No sábado, 6 de maio, é comemorado o Dia Nacional da Matemática. Descubra, nesta reportagem, o que pode acontecer quando os cientistas da área, sempre preocupados em encontrar padrões, se deparam com fenômenos aleatórios e, muitas vezes, imprevisíveis
O mundo aleatório da matemática pode ser um pouco diferente do
que é o mundo aleatório para os demais habitantes do planeta Terra. Quando
pesquisadores ou pesquisadoras das ciências exatas se deparam com o
imprevisível, eles ainda acreditam que possa existir algum padrão para explicar
aquele fenômeno.
Em 1999, enquanto estava sentado em
um ponto de ônibus na cidade de Cuernavaca, no México, o cientista Petr Seba, da República Tcheca, ficou intrigado: viu alguns
jovens entregando tiras de papel aos motoristas de ônibus em troca de dinheiro.
Descobriu que eles eram olheiros, contratados pelos motoristas para registrarem
quando o ônibus à frente saía do ponto. Como trabalhavam de forma avulsa, os
motoristas tentavam maximizar os lucros usando esse sistema. Assim, colocavam o
pé no acelerador caso o ônibus anterior tivesse partido há muito tempo para que
não fossem ultrapassados pelo próximo motorista ou, pelo contrário, reduziam a
velocidade a fim de que houvesse mais passageiros esperando na próxima parada.
Para estudar matematicamente como
aquele sistema aparentemente aleatório funcionava, Seba se uniu a outro
pesquisador, Milan Krbálek.
Eles coletaram milhares de dados de partida e chegada dos ônibus e os
analisaram usando computadores. Resultado, em 2000, publicaram um
artigo explicando as propriedades estatísticas daquele sistema. “O que foi
observado é que, quando se media, repetidas vezes, o espaçamento entre ônibus
consecutivos, se via o mesmo padrão que era observado nos níveis de energia de
partículas subatômicas”, revela Guilherme Lima Ferreira da Silva, jovem pesquisador Fapesp
e colaborador do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da
USP, em São Carlos.
À primeira vista, o sistema de ônibus
descentralizado de Cuernavaca nada teria a ver com as partículas minúsculas a
que chamamos átomos. Invisíveis a olho nu, os átomos formam tudo o que nos
cerca, e nada se parecem com uma esfera sólida como muitos de nós imaginamos.
Na verdade, um átomo é como um sistema planetário elétrico minúsculo, composto
por diversas partes ainda menores, as partículas subatômicas. Algumas delas são
capazes de transportar energia, tal como os ônibus de Cuernavaca transportam
passageiros.
“Em torno de 1950, vários fenômenos
em física, relacionados com partículas subatômicas foram observados. Mas,
naquele momento, não havia matemática suficiente para poder descrevê-los e
explicar o que era observado em experimentos. Nós só chegamos a uma compreensão
melhor desses fenômenos no final da década de 1990 e começo dos anos 2000,
devido a grandes avanços matemáticos”, explica Guilherme. Ele diz que essas
novas ferramentas matemáticas funcionam como uma espécie de óculos. Assim,
quando os cientistas usam os óculos para enxergar de perto, em nível
subatômico, eles conseguem ver o padrão de níveis de energia nas partículas que
moram dentro dos átomos. Ao trocar os óculos, são capazes de enxergar o mesmo
padrão de espaçamento nos ônibus de Cuernavaca.
Em busca de
padrões – “A matemática trafega na lógica e no
rigor. Seus objetivos amplos são encontrar ordem e estrutura em um vasto mar de
objetos. É precisamente porque o mundo matemático não é aleatório que todo o
empreendimento da matemática é possível”, escreve Kevin Hartnett na reportagem Como a aleatoriedade pode
tornar a matemática mais fácil, publicada em inglês pela
revista Quanta Magazine.
Aparentemente, pode ser um pouco
contraditório imaginar que uma ciência voltada a encontrar padrões possa se
desenvolver diante do desafio de compreender fenômenos que, à primeira vista,
não se comportam seguindo uma ordem preestabelecida. A questão é que, para os
matemáticos, até mesmo onde enxergamos uma grande bagunça, podem existir padrões,
apenas ainda não fomos capazes de identificá-los.
“Uma grande parte do que se faz em
matemática é isso: encontrar padrões que são, muitas vezes, inesperados. E veja
que, ao encontrar padrões, a gente pode reutilizar todo um conhecimento
anterior em um modelo novo, que a gente descobriu que já segue um padrão que
conhecíamos bem anteriormente”, acrescenta Guilherme. No caso do padrão
encontrado pelos pesquisadores no sistema de ônibus descentralizado de
Cuernavaca, ele se repete em vários fenômenos do nosso mundo, como, por
exemplo, no crescimento em colônias bacterianas, no rastro de uma chama ao
queimar o papel de cigarro, nas manchas deixadas por gotas de café formando
anéis, em jogos como o famoso Tetris e no embaralhamento de cartas. Tanto que esse
padrão chegou até a ganhar um nome interessante: universalidade.
Mas, será mesmo que existem conexões
matemáticas subjacentes a tudo o que nos cerca? Ainda não conseguimos saber.
Mas é certo que, ao nos revelar algumas dessas conexões, a matemática demonstra
que podem existir padrões até mesmo onde só identificamos aleatoriedade e
imprevisibilidade. Talvez, esses padrões se repitam dentro do nosso cérebro, na
atmosfera do nosso planeta e no movimento das placas tectônicas.
O que sabemos é que, tal como as demais ciências, a matemática também tem muito a contribuir para que possamos continuar admirando e compreendendo o complexo mundo que nos rodeia. Então, da próxima vez que você sair de casa com um guarda-chuvas porque a previsão era de tempestade, mas sofrer com o calor do dia de Sol, lembre-se: há matemáticos muito mais preocupados com isso do que você pode imaginar.
Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC-USP
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