na metodologia de
pesquisa mystery shopping(cliente secreto), Stella é considerada uma
das mais importantes experts da temática no mundo. Autora do
livro Cliente Secreto, a metodologia que revolucionou o atendimento ao
consumidor (Primavera Editorial), a especialista é palestrante
internacional, tendo ministrado palestras em Barcelona, Estocolmo, Amsterdã,
Londres, Atenas, San Diego, Chicago, Las Vegas, Malta, Belgrado, Algarve, Split
e Buenos Aires. Empreendedora desde a década de 1980, fundou em 2019 a SKS
CX Customer Experience Consultancy; a consultoria é focada em experiência e
satisfação do consumidor, parceria da Checker Software – uma startup
israelense de tecnologia da informação que integra metodologias de pesquisa em
tempo real. A empresa – premiada em 2020 com o MSPA Elite Member, que a coloca
entre as 12 melhores do mundo no segmento – representa uma revolução nas
pesquisas de satisfação e experiência do consumidor brasileiro. https://skscx.com.br