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segunda-feira, 13 de junho de 2022

Metodologia inédita realiza monitoramento aéreo de cardumes de sardinha em Fernando de Noronha

Foto: José Amorim Reis-Filho
Uso de drones pode contribuir para o manejo sustentável de estoques pesqueiros em importante área de conservação marinha do Brasil

 

Além de garantir renda para pescadores locais, a oferta equilibrada de sardinha é fundamental para a manutenção de diversas espécies de peixes e aves

 

Estudo apoiado pela Fundação Grupo Boticário também pode facilitar o monitoramento do ecoturismo no arquipélago



 

Uma pesquisa realizada por 11 cientistas de universidades brasileiras e norte-americanas tem potencial de trazer grande avanço para a conservação da biodiversidade no arquipélago de Fernando de Noronha (PE), um dos principais destinos de ecoturismo no Brasil. Os cientistas usaram imagens aéreas feitas por drones para compreender as atividades de pesca da sardinha no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, em área liberada para a atividade pesqueira desde 2019, após controvérsias entre o governo federal e entidades ambientais. A partir das imagens captadas durante o período liberado para a pesca, foi possível identificar os tamanhos dos cardumes, as dinâmicas dos barcos pesqueiros e dos pescadores da costa e também observar as atividades de turismo local.

 

“Além da importância comercial para os pescadores, a sardinha é a base alimentar para tubarões, golfinhos, diversos peixes maiores e aves marinhas. A sardinha também é usada como isca para a pesca de grandes peixes e a sobrepesca desse recurso pode provocar um desequilíbrio das espécies, trazendo prejuízos inclusive para o ecoturismo, já que a fantástica biodiversidade do arquipélago é um dos principais atrativos para os mergulhadores e turistas”, explica Hudson Pinheiro, um dos autores do estudo, pesquisador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP) e da Academia de Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos.

 

O uso de drones para auxiliar a vigilância e fiscalização em áreas marinhas protegidas ainda está em estágio inicial no Brasil. A tecnologia apresenta uma série de vantagens em relação aos métodos tradicionais de monitoramento, que exigem maiores investimentos e logística mais complexa. “A gestão da pesca geralmente é realizada em terra ou por meio de inspeções a bordo de embarcações. O acompanhamento das atividades pesqueiras usando drones é uma opção versátil e econômica, que pode potencialmente melhorar os estudos pesqueiros, especialmente em áreas marinhas protegidas”, ressalta Pinheiro, que também é membro da Associação Voz da Natureza e da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).

 

O estudo, que contou com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, demonstrou que pequenos drones podem fornecer monitoramento altamente eficiente e de baixo custo, capaz de avaliar rapidamente características relevantes da pesca de pequena escala. A partir de um local fixo, é possível compreender toda a dinâmica de atividades da ilha e ainda monitorar o tamanho dos estoques pesqueiros. “Registramos 89 atividades pesqueiras na área marinha e 75 pescadores costeiros nas praias. O estudo documentou as áreas mais intensamente visadas por pescadores e aspectos operacionais do esforço de pesca, tanto a bordo quanto nas atividades costeiras”, destaca José Amorim Reis-Filho, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA), líder da pesquisa.

 

A metodologia será compartilhada com técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor do Parque Nacional de Fernando de Noronha. “Criamos um protocolo simples para ajudar cientistas e gestores a obter dados de pesca bastante úteis e confiáveis. Vamos preparar um workshop para compartilhar essa experiência com os gestores e esperamos que a tecnologia possa auxiliar no desenvolvimento sustentável do arquipélago”, frisa o pesquisador da UFBA.

 

Os cientistas ressaltam que, ao monitorar os cardumes com mais precisão, é possível saber o momento adequado para restringir a pesca ou, se for o caso, liberar mais a atividade. “O estudo permite um manejo mais adaptativo, com um regramento que já é adotado em alguns países de primeiro mundo”, explica Pinheiro.

 

A área de estudo abrangeu uma região de cerca de cinco quilômetros quadrados, onde pode ser encontrado um mosaico de habitats marinhos composto por rochas, corais duros, algas e faces arenosas. Devido ao nível de transparência do mar em Fernando de Noronha, o monitoramento aéreo apresentou resultados bastante satisfatórios, o que não costuma ser possível em locais com águas turvas.

 

Importância das pesquisas em unidades de conservação

Os especialistas explicam que o desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira exige que os ambientes marinhos sejam manejados de forma adequada, especialmente em unidades de conservação. A situação é ainda mais delicada em Fernando de Noronha por causa da distância em relação ao continente. “Nas áreas continentais, é possível um manejo mais colaborativo, mas na ilha a sobrepesca pode resultar no fim da exploração comercial da espécie”, alerta Pinheiro. O cientista ressalta que, como a sardinha vive em grandes cardumes e possui um ciclo de vida curto, existem vários casos de colapso de populações de sardinha em todo o mundo.

 

Além de descrever as características e o tamanho dos cardumes por meio de drones, a pesquisa contemplou expedições de mergulho para identificar características do hábitat de fundo do mar do arquipélago em áreas com profundidade superior a 140 metros, mapeando áreas de recifes e as características de diversas espécies que ocorrem na região.

 

“Os estudos em Fernando de Noronha vão servir como base para um acompanhamento de toda a biodiversidade da região, permitindo que pesquisas futuras possam comparar as características encontradas, avaliando inclusive os impactos ambientais e a resiliência de todo o território. É um trabalho de grande relevância para subsidiar o uso de recursos sustentáveis em uma das áreas mais relevantes para a conservação da vida marinha no Brasil”, afirma Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário.

 

Entre as sugestões a serem enviadas ao ICMBio está a criação de áreas de proteção em hábitats mais profundos que possam servir de locais de criação de pescados com vistas ao desenvolvimento sustentável da atividade pesqueira. “Defendemos também que a pesca não seja expandida para dentro do parque nacional. Entendemos que a recente permissão da pesca da sardinha em uma área específica do parque não pode abrir o precedente de liberação para a captura de outras espécies”, frisa Pinheiro.

 

Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)  

www.fundacaogrupoboticario.org.br 

Fundação Grupo Boticário


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