
Trenzinhos da alegria divertem o público na mostra em cartaz no CCBB São Paulo.
Foto: Gui Caielli
Mostra investiga
os memes como forma de linguagem, crítica, afeto coletivo e produção estética.
De virais históricos como o “Sanduíche-iche-iche” à profusão das carretas e
trenzinhos da alegria, a exposição mergulha na cultura digital brasileira e na
potência política do humor.
O CCBB São
Paulo está mergulhado na cultura digital com a exposição “MEME: no
Br@sil da memeficação”, aberta ao público até 03 de
novembro. A mostra é a primeira de grande porte no Brasil dedicada
aos memes — essas criações que misturam humor, crítica social e afeto coletivo
— e reúne nomes consagrados da arte contemporânea como Anna Maria Maiolino,
Nelson Leirner e Claudio Tozzi, lado a lado com criadores de conteúdo como
Porta dos Fundos, Melted Vídeos, John Drops e Greengo Dictionary.
A curadoria
de Clarissa Diniz e Ismael Monticelli, com a
colaboração do perfil de Instagram @newmemeseum, convida o público a explorar a
memeficação como um dos modos mais potentes — e irônicos — de narrar o Brasil
contemporâneo.
“Memes não
são só piadas. Eles são ferramentas políticas, culturais e afetivas. São como o
Brasil elabora, disputa e negocia suas diferenças — sociais, raciais, de
gênero, estéticas — em tempo real”, afirma Clarissa. “A exposição parte do
humor e provoca reflexões sobre como estamos diariamente refazendo o país por
meio de suas imagens mais debochadas e, claro, críticas”.
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| Visitantes podem participar do Concurso Mundial do Mickey Feio. Foto: Gui Caielli |
“Pensar o
Brasil de hoje sem considerar a sua intensa produção de memes é adotar uma
perspectiva que ignora uma camada significativa da experiência do país” diz
Ismael Monticelli. “Eles não apenas refletem a realidade, mas atuam sobre ela:
produzem memória, disputam narrativas, elaboram ficções, geram pertencimento.
Enquanto fazemos memes, os memes refazem o Brasil.”
A proposta
curatorial rompe barreiras entre diferentes linguagens e repertórios culturais,
reunindo nomes consagrados da arte contemporânea brasileira, como Anna
Maria Maiolino, Gretta Sarfaty, Nelson Leirner e Claudio
Tozzi, ao lado de criadores de conteúdo como Porta dos
Fundos, Alessandra Araújo, Melted Vídeos, John Drops e Greengo
Dictionary.
Percurso da mostra
- Alisa meu pelo
No átrio do CCBB
São Paulo, onças de diferentes formatos e materiais recebem o público numa cena
que remonta ao meme “alisa meu pelo", cujo ápice ocorreu em 2023,
tornando-se especialmente popular entre os adolescentes. Desenvolvido como
recurso multissensorial e integrado às políticas de acessibilidade do CCBB, as
onças da instalação reúnem recursos táteis, visuais e sonoros, convidando os
públicos a se relacionarem desde a diversidade de seus corpos.
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| Foto: Gui Caielli |
- Ao pé da letra
No primeiro
núcleo da exposição, o foco recai sobre os jogos semânticos e os descompassos
entre texto e imagem que tornam os memes tão eficazes em gerar riso, crítica e
estranhamento. Em vez de explicarem um ao outro, palavras e figuras se combinam
para formar sentidos inesperados — ou se colam literalmente, desnaturalizando
expressões e convenções sociais.
O núcleo
revela ainda como invenções linguísticas produzem deslocamentos de sentido e
potência crítica, abordando práticas como o uso de emojis, narrações e
dublagens cômicas, além de línguas como o tiopês, o pajubá e estruturas como o snowclone.
No Brasil,
um dos exemplos mais populares de snowclone é o meme “Você pode
substituir X por Y”, inspirado na apresentadora Bela Gil. A frase, usada
originalmente para sugerir alternativas alimentares, foi rapidamente adaptada pela
internet em versões humorísticas como “você pode substituir o WhatsApp por um pombo
correio, por exemplo".
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| Foto: Gui Caielli |
A
investigação também explora como parte da produção visual no mundo digital é
frequentemente rotulada como “feia”, “mal feita” ou “amadora”. Esses
julgamentos estéticos, além de refletirem preconceitos antigos, ignoram um
aspecto central: a “feiúra” é muitas vezes uma escolha deliberada. Trata-se de
uma estética que rompe com os padrões tradicionais de beleza, valorizando o improviso,
o erro e a imperfeição como recursos expressivos.
Alguns criadores presentes no núcleo são: Amanda Magalhães
(@amandzmagalhaes), Daniel Santiago, Frimes (@frimes), Greengo Dictionary
(@greengodictionary), Guto TV (@gutotvreal), Leandra Espírito Santo, Melted
Vídeos (@meltedvideos), Nelson Leirner, Pamella Anderson, Panos Subversivos
(@panossubversivos), Rafael Portugal (@rafaelportugal), Raquel Real
(@raquelrealoficial), Roxinha e Ruth Lemos.
- A hora dos amadores
Inspirado
pela célebre capa da revista Time de 2006 — que elegeu
"você" como a personalidade do ano —, o núcleo aborda a virada
provocada pela internet e pelas redes sociais, que deram visibilidade inédita
às “pessoas comuns”. Os memes, nesse contexto, aparecem como uma tecnologia
social de protagonismo, permitindo que vozes antes apagadas ou silenciadas
ocupem o centro da cena.
Em países
como o Brasil, marcados por fortes desigualdades, os memes se tornaram um
território fértil para narrativas insurgentes: do humor que revela a
precariedade cotidiana à crítica social feita com poucos recursos e muita
sagacidade. Este núcleo sublinha essa potência do amadorismo como desvio
criativo e força política.
Entre os
destaques está a retomada do Concurso Mundial do Mickey Feio,
realizado em 2001 por Daniela Brilhante e Lourival Cuquinha, que formam a dupla
Valdisnei, um trocadilho com o nome Walt Disney. A proposta convida o público a
criar versões “feias” do personagem da Disney, em uma crítica bem-humorada ao
imperialismo cultural. Essa nova edição da iniciativa será realizada em
parceria com o Educativo do CCBB SP, num incentivo à participação do público.
Os
educadores do CCBB oferecerão oficinas de criação de Mickeys Feios, abertas a
todos que se interessarem em participar. As atividades ocorrem a cada 30
minutos, de quarta a segunda-feira, das 12h às 19h. As criações do público
passarão a integrar a exposição.
Alguns criadores presentes no núcleo são: Alessandra Araújo
(@alessandraraujooficial), Vadisnei (Lourival Cuquinha e Daniela Brilhante),
Malfeitona (@malfeitona), O Brasil que deu certo (@obrasilquedeucerto), Felipe
Neto (@felipeneto) e Raphael Vicente (@raphaelvicente).
- Da versão à inversão
A imitação é
uma das bases da linguagem memética, e por isso aqui ela é investigada não como
gesto de repetição, mas como uma atividade crítica e criativa. Esse núcleo
mostra como memes transformam cópias em versões que subvertem e desmontam o
original, produzindo humor, paródia e comentário social.
A exposição
apresenta desde pequenas alterações — como trocar uma palavra ou fazer um
recorte específico de imagem — até inversões radicais: mulheres imitando
homens, estéticas que embaralham as fronteiras entre identidade e
representação. “Como no Carnaval, o riso vem da inversão — e nela, uma crítica
se insinua”, resumem os curadores.
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| Foto: Gui Caielli |
Com humor
ácido, neste núcleo o público acompanha, por exemplo, uma versão paródica dos
tradicionais “Museus do Homem", instituições etnográficas que
historicamente atribuíam, ao homem branco europeu, um modelo civilizatório
supostamente válido para toda a humanidade. Desse modo, a exposição verte esses
museus etnográficos num debochado “Museu do Homem da Internet", no qual
figuram vitrines que apresentam quatro estereótipos masculinos: o heterotop,
conservador que exalta os valores da masculinidade; o esquerdo
macho, progressista apenas no discurso; o Faria
Limer, defensor do mérito neoliberal; e o red pill,
adepto de visões antifeministas. Ao reunir essas figuras, os memes ironizam
discursos de falsa opressão e expõem os privilégios masculinos que seguem
operando sob novas roupagens.
Alguns criadores presentes no núcleo são: A vida de Tina
(@avidadetina), Denilson Baniwa, Alexandre Mury, John Drops (@johndrops),
Hand-painted Brazil (@handpaintedbrazil), Festa da Firma (@festadafirma), Juvi
Chagas (@ajuvichagas), Lara Santana (@larasantana), Malhassaum (@malhassaum),
Porta dos Fundos (@portadosfundos), Renata Felinto, Rafaela Azevedo (com a
personagem Fran, @fran.wt1) e Victor Arruda.
O eu proliferado
A explosão
do “eu” nas redes sociais e a forma como a vida privada se tornou espetáculo
são destaques neste núcleo. A internet deixou de ser apenas um espaço de
compartilhamento para se tornar um palco de auto performance. A construção de
si — por meio de selfies, dancinhas, relatos, confissões e personagens —
tornou-se prática cotidiana, revelando tanto o desejo de existir publicamente
quanto os efeitos dessa superexposição.
O núcleo
aborda a dramaturgia do “eu” como potência e armadilha. Se, por um lado,
possibilita a afirmação de identidades historicamente apagadas, por outro,
evidencia o impacto subjetivo da lógica neoliberal, que transforma a autoestima
em mercadoria e precariza o bem-estar e a saúde mental.
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| Foto: Gui Caielli |
A mostra
inclui um estúdio de podcast que convida o público a acompanhar uma conversa
ficcional entre personagens que parodiam o universo da autoajuda e do coaching
nas redes sociais. Com telas acopladas a cadeiras, a instalação recria a
atmosfera de um bate-papo midiatizado, no qual o visitante experimenta, com
doses de humor e crítica, a sensação de estar diante de um diálogo entre a
motivação e o fracasso em tempos de disforia social.
Alguns criadores presentes no núcleo são: Coach de Fracassos
(@coachdefracassos), Frases Pra Você (@frasespravoce), Galinhas Inseguras
(@galinhasinseguras), Gretta Sarfaty, Jacira Doce (@jaciradoce), Fábio Cruz
(com o personagem Fabão, @eusoufabao), Lenora de Barros, Nathalia Cruz
(@nathaliapontocruz), Panmela Castro, Pedro Vinicio (@pedrovinicio80), Regina
Vater, Telma Saraiva, Monica Piloni, Valentina Bandeira (@valentinabandeira),
Valeska Soares.
- Combater ficção com
ficção
A
polarização política e a radicalização do discurso público são temas centrais
do núcleo, que examina o papel dos memes na disputa simbólica do presente. Ao
mesmo tempo em que são ferramentas de leitura e resistência política, os memes
podem também ser veículos de desinformação, exclusão e violência. A curadoria
propõe aqui uma reflexão sobre os usos éticos do riso, compreendendo o humor como
forma sofisticada de diplomacia, mas também como instrumento perigoso nas mãos
do autoritarismo. Entre a memecracia e a crítica, este núcleo convida a pensar:
como rir sem reforçar os estigmas que queremos combater?
As figuras
dos políticos que, desde os anos 1980, vêm sendo parodiadas por programas como TV Pirata
e, mais recentemente, em esquetes do Porta dos Fundos, não poderiam ficar
de fora. A sátira política se articula com uma crítica à militância digital e o
ativismo de sofá que escancara, com humor, os absurdos e contradições do
discurso nas redes.
Alguns criadores presentes no núcleo são: Augusto de Campos,
Claudio Tozzi, Dolangue News (@dolangue.news), Dora Longo Bahia, História no
Paint (@historianopaint), Juju dos Teclados (@jujudosteclados), Marcelo Tas
(@marcelotas), Paulo Gustavo, O Pasquim, Porta dos Fundos (@portadosfundos),
Regina Silveira, Saquinho de Lixo (@saquinhodelixo), Sensacionalista
(@jornaldosensacionalista).
- Memes: o que são? Onde
vivem? Do que se alimentam?
Encerrando o
percurso, esse núcleo abraça a impossibilidade de definir os memes de forma
única. Ao invés de uma resposta fixa, a curadoria propõe uma provocação
coletiva: como cada pessoa compreende o que é um meme? O que eles significam
hoje?
São
apresentadas 10 entrevistas inéditas com criadores brasileiros que responderam,
em vídeo, essa indagação existencial, desdobrando-as em reflexões sobre humor e
memeficação. Aqui, o meme é entendido como forma fluida e mutante — uma
expressão que habita os interstícios da linguagem, circula entre mídias e
revela, no improviso, a imaginação crítica do nosso tempo.
Este núcleo
foi elaborado em parceria com o Museu de Memes (https://museudememes.com.br), projeto da
Universidade Federal Fluminense (UFF) sob a coordenação do professor e
pesquisador Viktor Chagas, um dos maiores pesquisadores sobre a linguagem dos
memes no Brasil.
"MEME: NO BR@SIL DA MEMEFICAÇÃO" é uma produção da
Patuá Produções, com patrocínio do Banco do Brasil. Depois de São Paulo, a
exposição será apresentada em Brasília (novembro de 2025 a março de 2026), Belo
Horizonte (março a junho de 2026) e Rio de Janeiro (agosto a novembro de 2026).
Serviço:
Exposição "MEME:
NO BR@SIL DA MEMEFICAÇÃO”
Período: até
03 de novembro de 2025
Horário:
Todos os dias, das 9h às 20h (exceto às terças)
Local: Centro
Cultural Banco do Brasil São Paulo
Endereço:
Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico – SP
Ingressos:
Gratuitos em bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB





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