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quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A necessidade de uma nova percepção da pessoa idosa para a adequada tutela de seus direitos


O mundo envelheceu e o Brasil também. Em 1900, a expectativa de vida na Europa variava entre 40 e 50 anos; no Brasil, era de cerca de 35 anos. Nos dias atuais, tanto na Europa quanto no Brasil, a média de idade está entre 75 e 80 anos. Esse prolongamento da expectativa de vida se deve a diversos fatores, entre eles os avanços na medicina e na tecnologia, as melhorias nas condições sanitárias e de higiene e as políticas públicas voltadas à redução da mortalidade e à promoção da saúde.

Todavia, se aumentou o número de idosos, também cresceram os problemas relacionados à velhice, sobretudo porque a sociedade tem sérias dificuldades em aceitar e lidar com as limitações e angústias que acompanham o prolongamento da vida. Aparentemente, há uma flagrante rejeição ao idoso, talvez até involuntária, pois quase ninguém quer se reconhecer naquela pessoa fragilizada. Os tempos modernos supervalorizam a juventude, a beleza e a inteligência e, daí, decorre a indiferença ou a dificuldade em aceitar pessoas de um tempo que passou.

É certo que muitos idosos conseguem atingir a maturidade com jovialidade e disposição, continuando produtivos e capazes de constituírem nova família, além de ajudarem financeiramente filhos e netos. Porém, infelizmente, essa não é a regra, mas a exceção. A realidade no Brasil, pelo que se observa, é marcada por pessoas que enfrentam grandes dificuldades de sobrevivência com os minguados proventos da aposentadoria pela Previdência Social, insuficientes para o pagamento de planos de saúde, aquisição de remédios, moradia adequada, boa alimentação etc.

O envelhecimento modifica as necessidades da pessoa, demandando investimento em políticas públicas voltadas ao público idoso. No âmbito do SUS, é fundamental o aumento do número de médicos geriatras, que deveriam atender a partir dos 40 ou 50 anos de idade, criando vínculos com o paciente pré-idoso e atuando preventivamente para evitar doenças comuns decorrentes do avanço da idade, como diabetes, hipertensão e problemas cardíacos. É preciso também que os hospitais se aparelhem, criando ambulatórios específicos para atender pessoas idosas, muitas vezes fragilizadas e que demandam tratamento de médicos, psicólogos e enfermeiros especializados.

No que diz respeito à Previdência, é indispensável que a União mantenha projeção adequada do número de novos aposentados a ingressar no sistema a cada década, aparelhando-se para dar suporte a quem contribuiu durante toda a vida e que, ao se aposentar, merece receber a devida contrapartida.

No âmbito social, o Estado precisa investir na criação de centros comunitários que ofereçam espaço de convivência e atividades esportivas e culturais para pessoas idosas. Esses serviços, muitas vezes oferecidos por clubes particulares ou pelas instituições que integram o chamado sistema “S”, especialmente SESI e SESC, ainda são bastante insuficientes no setor público, em que Estados e municípios não estão devidamente preparados para garantir essa oferta ao cidadão maior de 60 anos.

A Constituição Federal afirma, em seu artigo 230, que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

O Estatuto da Pessoa Idosa estabelece uma série de garantias, como: atendimento preferencial, imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas à proteção da pessoa idosa; viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio com as demais gerações; priorização do atendimento da pessoa idosa por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto nos casos em que não possua família ou careça de condições de sobrevivência; capacitação e reciclagem de recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia; estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento; garantia de acesso à rede de serviços de saúde e assistência social locais; e prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. 

Contudo, não basta a previsão legal: é necessário implementar tais mecanismos e providências para que, na prática, essas garantias atuem verdadeiramente em prol da pessoa idosa.

Como instituições incumbidas de fiscalizar e defender interesses sociais, o Ministério Público e a Defensoria Pública precisam intensificar suas atuações, exercendo cada vez mais ampla proteção aos direitos das pessoas idosas. Já os governos, em todas as suas esferas de poder, devem atentar para as políticas públicas capazes de concretizar os fins previstos na lei.

Enfim, urge uma mudança radical na sociedade para o enfrentamento eficaz desse abandono silencioso que a contemporaneidade impõe aos idosos. Como bem dizem as doutoras Taisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de Sá (Ensaios sobre a velhice): “O viver importa no encontro e no confronto. Noutros termos, viver não é apenas existir, mas estar em face do outro, ou seja, relacionar-se. A alteridade é elemento inafastável das experiências humanas”.

 

Prof. Dr. Murilo Rezende dos Santos - professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (campus Campinas)

 

*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.

 

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