O ano de 2017 foi marcado
por uma mudança substancial da legislação trabalhista e não se pode ignorar que
seus efeitos se farão para o futuro das relações de trabalho. As alterações
legislativas, em geral, não produzem efeitos imediatos. No caso da Reforma
Trabalhista, foi inaugurado um processo de transformação cuja implementação
depende de todos, empregadores, empregados, sindicatos, juristas e magistrados.
Há evidência de que a
proposta da Reforma é de saída do modelo tradicional de proteção do Estado para
privilegiar a relação contratual e a boa-fé.
A partir da Reforma
Trabalhista e com a possibilidade de contratação de pessoa jurídica ou de
trabalhador autônomo para o exercício de atividade fim do tomador, a evidência
de fraude não poderá mais ser analisada pelo viés do tomador, detentor de
capital, aspecto que a legislação trabalhista deixou intacto porque é do modelo
capitalista de relação de trabalho que a assumpção do risco da atividade
econômica pressupõe a submissão do prestador de serviços.
Conforme afirma Alain
Supiot (“Et si l’onrefondaitledroitdutravail”. Le Monde Diplomatique, nº
763, 64e. année. Octobre 2017) a revolução produzida pelos meios
informatizados deslocou o centro de gravidade do poder econômico, situado menos
na propriedade material dos meios de produção que na propriedade intelectual
dos sistemas de informação. O exercício do poder econômico está concentrado nos
objetivos a serem atingidos e não estritamente nas ordens de sua execução.
Todavia, a Reforma impõe que
a comprovação de vínculo de emprego não se faça mais pela presunção de que a
capacidade econômica do tomador pressuponha a incapacidade intelectual e mental
do prestador de serviços.
Neste sentido, a 4ª Câmara
do TRT da 15ª Região, negou o vínculo de emprego sob o fundamento de que a
relação contratual foi permeada pela autonomia da vontade e que o fato de as
partes terem celebrado cinco contratos de prestação de serviço autônomo não
afastou a prevalência de que a boa-fé, como princípio de direito não pode ser
desprezado (Processo 0162800-63.2009.5.15.0083).
No caso, tratou-se de
trabalhadora que postulou a descaracterização de vínculo de emprego muito
embora tenha reconhecido em juízo que mantinha inscrição como autônoma na
prefeitura e na Previdência Social e que, portanto, era pessoa conhecedora de
seus atos e compromissos e que, segundo o Desembargador Dagoberto Nishina
Azevedo a condição cultural a autora revelou que se trata de “pessoa inserida na
minoria da população de nível intelectual privilegiado e, ao contratar,
obviamente tinha plena ciência do tipo de vínculo a que estava se submetendo”.
Este é um exemplo clássico
de litígio trabalhista que sempre fora acolhido no modelo protecionista da CLT
em que a presunção de vínculo de emprego se impunha, ainda contra elementos
jurídicos fundamentais para a validade e eficácia do ato. As decisões ignoravam
a condição intelectual do trabalhador e a boa-fé na celebração do contrato,
gerando grave insegurança jurídica, especialmente para o tomador se serviços.
Não se está aqui a dizer que
o vínculo trabalhista de emprego é exclusividade de trabalhadores de trabalho
manual ou que se deva fazer a diferença com o trabalho intelectual, condição
esta que é vedada pela Constituição Federal. O que o acórdão revela é que o
contrato de emprego deve ser definido no momento de sua celebração e que a
pretensão de sua descaracterização deve levar em conta a fraude e a má-fé da
parte contratante e a incapacidade de oposição do contratado, caso contrário o
ato jurídico se consuma e se torna efetivo.
Dirão alguns que a presença
da subordinação e da pessoalidade seria motivo suficiente a comprovar a fraude
e mandar aplicar a legislação trabalhista. Entretanto, as relações trabalhistas
evoluíram para outros modelos em que a pessoalidade não implica subordinação,
caso, por exemplo, do exercício de atividade intelectual (Lei nº 11.196/05), do
cooperado, do corretor de seguros. E, acrescente-se que na Lei nº 13.467/17, o
trabalho intermitente é a prova mais absoluta de que a pessoalidade e vínculo
de emprego não geram necessariamente a subordinação pois o trabalhador pode
recusar a convocação do empregador.
O tempo de 2018 é de revisão
de pensamentos e de adequação aos novos modelos de produção de trabalho sem,
contudo, gerar um empobrecimento intelectual nas relações trabalhistas.
Paulo
Sergio João - advogado, professor de Direito Trabalhista da FGV, PUC-SP e
FACAMP.