A Justiça Federal
de São Paulo concedeu medida liminar na ação civil pública (ACP) apresentada
pelo Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec) contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) em relação à prorrogação de prazos da rotulagem de alimentos e bebidas
com o selo da lupa indicando altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e
gordura saturada.
Uma decisão
provisória do juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São
Paulo, suspende imediatamente os efeitos da Resolução da Diretoria Colegiada
(RDC) nº 819/2023 e determina que a Anvisa se abstenha de adotar novas medidas
que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento de prazos de
implementação da RDC nº 429/2020 e Instrução Normativa (IN) nº 75/2020 (leia
mais abaixo).
Além disso, a
decisão determina que as empresas fabricantes de alimentos processados e
produtos ultraprocessados que se valiam da autorização de esgotamento de
embalagens e rótulos antigos pela RDC nº 819/2023, passem a utilizar adesivos
para adequar as embalagens com o selo da lupa e a tabela nutricional, em um
prazo máximo de 60 dias.
A decisão do
magistrado Marcelo Guerra Martins considera que "é preciso resistir ao
lobby de agentes econômicos que tentam compensar a própria incapacidade por
meio de um protecionismo estatal que prejudica a coletividade, seja em relação
aos consumidores, seja em termos de retardar a prevalência, na economia, das
empresas dotadas de maior agilidade, eficiência, produtividade e
capacidade de adaptação."
Em outro trecho,
ao analisar o processo de tomada de decisão da prorrogação dos prazos no último
dia para adequação dos rótulos, a liminar expõe que a "guinada perpetrada
pela Anvisa em relação ao novo marco regulatório para as embalagens dos
alimentos processados e ultraprocessados causa, no mínimo, estranheza. Como
explicar que a partir de 57 (cinquenta e sete) solicitações isoladas se altere,
em poucos dias, uma política pública destinada a abarcar milhares, quiçá
milhões, de empresas produtoras dos alimentos enquadrados na RDC nº 429/2020?".
Para o advogado
Leonardo Pillon, do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, a
decisão liminar é uma resposta muito positiva a fim de neutralizar as
estratégias de influência política para o controle das decisões regulatórias
pelos próprios agentes econômicos regulados. Ao mesmo tempo, ela ressalta a
nocividade à saúde do consumo de ultraprocessados com lupas frontais, o que
convenceu o magistrado a acolher os argumentos sólidos do Idec.
"A
imoralidade administrativa da Anvisa ao ter submetido sua função regulatória
aos interesses da indústria, como já havíamos alertado em outubro passado, é
extremamente danosa à reputação de uma agência conhecida por ser técnica e
independente. Há uma dupla perda de credibilidade da agência: interna, ao ter
desconsiderado as posições da sua própria área técnica, e externa por ter
suprimido a participação social. De qualquer modo, essa decisão demonstra que o
lobby de corporações reguladas e suas coalizões, grupos de fachada, entre
outros, precisa ser devidamente depurado pelo sistema jurídico-institucional
ante o déficit democrático fruto dessas atividades", afirma Pillon.
Para o advogado do
Idec, a decisão liminar consolida o direito das pessoas consumidoras de
realizarem escolhas mais bem informadas sobre os potenciais efeitos nocivos à
saúde decorrentes do consumo de produtos ultraprocessados e processados com o
aviso da lupa frontal.
Entenda
as regras da rotulagem nutricional de alimentos
Com a aprovação da
RDC nº 429 e da IN nº 75 da Anvisa, em 2020, a indústria alimentícia teve três
anos para se adequar às novas regras de rotulagem, com a inclusão do selo da
lupa e da nova tabela de informação nutricional.
A maioria dos
alimentos e bebidas processados e ultraprocessados devem apresentar o selo da
lupa na parte da frente, com o aviso "alto em" açúcar adicionado,
gordura saturada e/ou sódio. Os produtos devem apresentar também a nova tabela
nutricional, incluindo a informação de nutrientes por 100 ml ou 100 gr, para
que a comparação entre produtos seja mais fácil para o consumidor.
A regra já estaria
valendo para a maioria dos produtos alimentícios; apenas pequenos produtores e
bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis teriam mais tempo.
Porém, no fim do
prazo de adequação, em outubro do ano passado, a Anvisa emitiu a RDC nº
819/2023, permitindo que as indústrias esgotassem o estoque de rótulos e
embalagens ainda não atualizadas às novas regras, até outubro deste ano.
Ao mesmo tempo, as
próprias regras da Anvisa já permitiam a adequação de rótulos e embalagens
existentes com adesivos, para evitar o descarte e o desperdício de
materiais.
Com a decisão
liminar a pedido do Idec, a parcela da indústria que vinha se aproveitando da
RDC nº 819/2023 terá de se adequar às regras de 2020, como já fizeram muitas
empresas do setor alimentício nos últimos três anos. O novo prazo é de 60 dias
para a adequação ou atualização dos rótulos e embalagens.
Desde 2014, o Idec
participa dos debates para garantir o direito das pessoas serem corretamente
informadas sobre os ingredientes presentes nos alimentos e bebidas, com a
definição de normas mais rígidas para a rotulagem. E isso inclui a luta pela
criação do selo da lupa.
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