Nos últimos anos, tem-se observado um aumento
significativo do uso suplementar de testosterona exógena (sintética) na
população masculina como um todo. O principal hormônio masculino é de grande
importância para a saúde e bem-estar do homem, pois influencia uma variedade de
funções corporais, como a função sexual, massa muscular, humor e até mesmo a
saúde cardiovascular. Mas o seu uso sem respeitar as corretas indicações e
contra indicações, pode ter consequências importantes.
Entre os mais velhos, o uso da testosterona
principalmente como reposição hormonal, quando os níveis estão comprovadamente
baixos e o paciente apresenta sintomas em decorrência disso, sua suplementação
é uma condição prevista e regular para a prescrição do hormônio. Porém, o que
mais tem preocupado as sociedades médicas é o uso entre os mais jovens, que
está quase sempre relacionado a fins estéticos, onde o objetivo é alcançar
padrões idealizados de masculinidade. Vale ressaltar que essa é uma faixa
etária em idade reprodutiva e que na sua grande maioria ainda não tem prole
constituída, e o uso pode ter consequências dramáticas no seu potencial fértil,
além de outras complicações para a saúde como um todo.
Diante disso, em 30 de março de 2023, o Conselho
Federal de Medicina (CFM) proibiu os médicos de prescreverem a testosterona
para fins estéticos (ganho de massa magra, perda de peso etc.), uma tentativa
de tentar impedir esse uso desenfreado. Portanto, o uso de testosterona no
Brasil para fins estéticos é considerado indevido, independentemente da dose ou
período utilizado.
Mas como a testosterona interfere na fertilidade e
saúde do homem em geral, se ela é produzida naturalmente pelo corpo masculino?
A resposta é bem simples: o uso de testosterona exógena ou qualquer outro
esteroide anabolizante, provoca o que chamamos de bloqueio do eixo
hipotálamo-hipófise-testicular. Ou seja, aumento
rápido nos níveis sanguíneos de testosterona, manda
um “feedback” para o organismo parar sua produção endógena (do próprio corpo).
Esse comando faz com que a hipófise (glândula do sistema nervoso central)
interrompa a produção de hormônios gonadotróficos, como o hormônio luteinizante
(LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH).
Esses hormônios são fundamentais para a
espermatogênese, pois normalmente agem nos testículos, o LH induzindo a
produção de testosterona, e o FSH induzindo a produção de espermatozoides.
Porém, como eles estão suprimidos durante o uso da testosterona exógena, esse
estímulo para de ocorrer, e os testículos param de produzir a sua testosterona
natural e também os espermatozoides. Como consequência, os espermatozoides
diminuem muito sua concentração no ejaculado ou até mesmo zeram, o que chamamos
de azoospermia (ausência de espermatozoides no ejaculado).
Além do prejuízo em relação à quantidade, a
qualidade seminal também é comprometida com esse desequilíbrio hormonal.
Alterações na morfologia, motilidade e fragmentação do DNA espermático também
são observadas em homens que fazem uso constante de testosterona exógena. Essas
alterações podem comprometer significativamente a capacidade reprodutiva
masculina, tornando a concepção muito difícil, seja de forma natural ou por
algum método de reprodução assistida.
Independentemente se a pessoa faz uso como
reposição hormonal, utilizando doses fisiológicas, que é uma condição regular
do uso de testosterona, ou se faz uso indevido, com altas doses para fins
estéticos e anabolizantes, esse impacto negativo pode ocorrer. Portanto, não existe
dose segura para o uso de testosterona exógena, quando o assunto é fertilidade.
De uma forma geral esse quadro pode ser revertido e
o paciente voltar a ter o seu potencial fértil, mas vai depender de alguns
fatores, entre eles a substância utilizada, as dosagens e, principalmente, o
tempo de uso. Quanto maior a dose e o tempo, maiores são os impactos na
espermatogênese e, portanto, menores são as chances de sucesso na reversão do
quadro.
Além disso, estudos recentes têm demonstrado que os
efeitos adversos sobre a fertilidade podem persistir mesmo após a interrupção
do uso da substância, o que ressalta a importância da conscientização sobre os
riscos envolvidos. Se você está em uso e deseja ainda constituir prole, a
primeira recomendação é interromper imediatamente o uso da suplementação e
procurar um especialista para te ajudar. Muitas vezes são necessárias
medicações para acelerar esse processo. Em suma, é essencial que profissionais
de saúde e indivíduos interessados em suplementação hormonal compreendam os
potenciais impactos sobre a saúde reprodutiva e busquem alternativas que
promovam o bem-estar sem comprometer a fertilidade futura de homens.
No entanto, infelizmente, o que muitas vezes observamos na prática são pacientes que buscam resultados rápidos e milagrosos, sem fazer ideia dos riscos associados, particularmente no que diz respeito à infertilidade. E de outro lado, alguns profissionais médicos e não médicos que também não têm o conhecimento que deveriam ter para manejar tais pacientes. Pois, além do efeito na fertilidade, a testosterona e outros esteroides anabolizantes trazem outros impactos à saúde que precisam ser acompanhados rotineiramente. A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para mitigar esses riscos e promover escolhas mais saudáveis e informadas por toda a população, principalmente os jovens que no futuro almejam ter filhos.
Rodrigo Spínola - urologista e andrologista da clínica Origen BH e especialista em medicina sexual e infertilidade masculina
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