Para
Gus Speth, fundador do World Resources Institute, os grandes problemas
ambientais de nosso tempo seriam a perda de biodiversidade, o colapso dos
ecossistemas e as mudanças climáticas. Temas graves, sem dúvida, mas
solucionáveis com trinta anos de boa ciência. Passado algum tempo, reviu sua
convicção: “Estava errado. Os principais problemas ambientais são o egoísmo, a
ganância e a apatia. E para lidar com eles, precisamos de uma transformação
espiritual e cultural”, concluiu.
A
análise, incômoda e provocativa, não é isolada. Porta-vozes influentes da
sustentabilidade, como Paul Polman, Klaus Schwab, Paul Hawken, Al Gore, Peter
Senge e John Elkington, sustentam a mesma ideia central: não nos faltam
tecnologia, inovação nem recursos financeiros para viabilizar uma economia de
baixo carbono. O que falta é liderança orientada por valores e
comprometida com impacto positivo. Essa carência explica por que
tantas metas ambientais continuam distantes, apesar do avanço das soluções
técnicas.
Vivemos
em meio ao que alguns chamam de policrise — econômica, social, climática,
ambiental e geopolítica. Mas cresce a percepção de que essa crise múltipla é,
na verdade, efeito de uma crise mais profunda: a de valores. Falta humanidade e
sobra indiferença nos processos de decisão. O resultado é a predominância de
interesses políticos e empresariais imediatistas sobre os interesses da
sociedade e do planeta. Exemplos ruins não faltam, no Brasil e no mundo, e
ajudam a corroer a confiança social nas instituições.
Esse
diagnóstico não é novo. Em 2008, durante a crise financeira global, dirigentes
da Universidade de Harvard reconheceram, em público, o papel de ex-alunos na
criação da bolha especulativa que levou à quebra de bancos e à recessão. Não
faltou a eles conhecimento técnico, tampouco habilidade de gestão. O que faltou
foi atitude — o terceiro vértice do conceito clássico de competência, ao lado
do saber e do saber fazer. Atitude nasce de valores, princípios e crenças,
moldados ao longo da vida, e define a capacidade de escolher o caminho certo
mesmo sob pressões intensas.
Essa
constatação orientou a minha própria trajetória de pesquisa. Ao longo dos anos,
entrevistei mais de 300 executivos, estudei autores que tratavam do tema e
sistematizei reflexões em livros e artigos. Dessa caminhada nasceu a Teoria das
4 Competências Atitudinais: cuidadora, inclusiva, íntegra e
ecocêntrica. Em torno delas, identifiquei 20 características distintivas que
diferenciam líderes movidos por valores daqueles que apenas repetem padrões
convencionais de comando.
Em 2022, encontrei
convergência entre minhas investigações e os Inner Development Goals (IDGs),
uma iniciativa nórdica concebida para apoiar a aceleração dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Dois aspectos tornam o movimento singular. O
primeiro é a convicção de que a saída para a policrise é, antes de tudo, “para
dentro”: sem transformação interior, não haverá transformação sistêmica.
O segundo é o processo de cocriar, com mais de mil especialistas em todo o
mundo, um framework instigante com cinco dimensões — Ser, Pensar,
Relacionar-se, Colaborar e Agir — e 23 competências práticas, ou seja,
comportamentos capazes de fortalecer a transformação pessoal.
Esse
conjunto funciona como uma bússola para líderes que precisam navegar por mares
turbulentos, oferecendo equilíbrio emocional e segurança psicológica. Os IDGs
estimulam presença, autoconsciência, empatia, pensamento crítico, visão
sistêmica, colaboração e resiliência. Não substituem o conhecimento técnico
exigido para a gestão em tempos complexos, mas o complementam de forma
decisiva, ao cultivar qualidades humanas indispensáveis. Hoje já estão
presentes em mais de 700 hubs em 90 países, reunindo governos, empresas e
organizações da sociedade civil.
No
fundo, tudo se resume ao verbo importar-se. Sua origem latina, importare,
significa “trazer para dentro”. Com o pronome reflexivo sibi, adquire o
sentido de considerar algo como parte de si, atribuir importância, cuidar. Só
nos mobilizamos para aquilo que reconhecemos como relevante para a nossa vida e
alinhado aos valores que orientam nossas escolhas. O oposto de importar-se é a
indiferença.
E
o mundo, convenhamos, já está repleto de indiferentes. Por isso, liderar para a
sustentabilidade é um desafio que começa de dentro. E só poderá ser enfrentado
por aqueles que realmente se importam.
Ricardo Voltolini - um dos pioneiros em sustentabilidade empresarial e ESG no Brasil. Formado em Jornalismo, especializou-se em sustentabilidade e, ao longo de quase três décadas, conduz a Ideia Sustentável, que oferece soluções em estratégia, educação e gestão do conhecimento voltadas para ESG e sustentabilidade empresarial. Voltolini também é idealizador da Plataforma Liderança com Valores, o maior movimento de liderança para a sustentabilidade no Brasil. Ao longo de sua carreira, já atendeu mais de 350 empresas e realizou mais de 2.000 palestras e workshops sobre temas como gestão de sustentabilidade, liderança sustentável, ética e compliance. É autor de 12 livros, entre os quais se destaca, Conversas com Líderes Sustentáveis , Escolas de Líderes Sustentáveis, Sustentabilidade no Coração do Negócio (2015) e Vamos Falar de ESG? Provocações de um pioneiro em sustentabilidade empresarial. Além disso, é curador da Pós-Graduação ESG, Liderança e Inovação da FAAP/UOL Editech e diretor de Sustentabilidade da ABRH-Brasil e atua como curador e coordenador do Fórum de ESG para RH.
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