O ano de 2023 tem sido marcado por grandes mudanças legislativas nas mais diversas áreas, situação que carrega um desafio adicional para reguladores e empresas num período já conturbado. Isso não foi diferente para o mercado financeiro, setor cuja alteração regulatória, há tempos, vem sendo estudada e acompanhada de perto pelas autoridades – especialmente por conta do financial deepening. Soma-se a isso, a necessidade de caixa para o Governo Federal, que persegue uma meta de arrecadação audaciosa, visando o equilíbrio fiscal no país e uma política de gastos públicos mais expansionista.
Nesse contexto, foram editadas normas, tanto
regulatórias quanto tributárias, com o propósito de consolidar a regulação de
fundos – o que se chamou de marco regulatório dos fundos de investimentos – e
aumentar o alcance do come-cotas (IRRF) sobre determinados veículos de
investimento que, atualmente, contam com diferimento do imposto.
Na parte regulatória, produzindo efeitos desde 2 de
outubro, a Resolução CVM nº 175, estabelece um novo marco, que busca modernizar
o arcabouço regulatório atinente aos fundos de investimento, sistematizando e
regulamentando às inovações trazidas pela Lei de Liberdade Econômica, bem como
consolidar as suas regras em um único normativo, contando com uma parte geral
aplicável a todas as categorias e uma parte especial que regula os Fundos de
Investimento Financeiros (FIF) e os Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios (FIDC).
A norma trouxe diversas modificações que ganharam
repercussão, considerando os seus impactos na atuação dos fundos, como é o caso
da temática referente à classe de cotas. Agora, os fundos poderão estabelecer classes
de cotas com direitos e obrigações diferentes, com a constituição de
patrimônios segregados, o que não era autorizado. Isso implica dizer que as
estruturas de investimento que, anteriormente exigiam a combinação de vários
fundos, podem agora ser consolidadas em um único fundo com múltiplas classes.
Além disso, outras modificações vêm sendo
discutidas, como a responsabilidade limitada aos cotistas; a insolvência civil
para fundos de investimento; reconhecimento da prestação de serviços essenciais
pelos gestores; flexibilidade na governança; criação de fundos socioambientais;
flexibilização das regras de investimento para FIF; limitação da alavancagem
para FIF; abertura para investidores do público em geral em FIDC; necessidade
de registro de recebíveis em FIDC; além de outra modificações do novo marco em
FIDC, como a dispensa para gestores, consultores e administradores em relação a
créditos, dispensa de rating para cotas de FIDC para
investidores qualificados, e outras alterações, onde gestor poderá contratar
terceiro para validar o lastro dos direitos creditórios.
Cabe destacar que, a Resolução CVM nº 175/22 já foi
alterada pela Resolução CVM nº 184, em 31/5/23, que introduziu outros nove
anexos, a fim de reger os Fundos de Investimento Imobiliário (FII) Fundos de
Investimento em Participações (FIP), Fundos de Investimento em Índice de
Mercado (ETF), Fundos Mútuos de Privatização (FMP-FGTS), Fundos de Investimento
na Indústria Cinematográfica Nacional (FUNCINE), Fundos Mútuos de Ações
Incentivadas (FMAI), Fundos de Investimento Cultural e Artístico (FICART),
Fundos Previdenciários e Fundos de Investimento em Direitos Creditórios de
Projetos de Interesse Social (FIDC-PIPS).
Os Fundos deverão se adaptar às alterações até
31/12/24, com exceção dos FIDC e FIDC-NP, cujo prazo é de até 1/4/24. As
disposições referentes à taxa máxima de distribuição e aquelas relativas ao
estabelecimento de limites para os FIF em relação ao risco de capital, entrarão
também em 1/4/24. Para adaptação dos fundos, vemos desafios relativos a
necessidade de novos arranjos comerciais, operacionais e o desenvolvimento de
novos protocolos, com os processos deles decorrentes
Já na questão da tributação, foi publicada ao final
de agosto a MP 1184/23, em que se propõe o fim do diferimento da tributação de
rendimentos em fundos fechados, que, em regra, passarão a se sujeitar ao regime
de come-cotas, tal qual os fundos abertos.
Com a mudança, o come-cotas (IRRF) incidirá em maio
e novembro de cada ano, sobre o rendimento semestral, com alíquota de 15%
(fundo de longo prazo) ou 20% (fundo de curto prazo), sendo devido o IRRF
complementar no resgate, amortização ou alienação, lembrando que o ganho na
venda de cotas de fundos é sujeito às alíquotas regressivas (22,5% a 15%).
Além disso, a MP trouxe previsão de tributação dos
rendimentos acumulados por fundos fechados – estoques – até 31/12/23, com
alíquota de 15%, cujo recolhimento poderá ser realizado em cota única até
31/5/24 ou em 24 cotas mensais atualizadas (SELIC) a partir de 31/5/24.
No caso de pessoas físicas residentes no Brasil,
reduz-se para 10% o IR sobre o estoque, caso opte-se pela antecipação do
recolhimento do tributo. Para isso, a PF deverá recolher o imposto devido sobre
os rendimentos acumulados até 30/6/23, em quatro parcelas mensais de 12/23 a
3/24; e do segundo semestre de 2023, até 6/24, à vista.
Ficaram excluídos da tributação periódica os (i)
FIP que sejam classificados como “entidade de investimento” (existência de
estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas) e que
cumpram os seguintes requisitos de regulamentação da CVM; (ii) FIA que
detenham, pelo menos, 67% em ações (ou ativos equiparados) efetivamente
negociados em bolsa e (iii) ETF regulados pela CVM, com cotas negociadas em
bolsa ou balcão organizado e que não seja de Renda Fixa. Essas regras também
são válidas aos FOF (Fundos de Fundos).
Também estão fora da nova tributação os FII e
FIAGRO; FIPs e FIEE (Lei nº 11.312/06); FIP-IE e FIP-PD&I (Lei nº
11.478/07); Fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431/11; Fundos
detidos exclusivamente por cotistas não residentes (art. 97 da Lei nº
12.973/14); Fundo de investimento em títulos públicos federais detido
exclusivamente por cotistas não residentes (art. 1º da Lei 11.312/06); e as
ETFs de Renda Fixa (Lei nº 13.043/14).
Alerta-se que, para os FII e FIAGRO, foi
estabelecido que, a partir de 1/1/24, a isenção de rendimentos será válida
apenas para fundos que possuam, no mínimo, 500 cotistas e cujas cotas sejam
efetivamente negociadas em bolsa ou balcão organizado.
Por fim, especificamente para as situações em que
os fundos possuem sua natureza de holding ou não apresentem os requisitos
necessários à sua classificação como entidade de investimento, há a
possibilidade de sua transformação em S.A., de maneira a preservar os
rendimentos acumulados da tributação – dada a revogação, com efeitos apenas a
partir de janeiro de 2024, do art. 50 da Lei 4.728/1965, devendo essa
alternativa deve ser explorada caso a caso. É preciso aguardar a conversão da
medida provisória em lei, especialmente com vistas as alterações que estão
sendo discutidas no Congresso Nacional.
Lucas Bizzo - advogado da área societária do Arbach & Farhat Advogados.
Arbach & Farhat Advogados
https://arbachefarhat.com.br/
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