Resultado de levantamentos realizados desde os anos 1990, trabalho aponta para a diminuição da biodiversidade à medida que a fronteira agrícola se amplia no entorno do Parque Nacional das Emas, em Goiás, com diminuição e mesmo desaparecimento de espécies com potencial biotecnológico
Nas noites do Cerrado, as
larvas do vagalume da espécie Pyrearinus termitilluminans, que
vivem em cupinzeiros, expõem suas lanternas verdes a fim de capturar presas
atraídas pela luz.
Em mais de 30 anos de
expedições com seus estudantes ao Parque Nacional das Emas, em Goiás, e
fazendas no entorno da unidade de conservação em busca de espécimes, nunca o
fenômeno foi tão raro quanto agora, constata Vadim Viviani, professor do Centro de
Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade da Universidade Federal de São
Carlos (CCTS-UFSCar), em Sorocaba.
“Na década de 90, era possível
ver muitos desses cupinzeiros, inclusive em áreas de pastagem, repletos de
vagalumes. Agora, a maioria dos campos foi substituída por monoculturas de
cana-de-açúcar, onde quase não se encontram esses besouros luminescentes”,
atesta o pesquisador.
A conclusão é parte de um
estudo apoiado pela FAPESP no âmbito do
Programa BIOTA-FAPESP, que foi publicado por
Viviani e colaboradores na revista Annals of the Entomological Society
of America.
Entre os coautores está Etelvino Bechara, professor do Instituto
de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) que orientou Viviani no
mestrado e doutorado nos anos 1990 e que também é apoiado pela FAPESP.
Além deles, assinam ainda o
artigo Cleide Costa,
pesquisadora do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), e a
entomóloga Simone P. Rosa, da
Universidade Federal de Itajubá (Unifei), autoridades em taxonomia da
superfamília Elateroidea.
No levantamento, 51 espécies
foram registradas, a maioria vagalumes, mas também os chamados besouros
tec-tec, que possuem duas lanternas nas costas, e as larvas-trenzinho, que
podem produzir luzes de cores diferentes ao mesmo tempo.
Em Goiás, além do Parque
Nacional das Emas, no município de Mineiros, e em fazendas do entorno, foram
feitas coletas em Perolândia e Campinorte. No Mato Grosso, os levantamentos
ocorreram no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e nas cidades de Alto
Garças, Novo Santo Antônio e Rio Manso. Já na cidade de Costa Rica, no Mato
Grosso do Sul, foram visitadas duas fazendas e o Parque Sucuriú.
O Parque Nacional das Emas foi
o local mais rico, com 35 espécies. Durante as últimas três décadas, os
pesquisadores contam ter observado um evidente declínio da diversidade desses
besouros em remanescentes do Cerrado dentro das fazendas que cercam o parque.
A queda se deu ao mesmo tempo
em que ocorria a substituição das pastagens por plantações de soja e
cana-de-açúcar e a redução de áreas de cerrado e cerradão, fisionomia mais
densa também encontrada no bioma.
O trabalho registra ainda, pela
primeira vez, a ocorrência dos cupinzeiros luminosos no Parque Nacional da
Chapada dos Guimarães. As estruturas cheias de larvas de vagalumes são bastante
comuns no Parque Nacional das Emas e no entorno. Um trabalho da equipe havia
registrado a ocorrência do fenômeno também nas florestas da Amazônia (leia
mais em: https://agencia.fapesp.br/23496/).
Sumiço dos
trenzinhos
Outras ameaças para os besouros
luminescentes são os pesticidas usados para combater pragas da agricultura e a
luz noturna artificial. As fontes luminosas produzidas por humanos impedem as
espécies luminescentes de serem encontradas por parceiros sexuais, atrapalhando
a reprodução.
Outra ausência marcante nas
coletas mais recentes do grupo foram as larvas-trenzinho, que podem emitir
luzes de cores diferentes ao mesmo tempo, como vermelho e amarelo, e apresentam
grande potencial biotecnológico (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/31554/).
“O declínio dessa família
[Phengodidae] foi especialmente evidente. Depois de 2010, os machos adultos não
foram mais atraídos por armadilhas de luz em áreas mais preservadas dentro de
fazendas de cana-de-açúcar. Os níveis cada vez maiores de luz artificial dentro
do Parque Nacional das Emas, vinda dos crescentes centros urbanos adjacentes,
podem ameaçar muitas espécies bioluminescentes, o que merece atenção especial e
mais estudos”, escrevem os autores.
A extinção de espécies
luminescentes é uma perda não apenas para a biodiversidade e os serviços
ecossistêmicos prestados por esses animais. Pode representar a perda de
oportunidades tecnológicas e econômicas.
Muitos processos analíticos
usados em pesquisas científicas, análises médicas, industriais e ambientais
utilizam a bioluminescência, como é chamada a produção de luz fria e visível
por seres vivos.
O fenômeno é resultado da
oxidação de luciferina, um tipo de composto presente nesses e outros animais,
além de alguns fungos, por enzimas conhecidas como luciferases.
Ao longo dos anos, o grupo
liderado por Viviani isolou e clonou o maior número de luciferases de
diferentes insetos no mundo, que incluem ainda mosquitos que produzem luz azul
(leia mais em: https://agencia.fapesp.br/34226 e https://agencia.fapesp.br/28840/).
Os besouros luminescentes
produzem cores como verde, amarelo, laranja e vermelho, usadas para marcar
células e proteínas, por exemplo (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/36330/ e https://agencia.fapesp.br/20548/).
Atualmente, Viviani coordena um
projeto apoiado pela FAPESP com
o objetivo de desenvolver insumos bioluminescentes para imunoensaios, análises
ambientais e bioimagem. O objetivo é desenvolver aplicações a partir de
luciferases de espécies brasileiras, uma vez que a maior parte dessas
tecnologias ainda é importada.
“É preciso compreender que o
Cerrado não é mato, mas um repositório de água no solo, fonte de evaporação que
gera chuvas e, ainda, um imenso acervo de espécies exclusivas, que ainda têm
muito a nos ensinar”, conclui o pesquisador.
O artigo Inventory and
ecological aspects of bioluminescent beetles in the Cerrado ecosystem and its
decline around Emas National Park (Brazil) está disponível em acesso
aberto em: https://academic.oup.com/aesa/advance-article/doi/10.1093/aesa/saad029/7289072.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/em-30-anos-besouros-bioluminescentes-tiveram-reducao-de-diversidade-no-cerrado/50429
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