Procedimento ocorreu em Curitiba, no último dia 8
Um
em cada dez brasileiros tem arritmia cardíaca, um descompasso no ritmo das
batidas do coração que pode afetar pessoas de todas as idades e provocar morte
súbita, que segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac),
mata cerca de 320 mil brasileiros todos os anos.
No
último dia 8, em Curitiba (PR), o cardiologista brasileiro Mauricio Montemezzo,
em parceria com a médica canadense Jacqueline Joza, implantaram o
Cardioversor-Desfibrilador Implantável Subcutâneo (S-ICD) em um homem de 46
anos, que tem hipertrofia do miocárdio, em um procedimento que durou cerca de
40 minutos.
No
país, esse é o 79ª implante desse aparelho que reseta o coração com um choque e
reverte a morte súbita, além de oferecer menor risco de complicações comparado
aos modelos que são inseridos dentro de veias e do músculo cardíaco. A cirurgia
para a colocação do desfibrilador é minimamente invasiva e de baixo risco, com
anestesia geral, e dura em torno de uma hora, com 24 horas de internamento,
precisando de duas pequenas incisões, uma de dois centímetros e outra de
quatorze. “Em uma semana, que é o período de recuperação que pedimos para todo
tipo de procedimento, o paciente retorna à vida normal”, afirma Montemezzo, que
é especialista em Estimulação Cardíaca Artificial.
Diferenças e benefícios do aparelho
Segundo
ele, com os modelos anteriores de desfibriladores para implante, um cabo
precisa ser inserido no organismo do paciente, via endovenosa, ou seja,
permanecendo em contato com a circulação sanguínea. Pela região do corpo em que
o implante é colocado, muitas vezes esse cabo fica bem perto da clavícula e se
movimenta muito, principalmente com o passar do tempo, e pode ficar danificado
e até mesmo causar fraturas no paciente. Quando isso ocorre, o cabo precisa ser
retirado ou substituído, mas por causa do acesso venoso, qualquer manipulação é
bem complicada. Há casos, principalmente em pacientes mais jovens, que
trabalham e levam uma vida ativa, que são necessárias várias intervenções. “Com
o S-ICD, não há o mesmo risco que com os modelos anteriores de infecção
sanguínea, fratura ou danificação dos cabos dos eletrodos, porque o aparelho e
a bateria ficam logo abaixo da pele do paciente, sem tocar nenhum órgão ou na
circulação sanguínea, e os eletrodos ficam fora do organismo do paciente”,
afirma Montemezzo.
O
procedimento é realizado por plano de saúde, pois está dentro dos protocolos da
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do Ministério da Saúde para
pacientes com indicação de profilaxia, ou prevenção, primária e secundária.
Montemezzo explica que pacientes de profilaxia primária são aqueles que têm uma
doença estrutural, de característica genética, como a cardiopatia hipertrófica,
com critério de alto risco de morte. Os pacientes de prevenção secundária são
aqueles que já passaram por morte súbita abortada.
Ele
conta que a eficácia do S-ICD, comparada aos modelos anteriores de
desfibriladores e evidenciada em estudos conduzidos na Europa, Estados Unidos e
Canadá, está comprovada para pacientes com dificuldade de acesso venoso, alto
risco de apresentar complicações com o uso de eletrodos de cabos via acesso
venoso, baixa imunidade, presença de outras doenças complicadoras
(comorbidades) e histórico de infecções. E com o S-ICD, menos complicações se
traduzem em menos procedimentos, ou seja, menos riscos para os pacientes e
menos custos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de procedimentos de extração
de eletrodos dispositivos cardíacos implantáveis em geral, motivados por
infecções, aumenta anualmente: em 2015, foram 97.890 procedimentos.
Como saber quando há risco
de morte súbita
Para a ocorrência da morte
súbita, o coração sai do ritmo de batimento normal e entra em arritmia,
batimento irregular e muito rápido, até parar de bater, o que se chama
taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação ventricular.
As doenças do coração que
podem levar à morte súbita atingem pessoas de qualquer idade e não apresentam
sintomas. A boa notícia é que, segundo Montemezzo, exames simples e
relativamente baratos como eletrocardiograma, ecocardiograma e ressonância
magnética do coração podem dar pistas da existência dessas doenças, que muitas
vezes são de origem genética, como a cardiomiopatia hipertrófica.
O especialista explica que
um coração que bate em ritmo mais baixo ou tem algum tipo de bloqueio cardíaco
não consegue funcionar como um relógio, como um coração normal, que bate de
forma rítmica: “Quando há uma dissociação entre a parte de cima e a parte de
baixo do coração, isso é chamado de bloqueio. Um marca-passo conserta esse tipo
de bloqueio, mas alguns pacientes precisam de mais do que isso, e é aí que
entra o desfibrilador, com a função de choque”. Se o paciente apresenta uma
arritmia mais grave, teve um infarto que gerou uma área de necrose, com uma
cicatriz no coração, ou nasceu com uma característica genética, como uma
cardiomiopatia hipertrófica, o coração tem algumas lacunas que possibilitam a formação
de arritmias graves que levam à morte. Há ainda pacientes com outras doenças
genéticas que dão uma predisposição maior à morte súbita.
Quando
o paciente que tem risco de sofrer a morte súbita usa o desfibrilador, o
aparelho reconhece a arritmia e, por meio de algoritmos verifica se o
descompasso é ou não normal e, dependendo da avaliação, aplica um choque de 80
joules que reseta o coração e o faz voltar a bater no ritmo normal. “É o que
chamamos de morte súbita cortada”, diz Montemezzo.
Ele
explica que o ritmo de um coração normal é de sessenta, setenta e até cem
batimentos por minuto. Na ocorrência da morte súbita, o coração vai a 240,
trezentos batimentos por minuto, e não consegue gerar fluxo para o sangue
circular até o cérebro e os membros. Não havendo esse fluxo, a parte de cima e
a parte de baixo do coração batem tão rapidamente, que o paciente desmaia. Caso
nada seja feito, o coração dispara, ocorrem várias assistolias (paradas do
coração), o paciente tem uma parada cardiorrespiratória e morre. “O S-ICD é
como um médico 24 horas ao lado do paciente, pronto a socorrê-lo no caso de
isso acontecer”, afirma Montemezzo.
Laboratório de
Eletrofisiologia de Curitiba (LEC)