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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Carnaval e a crítica da reverência



A festa do Carnaval sempre esteve associada, desde os mais remotos tempos, a uma manifestação de  desabafo e de esperança. Associada, no hemisfério norte, ao fim do inverno, início da primavera, tempo de semeadura, um trabalho danado, um sofrimento daqueles e então tinha a festa para comemorar, lembrar juntos e torcer juntos, pedindo para a terra que seja boa e dê frutos e que o clima seja bom e seja ameno e conforte os corpos exaustos com seu sol e suas chuvas. 

Praticamente todas as sociedades que conhecemos tiveram festas desse jeito. Na Idade Média, ao duro trabalho rural somava-se as rígidas interdições da igreja. Vivemos o início da quaresma, longo período de jejuns e orações para os católicos praticantes. Por que então não se preparar para essa provação cantando, dançando e comendo e bebendo à valer? O pintor holandês Pieter Bruegel retratou, em 1559,  uma dessas quartas feiras de cinzas, início de quaresma, mostrando os foliões em uma pousada que ficava ao lado de uma igreja. O quadro se chama O Combate entre o Carnaval e a Quaresma. A ambivalência - e a folia - permanecem atualíssimas.

O Carnaval marcou, ao longo dos séculos, um momento de quebra de regras, de limites, de identidades. Na confusão das ruas, não havia rico nem pobre, homem ou mulher, religioso ou pagão. A tradição das máscaras, ainda tão presentes, servia para impedir que se soubesse quem era quem nas vielas escuras das cidades europeias.

O estudioso sobre cultura e linguagem Mikhail Bakhtín (1895-1975), escreveu: Os espectadores não assistem ao Carnaval, eles o vivem, uma vez que o Carnaval, pela sua própria natureza, existe para todo o povo. Enquanto dura o Carnaval, não se conhece outra vida senão a do Carnaval. Impossível escapar a ela, pois o Carnaval não tem nenhuma fronteira espacial. Durante a realização da festa, só se pode viver de acordo com suas leis, isto é, as leis da liberdade.

No Brasil não foi diferente. A festa trazida para cá - ainda no período colonial - pelos portugueses, o entrudo, enchia as ruas com gritos, danças e muita alegria. Da janela, as moças suspendiam por alguns dias o recato e jogavam água ou farinha nos passantes. Ninguém era de ninguém e a imagem da autoridade virava do avesso com as fantasias irônicas e exageradas, os gestos ousados. A integridade não era garantida e os excessos eram comuns. Como observou o comerciante inglês John Luccock em seu livro Notas sobre o Rio de Janeiro, publicado em 1829: “já se observou muitas vezes que uma comunidade se retrata tão bem por meio de seus divertimentos como por meio de suas maneiras de pensar e agir sério”. Assim era o Brasil. E como isso incomodava! Por isso, por volta de 1840, a elite carioca - a capital do Império - resolve dar um basta e proíbe o entrudo. Carnaval tinha de ser controlado, uma coisa civilizada. A polícia cumpriu à risca as ordens e os foliões foram rebatizados de “vagabundos e desordeiros”. No lugar das festas populares, surgem os bailes, nos palacetes protegidos e, depois, nos clubes com segurança na entrada. E isso dura um bom tempo. Mais pro fim do século, no entanto, a criatividade brasileira resolve o problema das proibições, criando os cordões carnavalescos, que copiavam o modelo das procissões religiosas. Como proibir? Não dava. E, de novo, o carnaval voltou para as ruas.

No período Vargas, o populista gaúcho buscou normalizar os blocos de carnaval que cresciam a cada ano e criou os desfiles das escolas de samba, com as agremiações se apresentando na avenida, cantando sambas enredo que, obrigatoriamente, precisavam tratar da História do Brasil, de maneira elogiosa, é claro.

E assim, nas últimas décadas, o carnaval tornou-se um fenômeno turístico de grandes proporções, particularmente no Rio de Janeiro. Mas nunca deixou de ser uma manifestação da alma popular, embora camuflado sob grossas camadas de maquiagem.

Até que, no último domingo e segunda-feira, algumas escolas de samba romperam de novo com a previsibilidade e colocaram na passarela a irreverência, a crítica, o desabafo, invertendo os papeis, assumindo o protagonismo do discurso e gritando: Monstros! Ladrões! Corruptos! - tudo isso ao som das baterias e o aplauso os espectadores.

O antropólogo Roberto da Matta, autor do livro Carnavais, Malandros e Heróis (1979), disse: Se o Carnaval tem algum sentido, ele está numa estética da igualdade que apresenta o corpo pobre, mas harmonioso e belo; e a massa, que deveria se revoltar, envolta em fantasias e contando, na forma de um samba, histórias impossíveis. O Carnaval é riso, engano e mentira.

E também verdades. Muitas verdades.






Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica pela UFPR. Atualmente, é professor de História do Brasil no Curso Positivo, de Curitiba.


Pós-bullying: adaptação em uma nova escola



Buscar um ambiente escolar saudável e manter contato com professores para certificar-se do bem-estar da criança é essencial, afirma especialista


Nesta época do ano, é comum muitos pais se preocuparem em como ajudar o filho a frequentar outra escola após terem sofrido bullying na anterior. A adaptação a um novo ambiente, por si só, já é desafio para crianças, mas quando se trata de uma pessoa que já foi vítima de algum processo ligado à agressão física, moral ou psicológica, o processo é ainda mais delicado e, por isso, merece a atenção e acompanhamento dos pais. 

De acordo com Tania Paris, fundadora da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC), se essa mudança ocorreu por causa de bullying, provavelmente o menor estará muito sensível para iniciar novos relacionamentos. "Para ajudá-lo a enfrentar esta fase, é necessário conversar com pessoas-chaves da escola, pedindo seu apoio. No mínimo o coordenador pedagógico e o professor devem ser informados do histórico da criança, em particular de problemas e/ou traumas vivenciados por ela, para que possam ampará-la e compreender eventuais reações de medo e/ou isolamento. Em casa, os pais podem ajudar a reforçar habilidades emocionais e, principalmente, as sociais, como, por exemplo, como apresentar-se a novas crianças para fazer novos amigos", diz. 

Outro ponto é conhecer o cotidiano da escola: verificar se há programas que estimulem o desenvolvimento das competências emocionais das crianças e adolescentes, além de como os educadores tratam o bullying e os demais assuntos relacionados aos comportamentos autodestrutivos. Conversar com os pais que já passaram e superaram esta experiência também é de extrema importância. 

"Sanar dúvidas, abastecer-se de informações e manter contato com os orientadores são estratégias positivas para apoiar seu filho. Assim, é possível iniciar uma nova história e fortalecer a saúde mental. Pode ser uma oportunidade da criança ter um aumento de autoestima, ao perceber que superou aquela fase, sentindo-se capaz de enfrentar obstáculos", comenta.



 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

2018 - Refletir e Agir



Passados os festejos de final de ano, as férias de verão e o carnaval, aparentemente, as pessoas assumem uma postura mais séria e se voltam para os problemas do cotidiano. É comum ouvir dizer: agora o ano começou!

Este ano favorece a reflexão sobre alguns temas que, na minha opinião, devem ser sopesados pela sociedade como um todo, sobretudo quanto ao pleito eleitoral que se avizinha.

É inegável que há algum tempo o país vive momentos de transformação. A mídia tem revelado que os princípios da democracia são aviltados por comportamentos inadequados daqueles que mantêm relações próximas ou exercem o chamado poder político e, aproveitando-se dessa situação, favorecem a corrupção, o tráfico de influência, os rombos nas contas públicas etc., subvertendo com tais atitudes os valores morais e éticos que devem nortear a vida do indivíduo em sociedade.

Desta maneira, o pleito eleitoral que se realizará neste ano propicia uma grande oportunidade para que todo cidadão, ao exercer seu dever-poder de votar, participe do processo de aprimoramento do sistema social e político, sobretudo,  porque a todos será dada a chance de se manifestar, de se posicionar quanto aquilo que deseja para si e, sobretudo, para o país.

Nas democracias o governo é escolhido pelo povo e em seu nome deve ser exercido, simplesmente porque o povo é soberano em suas vontades. Nesse passo, o exercício da cidadania deve ser  responsável e consciente, notadamente em relação à escolha daqueles que irão conduzir o poder político da nação.

É de se ter sempre em mente que essa responsabilidade é intransferível e que a má escolha, inevitavelmente, resulta em representantes inconsequentes que continuarão a fazer triunfar os vícios e as nulidades que desnorteiam as gerações forjadas em valores corrompidos.

Mais do que simplesmente criticar e se envergonhar da forma como parte dos políticos tratam a coisa e o interesse públicos, muitas vezes desvirtuados e desconsiderados em prol de conveniências personalíssimas ou de alguns poucos, é preciso compreender que cada cidadão tem a ferramenta para coibir a ação daqueles que maculam os bons costumes, as leis e a representação que lhes foi outorgada, ao utilizarem instrumentos de corrupção, da mentira e da fraude para obter vantagens ilícitas e indevidas.

Aliás, urge que essa reflexão seja feita para que se crie consciência de que o povo, a população, cada cidadão, pouco importando sua condição social, é imprescindível na formatação de uma sociedade mais justa e que busca a construção de uma ordem social que valorize a ética, a moral, que leve em conta os princíprios cristãos e, como finalidade, privilegie o bem comum.

Daí a importância de que todas as pessoas se conscientizem da sua fundamental importância no exercício da cidadania, do voto consciente, porque a omissão ou a eventual escolha incorreta, inevitavelmente, acarreta problemas de grande monta para toda sociedade.

Se enfrentamos - e enfrentamos - dificuldades com aqueles que exercem a representação política, seja no poder executivo como no legislativo, é porque as individualidades não têm dado o devido valor ao ato de escolher quem deve desempenhar o dito poder político.

Todo cidadão - aqui como um dever, uma obrigação - precisa ter consciência de que é artífice na construção do bem comum e que isso, repita-se, irremediavelmente, passa pela escolha responsável de quem o representará.

Simplesmente porque todos são partícipes na construção de uma mentalidade mais coerente, é por isso que neste momento de crise institucional e, sobretudo, moral e ética, somos chamados à responsabilidade individual e coletiva.

Todo cidadão tem a oportunidade de influenciar de modo significativo no coletivo, ajudando na transformação da sociedade e do Brasil, influenciando para que a ordem social seja fundada na justiça e na solidariedade, notadamente ao escolher o justo para governar, dando vida e vivenciando o ensinamento bíblico, portanto, milenar, expresso em Provérbios 29:2 que diz: “quando o justo governa o povo se alegra”.

Com coerência filosófica e política Rousseau afirmou que “o povo é soberano e que a soberania é a superação do estado de fraqueza, guiada pela razão humana”. Assim, é o cidadão, cada cidadão, quem tem o dever e o poder de coibir a ação daqueles que, ao representá-lo, macula os bons costumes, as leis e a representação que lhe foi outorgada.

O bom trato da coisa pública, o bem comum, é o mote que deve orientar a atuação daqueles que exercem qualquer munus público, e essa representação deve ser exercida por pessoas que, em qualquer situação, atuem dentro dos princípios da ética e da moral.

Nessas circunstâncias e parafraseando Ruy Barbosa é de lembrar “que nos momentos de crise eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substimo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo”.

Essa reflexão precisa ser feita para propiciar que cada cidadão, ao fazer o exame da sua atuação, exerça sua consciência e ação política com responsabilidade. Assim, que cada qual possa refletir e, sobretudo, agir com coerência moral e ética, exercendo sua cidadania em prol da construção de uma sociedade mais justa e perfeita.






Paulo Eduardo de Barros Fonseca é advogado – Titular do escritório Sheldon Barros Fonseca - Advogados;     Procurador Estadual aposentado (Unesp); presidente da APAESP – Associação dos Procuradores Autárquicos do Estado de São Paulo; e Membro do Conselho Superior da ABRAPAssociação Brasileira dos Advogados Públicos.


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