“É impossível ser feliz sozinho”, já dizia a canção
“Chega de Saudade”, escrita por Vinícius de Moraes e musicalizada por Tom
Jobim. O poeta tinha razão, diz a psicanalista Débora Damasceno, diretora da
Escola de Psicanálise de São Paulo. “Não somos capazes de viver sós; a
necessidade de viver em grupo faz parte da nossa constituição filogenética”,
explica. “O ser humano não pode cuidar de si mesmo e prover sua própria
proteção e alimento”.
Mas e quem afirma que vive só e “muito bem,
obrigado”? “A solidão é uma grande ilusão. As pessoas podem viver sem a
presença de outra pessoa, mas nunca sem uma estrutura social que a ampare – e
isto se traduz nos cuidados e serviços de alguém, muitas vezes pagos para tal”,
explica a psicanalista. “Ainda que eu não tenha ninguém, eu preciso de uma casa
- que foi construída por outras pessoas. Preciso de remédio, que foi
desenvolvido por uns e é vendido por outros. Não posso ficar sem o alimento que
é cultivado, fabricado e comercializado por pessoas. E de um cuidador para
quando eu não tiver mais condições de cuidar de mim. Se eu não tiver tudo isso
por troca afetiva, terei por troca financeira, pelo dinheiro”.
Infelizmente, na visão de Débora, reconhecer a
necessidade do outro é visto como fragilidade. “Só no campo do amor e da
sexualidade é que podemos declarar a nossa necessidade do outro sem que isto
seja visto como incapacidade pessoal. Não soa como uma fraqueza reconhecer a
fragilidade diante da vida, a necessidade do amparo, do cuidado e de ter alguém
por perto até mesmo para ficar em paz”.
A grande questão é que ainda há pessoas que
acham que, se temos dinheiro, não importam os valores que pautam a nossa
conduta porque “conseguiremos pagar”. “Se uma pessoa diz que teve filhos para
ter quem os ampare na velhice, será duramente criticada, afinal, não se pode
ter filhos com este fim”, ilustra a psicanalista. “No amor e no sexo a troca
financeira é tabu, não é bem vista. Pagar por comida, por serviços, por saúde,
tudo bem. Mas para relacionar-se com alguém, jamais!”.
Apesar da modernidade e da correria do dia a dia,
fica evidente que a afetividade ainda conta. É um sentimento que nos permite
até mesmo assumir quem de fato somos: seres sociais, que precisam do outro para
existir. “Embora não exista fórmula para a felicidade, talvez experimente uma
sensação de bem-estar, paz e tranquilidade aqueles que têm consideração pelo
outro; gratidão pelo que dele recebe e, principalmente, aceitam essa interdependência.”
Fonte: Escola de Psicanálise de São Paulo