
Pórtico de Free Flow instalado no Rodoanel
Crédito - Divulgação COMPSIS Créditos: COMPSIS/Divulgação
Referência no
setor, engenheiro explica detalhes sobre funcionamento de IA brasileira e
aponta desafios no modelo de bilhetagem por pórticos
A alavancada nas concessões rodoviárias pelo Brasil
vai representar um incremento de R$ 46,7 bilhões em investimentos na
infraestrutura e avanços tecnológicos no modal. O protagonista neste cardápio
de inovação é o Free Flow, sistema de pagamento eletrônico que tirou de cena
nos novos lotes as praças físicas com as vantagens de ser mais eficiente,
sustentável e, o que é melhor para o motorista: acabar com as filas nas
cancelas.
Na audiência pública realizada pelo governo federal
no início de setembro, sobressaíram as dúvidas sobre a eficácia dos pórticos
nos registros das passagens, modelos de cobrança, segurança de dados e a
confiança na relação entre governo, consumidor e as empresas que oferecem a
tecnologia do novo pedágio.
Referência no setor, Ailton Queiroga, ex-engenheiro
na Embraer e atual presidente da COMPSIS, empresa de São José dos Campos que há
mais de 30 anos entrega soluções de inteligência artificial para sistemas
rodoviários, reforça nos bastidores os desafios do Free Flow. Quando o modelo
não era nem sonho no Brasil, em meados dos anos 2000, a COMPSIS já participava
da concepção de um projeto do tipo na Austrália, em parceria com gigantes como
a Siemens e a Philips. Hoje, a empresa de Ailton é pioneira em soluções
completas e 100% nacionais de IA para o Free Flow, está presente em cinco
regiões do Brasil, sendo a responsável pela instalação do pedágio sem cancela
em eixos rodoviários estratégicos para a economia, como o Rodoanel Mario Covas
(SP).
Pergunta – Alguns condutores ainda temem o Free Flow. Ele é realmente confiável,
consegue captar os veículos com precisão? Existe algum desafio nesse sentido?
Ailton Queiroga – Não há o que temer, trata-se de um modelo que já é realidade em mais
de 20 países ao redor do mundo, como Austrália, Estados Unidos, Canadá, França,
Japão, entre outros. E o Brasil está muito avançado no assunto. Temos ao dispor
tecnologia nacional avançada e extremamente competitiva, se comparada com às
importadas, para serem utilizadas nos pórticos e em todo processo de integração
dos sistemas das concessionárias. O sistema Free Flow é capaz de identificar
veículos de passeio, comerciais e caminhões em tempo real e em condições
adversas, seja sob chuva, em alta velocidade e à noite. A tecnologia nacional
desenvolvida pela COMPSIS, por exemplo, acerta em cenários que normalmente
confundem sistemas convencionais, como caminhões com eixos suspensos ou rodagem
dupla, porque nosso sistema de Free Flow integra sensores de alta precisão,
câmeras LPR dianteiras e traseiras, antenas RFID e algoritmos de inteligência
artificial capazes de operar em tempo real. É uma IA que foi treinada com base
em milhões de transações realizadas em rodovias brasileiras, onde cerca de 40%
do tráfego é de veículos comerciais, índice muito maior do que em outros
países. Isso nos dá um banco de dados robusto e adaptado à realidade local, o
que garante maior acurácia. Então, não há o que temer, temos expertise no País
para avançar muito mais.
Pergunta – Apesar dos benefícios, o Free Flow ainda está presente em poucos
trechos no Brasil. O que tem travado uma expansão mais acelerada?
Ailton Queiroga – O amadurecimento tecnológico já aconteceu, mas ainda temos barreiras.
A primeira é regulatória: ainda não há uma regra nacional clara sobre cobrança,
integração com o RENAINF ou gestão da inadimplência. Isso tudo ainda está em
discussão, mesmo após o modelo já ter passado a operar em alguns locais no
Brasil. Depois, há a questão da infraestrutura: nem todas as concessões têm
backoffice preparado para operar sistemas robustos como o Free Flow. Por fim, o
modelo econômico também pesa, porque contratos antigos de concessão não foram
desenhados para esse tipo de tecnologia e há resistência em alterá-los.
Pergunta – O que determina se um pedágio pode ser convertido em Free Flow? Por
que algumas rodovias são mais propensas a receber o modelo?
Ailton Queiroga – Vias com alto fluxo urbano e intermunicipal, onde não há espaço
físico para novas praças, são candidatas naturais. Também aquelas onde há
pressão social contra pedágios convencionais, seja por engarrafamentos ou
impactos ambientais. Já em rodovias de baixo tráfego ou com contratos de curto
prazo, a tendência é manter o modelo tradicional.
Pergunta – O que falta para o Free Flow ser tão natural ao motorista brasileiro
quanto parar no posto para abastecer?
Ailton Queiroga – Três pontos principais: comunicação clara ao usuário sobre como
funciona a cobrança, confiança de que não haverá erros e integração simples com
meios de pagamento, como TAG, cartão e Pix. Temos investido nisso aqui na
COMPSIS, inclusive, com o SICAT Pay, uma plataforma que garante transparência
total, mostrando ao usuário exatamente as datas, locais e valores das cobranças
pelos trechos utilizados.
Pergunta – De olho para o futuro, o que podemos esperar da evolução do Free
Flow?
Ailton Queiroga – Um dos avanços será a automação completa do backoffice, reduzindo a
necessidade de intervenção humana. Além disso, estamos desenvolvendo soluções
como o Eaglevision, uma IA que amplia a função dos sensores das câmeras para
além da cobrança, permitindo usá-los em gestão de tráfego e segurança viária em
tempo real.
Pergunta – Em sua opinião, o pedágio físico com cancela tem data para acabar no
Brasil ou os dois modelos vão conviver por muito tempo?
Ailton Queiroga – É improvável que desapareçam no curto prazo. A tendência é de
convivência: nos novos contratos e grandes corredores, o Free Flow tende a
dominar; mas em trechos de menor viabilidade econômica, o pedágio físico deve
continuar. A COMPSIS atua em ambos os cenários hoje. Temos, por exemplo, um
sistema de papa-filas, que é uma solução alternativa eficiente para praças físicas,
eliminando as filas.
Pergunta – Quais são, na prática, os maiores ganhos do Free Flow para quem usa
as rodovias?
Ailton Queiroga – Eu destacaria três pontos: redução da poluição, porque o motorista
não precisa parar, o que evita acelerações e frenagens desnecessárias,
reduzindo a emissão de gases; menor custo de operação, porque a estrutura
física e humana necessária é mais simples, o que pode reverter em tarifas mais
justas ao usuário; e mais agilidade e segurança, porque sem filas e paradas, a
viagem flui melhor e se torna mais segura tanto para carros de passeio quanto
para caminhões.
Pergunta – Nos últimos meses cresceu a discussão sobre o impacto do tarifaço em
importações e a ideia de que o Brasil depende de alta tecnologia estrangeira
para avançar no Free Flow. Qual sua opinião sobre isso?
Ailton Queiroga – Embora o setor de software não seja o mais afetado pelo tarifaço por ser um serviço, ele também sente muito os reflexos. Mas, eu vejo que o Brasil tem capacidade de sobra para avançar com sua própria tecnologia de ponta, e a trajetória da COMPSIS é a prova disso. Estamos há mais de três décadas nesse mercado, exportamos nossos serviços, inclusive. E hoje temos um modelo pioneiro de Free Flow completo e 100% nacional, criado para resolver problemas reais das rodovias brasileiras. Nossa inteligência artificial foi desenvolvida aqui, entendendo o perfil de tráfego local, e concorre em igualdade, aliás, até com vantagens, em relação às soluções importadas. É um sistema que se adequa aos mais diferentes tipos de câmeras e processos. Definitivamente, não precisamos importar para avançar no Free Flow.
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