Doença ocupa a 3ª posição entre
os tipos de câncer mais frequentes no Brasil, desconsiderando os tumores de
pele não melanoma. De 5% a 10% dos casos têm origem hereditária
Cerca de 5% a 10% dos casos têm origem hereditária clara.
Já os demais 90% são considerados esporádicos, relacionados
majoritariamente a fatores ambientais e ao estilo de vida
(imagem: Brgfx/Freepik)
Um dos maiores estudos
brasileiros sobre câncer colorretal trouxe descobertas sobre como variações
genéticas e a ancestralidade genética podem influenciar o risco de desenvolver
a doença. Conduzido por pesquisadores do Hospital de Amor (antigo Hospital de
Câncer de Barretos) e outras instituições – e financiado pela FAPESP –, o trabalho, publicado na
revista Global Oncology, contribui para a compreensão da realidade
genética complexa de uma população altamente miscigenada como a brasileira.
Cada vez mais comum entre
adultos jovens, o câncer colorretal deve atingir cerca de 46 mil brasileiros
entre 2023 e 2025, de acordo com as estimativas mais recentes do Instituto
Nacional de Câncer (Inca). Desconsiderando os tumores de pele não melanoma, a
doença ocupa a terceira posição entre os tipos de câncer mais frequentes no
país, motivo pelo qual os pesquisadores têm concentrado esforços em entender
melhor os fatores que modulam sua ocorrência.
Cerca de 5% a 10% dos casos têm
origem hereditária clara, causados por mutações germinativas herdadas dos pais.
Já os demais 90% são considerados esporádicos, relacionados majoritariamente a
fatores ambientais e ao estilo de vida, embora a constituição genética também
exerça influência. A partir disso, os pesquisadores buscaram responder se,
entre esses casos não hereditários, a genética individual exerce um papel como
fator de risco ou de proteção no desenvolvimento da doença.
Para chegar aos resultados, os
pesquisadores analisaram 45 polimorfismos (ou variantes genéticas, os chamados
SNPs) relatados na literatura científica como os mais importantes e associados
ao desenvolvimento do câncer colorretal. Eles buscaram compreender se essas
mesmas variantes do genoma também estariam associadas ao risco de câncer
colorretal no Brasil. “As variantes foram anteriormente identificadas em
estudos com populações europeias e asiáticas. Nós fomos estudá-las especificamente
em nossa população”, diz Rui Manuel Reis, diretor científico do Instituto de Ensino
e Pesquisa do Hospital de Amor e autor do estudo.
O trabalho envolveu 990
pacientes com câncer colorretal e 1.027 pessoas sem histórico da doença. Além
de genotipar as 45 variantes genéticas em amostras de sangue dos participantes,
a equipe também avaliou a ancestralidade genética dos participantes, utilizando
um painel de 46 marcadores informativos capazes de identificar com precisão a
proporção ancestral de componentes europeus, africanos, asiáticos e indígenas
em cada pessoa.
“O IBGE [Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística] pergunta a cor da pele, mas esse é um critério
muito subjetivo. Nós usamos marcadores muito mais objetivos e precisos para
identificar a proporção de ancestralidade étnica de cada pessoa participante do
estudo”, explica Reis.
Variantes
que se destacam
Das 45 variantes analisadas,
nove apresentaram associação significativa com o risco da doença e quatro se
destacaram por manterem sua relevância mesmo após análises multivariadas
ajustadas por fatores clínicos e epidemiológicos. Duas variantes foram
associadas ao aumento do risco de câncer colorretal, enquanto outras duas foram
associadas ao risco diminuído, ou seja, mostraram efeito protetor.
Essas variantes estão
localizadas em regiões do genoma ligadas à regulação de processos inflamatórios
e crescimento celular. “Nosso estudo demonstrou que esses quatro marcadores,
por si só, são independentes de todas as outras variáveis estudadas e sozinhos
contribuem para o risco ou proteção da doença”, afirma Reis. “É importante
destacar que essas não são mutações genéticas somáticas [que acometem somente o
tumor], mas sim variações genéticas normais, que contribuem com as nossas
características e nos tornam únicos, como a cor da pele. Nascemos com elas”,
diz.
Papel da
ancestralidade
Outro achado inovador do
trabalho foi identificar o papel da ancestralidade genética no risco de
desenvolver a doença. Os pesquisadores descobriram que indivíduos com menores
proporções de ancestralidade africana e asiática tinham maior risco de
desenvolver câncer colorretal. Esse dado reforça a hipótese de que certos componentes
genéticos herdados dessas populações possam exercer um efeito protetor.
“Observamos que a população com
maior ascendência genética asiática ou africana tinha um risco menor de câncer
colorretal. Isso é algo que já se observa em estudos internacionais, e nossa
análise confirmou que esse padrão também se repete na população brasileira”,
destaca Reis.
A associação, diz o
pesquisador, pode ter múltiplas explicações e uma delas é que o fator genético
pode estar entrelaçado com determinantes socioeconômicos e culturais. “É
possível que pessoas com ancestralidade asiática, por exemplo, tenham hábitos
alimentares diferentes – com mais legumes, mais peixe, menos carne vermelha – e
isso é um fator protetor”, diz. “O que estamos vendo pode ser um reflexo não
apenas da genética, mas de um conjunto de fatores”, avalia.
Segundo o pesquisador, o grande
diferencial do trabalho está no tamanho da amostra – uma das maiores já usadas
em um estudo desse tipo no Brasil – e na representatividade da população
analisada. “A maior parte dos estudos anteriores foi feita com grupos pequenos,
com poder estatístico limitado. Nós trabalhamos com quase 2 mil pessoas de
todas as regiões do Brasil, o que garante uma diversidade étnica maior”,
destaca.
Personalização
no futuro
Outro ponto fundamental
destacado por Reis é o potencial de uso dos achados na medicina personalizada.
Embora as variantes genéticas identificadas não possam ser modificadas – afinal
elas são herdadas dos nossos pais –, o conhecimento sobre elas pode, no futuro,
ajudar a personalizar estratégias de rastreamento e prevenção.
“O risco genético não é tudo. A
obesidade, por exemplo, pode aumentar o risco de câncer colorretal em até duas
vezes. Mas se uma pessoa tem uma dessas variantes associadas ao risco, somada
ao estilo de vida inadequado, o risco total aumenta”, alerta. “Nosso objetivo
futuro é combinar esses dados genéticos com fatores ambientais para criar uma
estratégia de rastreamento mais eficaz e personalizada. Talvez a pessoa que
tenha essas variantes deva ter prioridade nos programas de rastreamento e deva
ficar mais atenta aos fatores de risco modificáveis.”
Atualmente, a equipe já
trabalha em uma nova fase do estudo: enquanto nesse trabalho foram analisadas
as 45 variantes previamente conhecidas da literatura científica internacional,
o próximo passo do grupo é realizar um mapeamento de até 3 milhões de variações
genéticas em brasileiros. “Queremos fazer um escore de risco específico para
nossa população, que leve em conta nossas características únicas. Isso pode
representar um avanço significativo no combate à doença no Brasil”, afirma.
Ao reunir dados inéditos e
representativos da diversidade genética brasileira, o estudo reforça a
importância de se ter no Brasil respostas mais adequadas à realidade local.
“Muitos trabalhos são feitos em populações norte-americanas ou europeias, com
baixa diversidade genética. O nosso estudo traz uma nova perspectiva. Mostra
que a genética da nossa população pode nos ajudar a entender melhor as doenças
que nos afetam”, afirma o pesquisador.
O artigo Association of
genetic ancestry and colorectal cancer risk in a large Brazilian cohort:
replication of single-nucleotide polymorphisms identified by genome-wide
association studies pode ser lido em: https://ascopubs.org/doi/10.1200/GO-24-00512.
Fernanda Bassette
Agência FAPESP
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