O
argumento usado pelo ministro Lewandowski para não homologar a delação premiada
do marqueteiro Renato Pereira foi absurdo, malicioso, aberrante e nefasto para
a imagem já bastante desgastada do STF. Foi uma decisão desconexa e totalmente
fora da lei. Pior: ainda determinou o fim do sigilo da delação (trazendo
imensos prejuízos para a investigação).
Desde
o trágico julgamento do caso do senador Aécio Neves (que foi um desastre para a
esgarçada imagem do STF) sabe-se da existência, dentro da Corte, de dois
grupos: um a favor e outro contra a Lava Jato (leia-se: um a favor da
continuidade da corrupção sistêmica que estrutura nossa cleptocracia e outro
contra).
Lewandowski
e Gilmar Mendes, como é público e notório, querem liquidar a Lava Jato o mais
pronto possível para salvarem a pele de seus amigos envolvidos com a corrupção
endêmica do Estado e de alguns agentes do mercado econômico e financeiro. Parte
do STF passou a fazer parte da defesa sistêmica da velha corrupção. É a maior
anomalia que já se viu até aqui.
Em
lugar de fazerem cumprir a lei e a Constituição, fazem de tudo para driblar o
que está escrito nelas. Lewandowski, violando um precedente da Corte, deu mais
um “salto triplo carpado” em sua carreira, devolvendo a delação do marqueteiro
sem homologação. Já tinha feito isso naquele pavoroso “fatiamento” no
julgamento de Dilma Rousseff.
É
nítida no STF a corrosão gerada pelo processo de latinoamericanização, que
significa inteira obediência aos poderes políticos, econômicos e financeiros
que comandam a nação. Antigamente se dizia que compete à mídia dar a primeira
palavra e ao STF a última. Isso acabou.
O
STF, sobretudo sob o comando de Lewandowski e Cármen Lúcia, se curvou, se
acovardou. Já não diz a última palavra quando o implicado é um político.
Em
junho/17 os ministros da Corte, por maioria, decidiram que o juiz, no momento
da homologação de uma delação, não pode entrar no mérito do acordo. Cabe-lhe
apenas o exame da legalidade, espontaneidade e voluntariedade da negociação,
sob pena de arquivar toda investigação (disse o decano Celso de Mello).
O
argumento de Lewandowski de que o Ministério Público não pode fazer negociação
sobre a pena nem sobre o regime prisional, ignora tudo que foi feito até aqui
em todas as mais de 170 delações já homologadas. É evidente que a imposição das
sanções finais é da competência do juiz. Os acordos firmados pelo Ministério
Público são, no entanto, apenas compromissos que ele assume com o colaborador
da Justiça. Isso é da essência do modelo de Justiça consensuada.
É
chocante o desconhecimento (ou a má-fé) do ministro, que não entendeu nada do
sistema de Justiça negociada que veio dos EUA e que acabou sendo contemplada na
Lei 12.850/13 (lei aprovada pelo Parlamento brasileiro e sancionada pela
ex-presidente Dilma).
O
juiz não pode participar da negociação penal (nem no Brasil, nem nos EUA), nem
de forma direta, nem indireta. Quando há algum atropelo à Constituição,
compete-lhe determinar o ajuste do acordo e nada mais. Teori fez isso várias
vezes.
Lewandowski
diz que o Ministério Público não pode fazer o acordo. Isso significa matar a delação premiada
(assim como toda a Lava Jato). Isso significa, ademais, “legislar” contra o que
está estabelecido no nosso sistema jurídico.
O
STF, até aqui, vinha consolidando com razoável equilíbrio o novo sistema de
Justiça criminal negociada, que é o único capaz de enfrentar a criminalidade e
a corrupção dos poderosos, que somente são alcançados pela lei quando eles
mesmos colocam fim na “omertà” (que é o silêncio da máfia).
Alguns
ministros, no entanto, favoráveis à perpetuação da corrupção sistêmica, decidem
de costas para a população e para as leis. Defendem ideias velhas dentro de uma
nova realidade, que quer resgatar o Brasil esquecido, humilhado e saqueado
pelas suas elites perversas.
É
impressionante como as forças do atraso, de várias colorações ideológicas,
continuam interferindo no funcionamento da Corte máxima do País.
O
ministro Celso de Mello vem enfatizando que o Ministério Público não pode ser
surpreendido por um "ato desleal" do Judiciário (disso é exemplo o
ato de má-fé do ministro Lewandowski), sendo “dever indeclinável" do
Estado "honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração",
desde que o colaborador cumpra a sua parte.
A
decisão de Lewandowski, ao contrariar jurisprudência recente do STF, tira a
estabilidade da própria Corte, jogando mais luz na tese disseminada de que seu
propósito, na verdade, é o de “estancar a sangria” da Lava Jato, para que a
corrupção sistêmica se eternize, não permitindo que o Brasil saia nunca do
subdesenvolvimento.
LUIZ FLÁVIO GOMES - jurista. Criador
do movimento Quero Um Brasil Ético. Estou no F/luizflaviogomesoficial