No Brasil, em quase tudo, a diversidade de intuitos políticos perturba a difusão da informação. Há profissionais trabalhando para que os fatos sejam conhecidos, outros para que passem despercebidos, outros para que sejam permanentemente lembrados e outros, ainda, para que sejam registrados como lhes convenha. Vejam, por exemplo, o caso da Covid-19 ao tempo do ministro Luiz Henrique Mandetta. No começo da pandemia, ele era pressionado em sucessivas entrevistas coletivas para se contrapor ao presidente que cobrava por políticas que conduzissem a uma redução bem mais branda das atividades econômicas. Ele sorria e resistia àquela evidente pressão.
Em longas
tardes de quarentena, a nação recebia comprimidos diários de terror com os
números que chegavam da Europa. Rodadas de informação e orientação iam sendo
entregues aos fidelizados consumidores brasileiros desse conteúdo. Aos poucos,
como se sabe, o ministro entrou em rota de colisão com o presidente da
República. Bastou isso, com o vírus desembarcando em São Paulo, para o ministro
se tornar o novo "queridinho" do jornalismo militante do país. Em
pouco tempo surgiram pesquisas para afirmar que, cotejado com Bolsonaro, o
ministro agradava a muito mais gente. Acompanhado por um séquito de técnicos,
durante longas horas diárias, ele teve franqueada plateia em todos os grandes
canais de News. Era o ministro da "ciência, disciplina, planejamento e
foco". Falava em cadeia nacional. Deixou o ministério no dia 16 de abril
aplaudido pela grande imprensa e entrou imediatamente na lista dos
presidenciáveis de 2022.
Nos grandes
veículos, ninguém fala na desinformação semeada naqueles dias, nem nos danos
causados. Densas nuvens de esquecimento caem sobre a recomendação para que
fossem adiadas cirurgias eletivas e consultas, levando as pessoas a um
"distanciamento horizontal" dos hospitais, clínicas, laboratórios,
postos de saúde e consultórios médicos (1). Hospitais ficaram vazios e os
profissionais desocupados. As pessoas se esconderam em casa, mas a
integralidade de sua saúde ficou ao desabrigo. Ninguém fala da orientação para
enfermos com sintomas de covid-19 só buscarem a rede de hospitais quando tivessem
febre de 38 graus ou mais e sentissem falta de ar, sabidamente estágio em que a
doença já adquiriu gravidade (2). Ninguém fala na desatenção ao tratamento
precoce, este sim, de reconhecidos bons resultados e ainda hoje relegado por
disputas ideológicas em torno dos medicamentos para essa finalidade. Ninguém
fala, por fim, do imenso dano social e econômico causado pelo achatamento de
uma tal de curva durante as muitas semanas em ela foi apenas uma reta
horizontal. Ninguém queria ouvir a divergência...
A covid-19 é
uma doença, mas seu desenvolvimento no Brasil é, também, sintoma de
enfermidades inerentes à desonestidade intelectual que caracteriza o modo como
se faz política por estas bandas.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais
e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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