Uso de drones pode contribuir para o manejo sustentável de
estoques pesqueiros em importante área de conservação marinha do BrasilFoto: José Amorim Reis-Filho
Além de garantir renda para pescadores locais, a oferta
equilibrada de sardinha é fundamental para a manutenção de diversas espécies de
peixes e aves
Estudo apoiado pela Fundação Grupo Boticário também pode
facilitar o monitoramento do ecoturismo no arquipélago
Uma
pesquisa realizada por 11 cientistas de universidades brasileiras e
norte-americanas tem potencial de trazer grande avanço para a conservação da
biodiversidade no arquipélago de Fernando de Noronha (PE), um dos principais
destinos de ecoturismo no Brasil. Os cientistas usaram imagens aéreas feitas por
drones para compreender as atividades de pesca da sardinha no Parque Nacional
Marinho de Fernando de Noronha, em área liberada para a atividade pesqueira
desde 2019, após controvérsias entre o governo federal e entidades ambientais.
A partir das imagens captadas durante o período liberado para a pesca, foi
possível identificar os tamanhos dos cardumes, as dinâmicas dos barcos
pesqueiros e dos pescadores da costa e também observar as atividades de turismo
local.
“Além
da importância comercial para os pescadores, a sardinha é a base alimentar para
tubarões, golfinhos, diversos peixes maiores e aves marinhas. A sardinha também
é usada como isca para a pesca de grandes peixes e a sobrepesca desse recurso
pode provocar um desequilíbrio das espécies, trazendo prejuízos inclusive para
o ecoturismo, já que a fantástica biodiversidade do arquipélago é um dos
principais atrativos para os mergulhadores e turistas”, explica Hudson
Pinheiro, um dos autores do estudo, pesquisador do Centro de Biologia Marinha
da Universidade de São Paulo (USP) e da Academia de Ciências da Califórnia, nos
Estados Unidos.
O
uso de drones para auxiliar a vigilância e fiscalização em áreas marinhas
protegidas ainda está em estágio inicial no Brasil. A tecnologia apresenta uma
série de vantagens em relação aos métodos tradicionais de monitoramento, que
exigem maiores investimentos e logística mais complexa. “A gestão da pesca
geralmente é realizada em terra ou por meio de inspeções a bordo de
embarcações. O acompanhamento das atividades pesqueiras usando drones é uma
opção versátil e econômica, que pode potencialmente melhorar os estudos
pesqueiros, especialmente em áreas marinhas protegidas”, ressalta Pinheiro,
que também é membro da Associação Voz da Natureza e da Rede de Especialistas em
Conservação da Natureza (RECN).
O
estudo, que contou com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à
Natureza, demonstrou que pequenos drones podem fornecer monitoramento altamente
eficiente e de baixo custo, capaz de avaliar rapidamente características
relevantes da pesca de pequena escala. A partir de um local fixo, é possível
compreender toda a dinâmica de atividades da ilha e ainda monitorar o tamanho
dos estoques pesqueiros. “Registramos 89 atividades pesqueiras na área marinha
e 75 pescadores costeiros nas praias. O estudo documentou as áreas mais
intensamente visadas por pescadores e aspectos operacionais do esforço de
pesca, tanto a bordo quanto nas atividades costeiras”, destaca José Amorim
Reis-Filho, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
líder da pesquisa.
A
metodologia será compartilhada com técnicos do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor do Parque Nacional de
Fernando de Noronha. “Criamos um protocolo simples para ajudar
cientistas e gestores a obter dados de pesca bastante úteis e confiáveis. Vamos
preparar um workshop para compartilhar essa experiência com os gestores e
esperamos que a tecnologia possa auxiliar no desenvolvimento sustentável do
arquipélago”, frisa o pesquisador da UFBA.
Os
cientistas ressaltam que, ao monitorar os cardumes com mais precisão, é
possível saber o momento adequado para restringir a pesca ou, se for o caso,
liberar mais a atividade. “O estudo permite um manejo mais adaptativo, com um
regramento que já é adotado em alguns países de primeiro mundo”, explica
Pinheiro.
A
área de estudo abrangeu uma região de cerca de cinco quilômetros quadrados,
onde pode ser encontrado um mosaico de habitats marinhos composto por rochas,
corais duros, algas e faces arenosas. Devido ao nível de transparência do mar
em Fernando de Noronha, o monitoramento aéreo apresentou resultados bastante
satisfatórios, o que não costuma ser possível em locais com águas turvas.
Importância
das pesquisas em unidades de conservação
Os
especialistas explicam que o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira
exige que os ambientes marinhos sejam manejados de forma adequada,
especialmente em unidades de conservação. A situação é ainda mais delicada em
Fernando de Noronha por causa da distância em relação ao continente. “Nas áreas
continentais, é possível um manejo mais colaborativo, mas na ilha a sobrepesca
pode resultar no fim da exploração comercial da espécie”, alerta Pinheiro. O
cientista ressalta que, como a sardinha vive em grandes cardumes e possui um
ciclo de vida curto, existem vários casos de colapso de populações de sardinha
em todo o mundo.
Além
de descrever as características e o tamanho dos cardumes por meio de drones, a
pesquisa contemplou expedições de mergulho para identificar características do
hábitat de fundo do mar do arquipélago em áreas com profundidade superior a 140
metros, mapeando áreas de recifes e as características de diversas espécies que
ocorrem na região.
“Os
estudos em Fernando de Noronha vão servir como base para um acompanhamento de
toda a biodiversidade da região, permitindo que pesquisas futuras possam
comparar as características encontradas, avaliando inclusive os impactos
ambientais e a resiliência de todo o território. É um trabalho de grande
relevância para subsidiar o uso de recursos sustentáveis em uma das áreas mais
relevantes para a conservação da vida marinha no Brasil”, afirma Malu Nunes,
diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.
Entre
as sugestões a serem enviadas ao ICMBio está a criação de áreas de proteção em
hábitats mais profundos que possam servir de locais de criação de pescados com
vistas ao desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira. “Defendemos
também que a pesca não seja expandida para dentro do parque nacional.
Entendemos que a recente permissão da pesca da sardinha em uma área específica
do parque não pode abrir o precedente de liberação para a captura de outras
espécies”, frisa Pinheiro.
Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)
www.fundacaogrupoboticario.org.br
Fundação
Grupo Boticário
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