Racionalizar a tirania colonizatória em contrapartida à resistência do povo preto pauta a origem da nova exposição do artista Ramo, “Vilão”, que entra em cartaz em 25 de janeiro e segue até 25 de abril, pela Diáspora Galeria, na Casa Preta Hub, em São Paulo. As 32 obras, entre pinturas, esculturas e objetos, provocam reflexão sobre a marginalização imposta à cultura negra para dar nova face ao processo de exclusão. Nesse contexto, o artista retrata um vilão que desafia a ordem imputada nos valores de nobreza e pureza do ‘brancocentrismo’ para existir e persistir em uma sociedade historicamente excludente.
Para construir a narrativa, Ramo opta por um conceito de ressignificação dos
escombros sociais - periferias e favelas - que se tornaram abrigos para o
negro, lançado para a morte, dor, prisão ou adoecimento. Essas ruínas,
entretanto, transmutam-se em refúgio para um povo que, apesar de todas as
dificuldades, sorri, dança, ama e partilha ao seu modo, preservando uma
história negada pela narrativa instituída.
O grande ato de resistência, retratado em “Vilão”,
está, de acordo com a curadora da mostra, Lorraine Mendes, “na construção de um
sujeito que não se aparta de si. Ao contrário, remonta-se em meio aos
escombros, habita a travessia do espelho e, no reflexo, percebe e acolhe o seu
igual”. Segundo Ramo, “o racismo cobra do vilão, associado diretamente à figura
do homem preto, um processo de intensa percepção de sua importância para a
comunidade, principalmente junto aos seus pares. A experiência fragmentada é a
mais comum a este vilão, e isso ocorre pelo fato de ele ser um alvo constante
em diferentes situações e comunidades”. Neste aspecto, alguns materiais
utilizados em suas obras remetem à situação de pressão e mutação, como no caso
da argila utilizada para as peças de cerâmica. Expostas a um calor de 900Cº, as
peças transformam-se nesse refinamento do conflito, que também enrijece e
embrutece seus exemplares, o que é bastante percebido na figura do ser
periférico, por exemplo.
A concepção da exposição também dialoga com a
trajetória do trabalho artístico de Ramo. Com olhar voltado à construção de um
legado para além de sua formulação estética, o
artista busca usar referências da capoeira, da cultura quilombola e das
atividades da Irmandade da Boa Morte para criar uma identificação real com seus
pares, num movimento de contragolpe ao centenário da Semana de 22, que, de
acordo com Ramo, ocorreu por parte de uma elite que não conhecia o seu próprio
povo e o estigmatizava em suas obras.
“Vilão” é projetada em três núcleos. O
primeiro deles diz respeito aos ‘escombros’, que, além do retrato do espaço
ocupado pelos excluídos, também toma inspirações no período pandêmico e seus
efeitos diante dessas populações. Parte das obras presentes nesse núcleo é
feita em cerâmica e outras por resíduos de reformas de residência, baseando-se
em colunas e vigamentos. Por sua vez, o segundo grupo é dedicado à bricolagem,
com objetos construídos para proporcionarem diferentes níveis de interação com
o público, tendo como ponto em comum a dessacralização do viés ocidental de
arte e aproximação das sacralidades afro-ameríndias. Já no último núcleo há o
diálogo com o movimento de intersecção da mostra com os propósitos feministas,
contando com colaborações de parceiras que exaltam a força do coletivo na busca
por igualdade, ou seja, no poder do aquilombamento em favor das lutas conjuntas.
Diáspora Galeria / Casa Preta Hub
Av. Nove de Julho, 50 – Bela Vista
Horário de visita: De segunda
a sexta, das 10h às 18h
Quando:
25 de janeiro a
25 de abril de 2022
Curadoria: Lorraine
Mendes
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