Descobertas revelam danos permanentes no sêmen, com limitações nos tratamentos farmacológicos atuais.
Uma pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) revelou que a
hipertensão arterial pode causar alterações precoces e persistentes na
qualidade do sêmen, incluindo danos ao acrossoma – estrutura crucial para a
penetração do espermatozoide no óvulo –, além de comprometer a microcirculação
testicular ao longo da vida. Coordenado pelo professor Stephen Rodrigues, do
Departamento de Farmacologia, o trabalho mostrou que essas alterações ocorrem
já na juventude e não são completamente revertidas por medicamentos
anti-hipertensivos, apontando desafios para a preservação da saúde reprodutiva
masculina. O estudo foi publicado em novembro na Scientific Reports, do
grupo Nature, e teve como primeira autora a pesquisadora Nicolle
Machado. Tanto o projeto quanto Machado tiveram apoio da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Resultados de 2019: um ponto de partida
O
trabalho deu continuidade a uma pesquisa anterior, de 2019, conduzida pelo
pesquisador Lucas Colli, sob orientação da Profa. Maria Helena Catelli de
Carvalho, hoje já aposentada. Nesse estudo, foram analisados ratos hipertensos
do modelo SHR (Spontaneously Hypertensive Rats), cuja hipertensão é espontânea
e similar à condição primária que ocorre em cerca de 90% dos casos em humanos.
Na ocasião, o grupo identificou que esses animais apresentavam alterações
significativas na qualidade do sêmen, como redução na concentração e motilidade
dos espermatozoides, além de mudanças no movimento, que, em vez de retilíneo,
tornou-se curvilíneo ou ausente.
Esses
efeitos foram associados a problemas na microcirculação testicular, incluindo a
interrupção frequente do fluxo sanguíneo, que nos ratos normotensos ocorre
cerca de seis vezes por minuto, mas nos ratos hipertensos aumenta para oito
vezes por minuto. Essa irregularidade no fluxo prejudica a oxigenação e o
aporte de nutrientes ao tecido testicular, afetando diretamente a produção de
espermatozoides.
Novos avanços: impacto da idade e eficácia de tratamentos
No
estudo mais recente, os pesquisadores ampliaram a análise para investigar os
efeitos da hipertensão arterial em diferentes faixas etárias, desde animais
jovens (8 a 10 semanas, equivalente a cerca de 18 anos humanos) até ratos mais
velhos (60 a 66 semanas, equivalente a 45 a 50 anos humanos). A descoberta mais
marcante foi que as alterações na qualidade do sêmen, como menor concentração e
danos no acrossoma – estrutura essencial para a penetração do espermatozoide no
óvulo –, ocorrem precocemente e persistem ao longo de toda a vida reprodutiva.
"Esses
resultados mostram que a hipertensão arterial tem um impacto reprodutivo que
começa muito cedo e persiste durante toda a fase adulta. Mesmo períodos
relativamente curtos de exposição a níveis elevados de pressão arterial já são
suficientes para causar danos irreversíveis", explica o professor Stephen
Rodrigues.
Além
disso, os pesquisadores testaram a eficácia de diferentes medicamentos
anti-hipertensivos, revelando que nem todos são igualmente eficazes para
restaurar a saúde reprodutiva. A losartana, amplamente utilizada na clínica,
reduziu os níveis de pressão arterial, mas não foi capaz de reverter as
alterações nos espermatozoides. Por outro lado, a prazosina, um antagonista do
receptor alfa-adrenérgico, não apenas reduziu a pressão arterial como também
corrigiu parte dos danos observados no sêmen. "Esse achado sugere que
apenas reduzir a pressão arterial não é suficiente para proteger a saúde
reprodutiva. A combinação de agentes que reduzem a mortalidade com outros que
preservem a função reprodutiva pode ser um caminho promissor", aponta
Rodrigues.
Colaborações e novos horizontes
O
estudo contou com a colaboração de renomados pesquisadores, como o professor
Ricardo Bettola, professor da Wayne State University School of Medicine, além
do autor do estudo anterior, Lucas Colli, que participou ativamente no
desenvolvimento do novo projeto.
Para
o futuro, o grupo planeja investigar o impacto da hipertensão arterial e de
agentes anti-hipertensivos no epidídimo, estrutura responsável por armazenar os
espermatozoides antes da ejaculação. Outro foco será avaliar o papel da
atividade física na melhora da qualidade do sêmen e na microcirculação
testicular. "Queremos entender se intervenções não farmacológicas, como o
exercício, podem oferecer benefícios similares aos medicamentos, promovendo
melhorias na saúde reprodutiva de forma natural", explica Rodrigues.
Relevância e impacto
O
trabalho reafirma a importância de investigar os efeitos sistêmicos da
hipertensão arterial, uma condição que afeta milhões de pessoas no Brasil e no
mundo. “Um dado alarmante é que, nos últimos 50 anos, tem se observado uma
redução de cerca de 50% de espermatozoides presentes no sêmen, em indivíduos
hipertensos ou não. Ainda não se sabe ao certo as causas desse fenômeno, ou se
ele vai começar a comprometer a reprodução no futuro. Por isso, todo estudo é
bem-vindo, seja para reverter ou impedir que essa redução aumente.”
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