Dados do “Atlas dos Agrotóxicos”
revelam que o país tem batido recordes consecutivos na série história de
registros de novos pesticidas e aprovação do PL do Veneno criará “risco
aceitável” para substâncias relacionadas ao câncer, entre outras doenças
Maior consumidor de agrotóxicos do mundo, o Brasil já
aprovou 505 novos registros de pesticidas apenas neste ano, de acordo com dados
do Ministério da Agricultura e Pecuária. Entre 2019 e 2022 foram liberados
2.181 novos registros, uma média de 545 ao ano, e a expectativa é de que esse
número cresça ainda mais com a recente aprovação do PL dos Agrotóxicos pelo
Senado, caso seja sancionado pelo presidente Lula. Entre outras alterações, o
projeto prevê a criação do “risco aceitável” para substâncias que atualmente
tem registro proibido por terem impactos relacionados ao desenvolvimento de
câncer, alterações hormonais, problemas reprodutivos ou danos genéticos.
A publicação “Atlas dos Agrotóxicos”, produzida pela Fundação
Heinrich Böll, revela que desde 2016, o Brasil tem batido consecutivos recordes
na série histórica de registro de agrotóxicos, que teve início em 2000. Em
2022, foram 652 agrotóxicos liberados, sendo 43 princípios ativos inéditos.
Estimativas relacionadas aos impactos da intoxicação por
agrotóxicos, com base em dados oficiais coletados entre 2007 e 2014, estimam
possível ocorrência de 59,3 mil mortes em um total de 1,25 milhões de pessoas
contaminadas. O número é obtido por meio de cálculos que consideram a
subnotificação de registros. Pode-se gastar até R$ 150 por caso de intoxicação por
agrotóxicos, o que pode ser estimado em um custo anual de R$ 45 milhões.
Já as perdas em serviços ecossistêmicos alcançam dimensão
totalmente desconhecida. Com a aprovação do PL 1459/2022, conhecido como PL do
Veneno, as mudanças propostas oficializam a prioridade do Ministério da
Agricultura no registro de novos agrotóxicos: o ministério passaria a ser o
único órgão registrante dos agrotóxicos, restando ao Ibama e à Anvisa, um papel
subordinado de avaliação ou homologação das avaliações.
Embora concorde que o processo de registros atual seja lento, Alan
Tygel, da Campanha Contra os Agrotóxicos, acredita que o ideal, na verdade,
seria haver mais participação do Ibama, Anvisa e Ministério da Agricultura para
análises em vez de flexibilização da lei. “O primeiro ano do Lula causou um
descontentamento grande. Esperávamos sinalização de maior preocupação”, avalia
Tygel, um dos autores do “Atlas dos Agrotóxicos”.
25% dos alimentos vegetais carregam resíduos irregulares de
agrotóxicos, diz Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelou na
última quarta-feira (06) que um em cada quatro alimentos de origem vegetal no
país contém resíduos de agrotóxicos, proibidos ou em níveis superiores ao
permitido por lei. O levantamento faz parte de um estudo do Programa de
Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos (PARA), vinculado à Anvisa, que analisou
1.772 amostras de 13 alimentos diferentes coletados em 79 municípios
brasileiros em 2022.
Os resultados mostraram que 41,1% das amostras analisadas no
estudo não possuíam resíduos de agrotóxicos, enquanto 33,9% estavam dentro dos
limites permitidos. Contudo, 25% apresentaram inconformidades, como a presença
de agrotóxicos não autorizados ou em quantidades excessivas. Mais grave ainda,
0,17% das amostras, ou três amostras, apresentaram risco agudo, que, segundo a
Anvisa, representa dano à saúde ao ingerir muito alimento com esses insumos em
pouco tempo, como numa refeição.
Das 2,6 milhões de toneladas de agrotóxicos utilizadas ao ano no
mundo, o Brasil emerge como um dos maiores consumidores desse mercado que
movimentou quase 28 bilhões de euros, cerca de 101 bilhões de reais, apenas em
2020, de acordo com o Atlas dos Agrotóxicos. O estudo, coordenado pela Fundação
Heinrich Böll Brasil, mostra que em 2021, o país se tornou o maior importador
mundial dessas substâncias, com um salto de 384.501 toneladas em 2010 para
720.870 toneladas em 2021, portanto, um aumento de 87%.
Saúde pública
O crescimento no uso de agrotóxicos no Brasil coloca o país em uma
posição sensível no que diz respeito à segurança alimentar e à saúde pública. A
partir de dados da própria Anvisa, o Atlas levantou que entre 2010 e 2019 foram
registrados 56.870 casos de intoxicações por agrotóxicos, o que representa uma
média de 5.687 casos por ano, ou aproximadamente 15 pessoas intoxicadas
diariamente. Entretanto, o próprio Ministério da Saúde do Brasil admite que o
número de subnotificações é elevado e que, logo, o número real de pessoas
intoxicadas pode ser maior.
Este impacto se dá, também, na saúde de crianças e adolescentes.
Cerca de 15% de todas as vítimas de intoxicação por agrotóxicos no Brasil
pertencem a esse grupo etário. Já entre os bebês, foram 542 intoxicados no
período de 2010 a 2019. Além disso, as gestantes também sofreram com esse
cenário, com 293 delas intoxicadas no mesmo período. Com efeitos que se
estendem além do próprio corpo, a situação pode afetar a saúde de seus bebês
por meio do leite materno e até mesmo antes do nascimento.
O documento aponta ainda para uma correlação entre a exposição
prolongada aos agrotóxicos e o aumento da incidência de doenças crônicas. As
evidências indicam uma alta taxa de desenvolvimento de doenças como Parkinson,
leucemia infantil, câncer de fígado e de mama, diabetes tipo 2, asma, alergias,
obesidade e distúrbios endócrinos.
No curto prazo, a exposição aguda a esses insumos está ligada a
uma série de sintomas debilitantes, como fadiga extrema, apatia, dores de
cabeça intensas e dor nos membros. Em situações críticas, há o risco de falha
de órgãos vitais, incluindo coração, pulmões e rins. Aproximadamente 11 mil
pessoas morrem anualmente em todo o mundo devido a envenenamentos não
intencionais por agrotóxicos.
O Atlas mostra que, no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode
gastar até 150 reais por caso de intoxicação por agrotóxicos, totalizando um
custo estimado anual de R$ 45 milhões. Estudos compilados na
publicação, mostram um mau negócio a partir do uso excessivo desses defensivos
agrícolas. O custo para o SUS pode chegar a US$ 1,28 para cada US$ 1 investido em
pesticidas, a depender do tratamento.
Agrotóxicos no mundo
A exposição a esse risco não se restringe ao Brasil. Atualmente,
estima-se que ocorram cerca de 385 milhões de casos de intoxicações agudas por
agrotóxicos a cada ano em todo o mundo; em 1990, de acordo com dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS), o número total de intoxicações era de 25
milhões. A escalada desses números ao longo dos anos pode ser atribuída ao uso
intensificado de agrotóxicos em escala global. Hoje, 11 mil pessoas morrem
anualmente em todo o mundo devido a envenenamentos não intencionais.
Desde 1990, a quantidade mundial de agrotóxicos utilizados
aumentou em quase 62%, com crescimento expressivos em regiões específicas: 484%
na América do Sul e 97% na Ásia. Essa aceleração no uso de agrotóxicos é
particularmente preocupante em regiões do Sul Global, onde as regulamentações
ambientais, de saúde e segurança são muitas vezes mais fracas.
Sobre a Fundação Heinrich Böll
A Fundação Heinrich Böll é uma organização política alemã,
presente em mais de 35 países e conectada ao Partido Verde da Alemanha. Seus
escritórios na América Latina têm um compromisso especial com as organizações
da sociedade civil do campo crítico porque acreditam que essas são fundamentais
para o fortalecimento democrático. Promover diálogos pela democracia e buscar a
garantia dos direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental;
defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são os
valores que impulsionam as ideias e ações da Fundação. No Brasil, a organização
apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e
produz publicações gratuitas. No campo da justiça socioambiental, busca
fortalecer o debate público que alie a defesa do meio ambiente com a garantia
dos direitos dos povos do campo e da floresta.
A publicação está disponível através do link.
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