A dor de cabeça, também chamada tecnicamente de cefaleia, é uma doença que acomete 52% da população mundial, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU, da sigla em inglês).[1] Só no Brasil, estima-se que 15% da população sofra de enxaqueca[2] e 13% - 29,5% de cefaleia tensional[15,2], de acordo com estudos epidemiológicos. Quando essas dores duram mais de três meses, elas passam a ser consideradas crônicas, e afetam ainda mais a qualidade de vida dos pacientes.
No marco do Dia Nacional de Combate à
Cefaleia, comemorado em Maio, a Dra. Luciana Bahia, neurologista especialista
em dor crônica e gerente médica da Grünenthal Brasil, empresa farmacêutica
líder no tratamento da dor e doenças relacionadas,[3] aponta quais
são os mitos e verdades sobre a dor de cabeça:
1) A dor de cabeça é um dos principais motivos de consulta
médica.
Verdade. Entre as causas mais comuns que levam um paciente com dor a
consultar um especialista estão a osteoartrite, dores nas costas e as dores de
cabeça.[4] O contato inicial dos pacientes com essas dores
geralmente é feito com médicos da atenção primária e medicina interna, e por
isso é essencial que os profissionais dessas áreas tenham treinamento adequado
para avaliar, diagnosticar, administrar e tratar a dor em tempo hábil, levando
em consideração a duração e frequência dos episódios de dores de cabeça do
paciente, por exemplo, para que assim o profissional possa saber diferenciar um
sintoma de uma dor crônica.
2) Mulheres têm mais dores de cabeça do que os homens.
Verdade. De acordo com a American Migraine Foundation, a
enxaqueca, um dos tipos mais frequentes de cefaleia, é três vezes mais comum em
mulheres do que em homens, e afeta mais de 30% das mulheres ao longo da vida.[5]
No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia, cefaleias
tensionais e enxaquecas atingem aproximadamente 20% das mulheres, enquanto o
índice do sexo masculino fica entre 5% e 10%.[6] Entre as várias razões para a maior
frequência das dores femininas estão as flutuações hormonais, relacionadas aos
ciclos menstruais.[7] Algumas condições especificas são mais comuns em homens,
como a cefaleia em salvas, mas sua prevalência é bem mais rara comparada as
anteriores.
3) A cefaleia pode causar impactos econômicos
significativos.
Verdade. É preciso considerar que a dor de cabeça implica em custos
diretos (como em tratamentos farmacológicos, as idas e vindas do paciente às
consultas médicas e pronto-atendimentos, além da realização de diversos exames,
como tomografias) e também indiretos (relacionados à perda de produtividade e
faltas no trabalho). De acordo com uma pesquisa de 2020, a carga econômica das
cefaleias no Brasil, principalmente devido à enxaqueca, pode custar até R$67,6
bilhões por ano aos cofres públicos, sendo que as cefaleias representam uma das
principais causas de absenteísmo por doença.[8]
4) A dor de cabeça interfere nas atividades do dia a dia.
Verdade. A enxaqueca é uma das principais causas de incapacidade, e
interfere na vida profissional, afetando a performance e até mesmo a progressão
da carreira do paciente, nas atividades cotidianas, na realização de atividades
físicas, e até mesmo nas relações pessoais e familiares. Ainda de acordo com a American
Migraine Foundation, a enxaqueca impacta na educação, carreira e
vida social para mais de 90% dos afetados.[5]
5) Alimentos podem ser gatilhos para dores de cabeça.
Verdade, mas isso é muito particular de cada paciente. Embora
existam alguns alimentos que podem desencadear crises de enxaqueca incluindo
álcool, glutamato monossódico, chocolate e queijo, e até a cafeína, a
verdade é que a minoria dos pacientes têm crises de dor de cabeça desencadeada
por alimentos. O preenchimento de um diário de cefaleia pode ajudar o paciente
a se conhecer melhor, de forma a evitar gatilhos recorrentes, caso eles
existam.[9] Pular refeições e fazer jejum prolongado também são
fatores desencadeantes comuns das crises de enxaqueca, então é necessário
equilíbrio. Vale lembrar que a enxaqueca é uma doença de base genética e que
mudanças de hábitos alimentares não devem retardar a busca por atendimento
médico e tratamento adequado.
6) São necessários vários exames de imagem para realizar o
diagnóstico correto da cefaleia.
Mito. Nem sempre os melhores e mais sofisticados exames, como
ressonâncias magnéticas, definirão da forma mais adequada o diagnóstico do
paciente. O diagnóstico das cefaleias primárias, ou seja, aquelas condições em
que a dor de cabeça é a própria doença e não um sintoma de outra condição
subjacente, é clínico, por meio da correta avaliação do médico responsável
durante a consulta.[10] É possível que, a partir da
hipótese diagnóstica do especialista, o paciente tenha que realizar alguns
exames, principalmente diante de alguns sinais de alarme, como febre, perda de
peso, cefaleia de instalação súbita ou alterações no exame neurológico, mas a
atenção às queixas do paciente no consultório são primordiais para a correta
identificação do problema e a implementação de um tratamento correto, oportuno
e eficaz.
7) Não posso realizar atividade física, pois tenho dor de
cabeça crônica.
Mito. Embora os pacientes possam sentir mais incômodo ao realizar
atividade física durante um episódio de dor de cabeça, o exercício físico
realizado de forma rotineira traz inúmeros benefícios aos pacientes com dores
crônicas. O exercício físico produz endorfinas, um analgésico natural do nosso
corpo, melhora a qualidade do sono e reduz o stress, fatores que possuem grande
influência na modulação da dor. Para os pacientes sedentários, a rotina de
atividade física deve se estabelecer aos poucos, sempre sob supervisão médica.
Atenção para manter-se hidratado durante o exercício, pois a desidratação pode
ser um gatilho para crises de enxaqueca. Apenas recomenda-se moderação no
exercício naqueles dias de dor.[11]
8) Automedicação é o suficiente para tratar minha dor de
cabeça.
Mito. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se
que metade das pessoas com distúrbios de dor de cabeça se automedicam. Além
disso, um grande número de pacientes com cefaleia não são diagnosticados ou
tratados: em todo o mundo, apenas 40% das pessoas com enxaqueca ou cefaleia de
tensão e apenas 10% das pessoas com cefaleia por uso excessivo de medicamento
(CEM) são diagnosticadas profissionalmente.[12] Isso se deve muito provavelmente
ao fato de que as cefaleias não são percebidas como problemas graves pelo
público, uma vez que acontecem em sua maioria de forma episódica, não causam a
morte e não são contagiosas.[13] A dor recorrente que não é tratada
adequadamente pode se cronificar e o uso de analgésicos de forma indiscriminada
pode implicar em quadros de cefaleia por uso excessivo de analgésicos.
Portanto, o tratamento deve ser sempre orientado por um médico.
9) Para ser considerada enxaqueca, preciso ter tido uma
aura.
Mito. A Sociedade Brasileira de Cefaleia define a aura como uma
fase da enxaqueca definida por manifestações neurológicas graduais, incluindo a
aura visual, na qual a pessoa enxerga pontos pretos, pontos brilhantes e/ou
imagens em ziguezague em seu campo visual, e também sofre outros sintomas como
formigamento ou dormência e até dificuldade na fala. Você não precisa ter tido
uma aura para obter um diagnóstico de enxaqueca.[14] A dor é uma
experiência subjetiva, particular e desagradável e não há garantia de que cada
pessoa passará por todos os estágios de um ataque de enxaqueca. Na verdade, a
enxaqueca sem aura é mais comum, pois apenas 25 a 30% das pessoas com enxaqueca
experimentam a fase de aura de um ataque, de acordo com a American
Migraine Foundation.[12] O importante é relatar tudo o que
você sente ao seu médico, para que ele te auxilie da melhor maneira possível.
10) Devo aceitar que devo viver com dor de cabeça crônica
e que ela não tem solução.
Mito. Esse sentimento de impotência é compreensível, ainda mais
quando parece que você já tentou de tudo. Porém, não desista, lembre-se de que
a sua melhora é um processo. Busque ajuda do seu médico ou especialista em dor
de cabeça e siga suas orientações para encontrar o regime de tratamento que
funcionará para você. A ciência está em constante desenvolvimento para, por
meio de pesquisas, chegar a soluções que atendam às necessidades dos pacientes.[9]
Continue fazendo seu tratamento de acordo com a orientação médica e busque
sempre a melhora da sua qualidade de vida.
Referências
[1] NEVES, Úrsula. Metade da população mundial sofre de cefaleia, aponta estudo norueguês. 2022. Disponível em: https://pebmed.com.br/metade-da-populacao-mundial-sofre-de-cefaleia-aponta-estudo-noruegues/.
[2] Queiroz L, Peres M, Piovesan E, et al. A Nationwide Population-Based Study of Migraine in Brazil. Cephalalgia. 2009;29(6):642-649.
[3] O ranking é baseado nas vendas da corporação (EURO acc. IQVIA fixo – Status 4º trimestre de 2018) na área dos principais opióides, ou seja, buprenorfina, fentanila, hidromorfona, hidrocodona, morfina, oxicodona, petidina, tapentadol, codeína, dextropropoxifeno, di-hidrocodeina, tilidina, tramadol.
[4] Cohen, S. P., Vase, L., & Hooten, W. M. (2021). Chronic pain: an update on burden, best practices, and new advances. The Lancet, 397(10289), 2082-2097. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00393-7/fulltext
[5] The Facts About Migraine | American Migraine Foundation. 2019. Disponível em: https://americanmigrainefoundation.org/resource-library/migraine-facts/.
[6] Dor de cabeça é mais comum em mulheres. Sabe por quê? 2022. Disponível em: https://exame.com/bussola/dor-de-cabeca-e-mais-comum-em-mulheres-sabe-por-que/.
[7] Ribeiro, R. L., & Carvalho, D. de S. (2000). Cefaléia Associada aos Ciclos Hormonais da Mulher. Revista Neurociências, 8(3), 93–98. https://doi.org/10.34024/rnc.2000.v8.8936
[8] Oliveira AB, Queiroz LP, Sampaio Rocha-Filho P, Sarmento EM, Peres MF. Annual indirect costs secondary to headache disability in Brazil. Cephalalgia. 2020 May;40(6):597-605. doi: 10.1177/0333102419889357. Epub 2019 Nov 22. PMID: 31757169.
[9] Top 10 Migraine Myths | American Migraine Foundation. 2023. Disponível em: https://americanmigrainefoundation.org/resource-library/migraine-myths/.
[10] ABCMED. Mitos e verdades sobre dor de cabeça. 2010. Disponível em: https://www.abc.med.br/p/dor-de-cabeca/57784/mitos-e-verdades-sobre-dor-de-cabeca.htm.
[11] Exercise and Migraine | American Migraine Foundation. 2022. Disponível em: https://americanmigrainefoundation.org/resource-library/exercise-migraine/.
[12] 7 Common Myths About Migraine | American Migraine Foundation. 2023. Disponível em: https://americanmigrainefoundation.org/resource-library/common-myths-about-migraine/.
[13] World Health Organization. Headache disorders. 2016. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/headache-disorders.
[14] Sociedade Brasileira de Cefaléia. 2017. Disponível em: https://sbcefaleia.com.br/noticias.php?id=351#:~:text=A%20aura%20%C3%A9%20definida%20como,a%2060%20minutos%20cada%20aura.
[15] Queiroz LP, Peres MF, Piovesan EJ, Kowacs F, Ciciarelli MC, Souza JA, Zukerman E. A nationwide population-based study of tension-type headache in Brazil. Headache. 2009 Jan;49(1):71-8
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