A
Resolução do Conselho Federal de Medicina, conhecida como a “Resolução da
Telemedicina”, publicada no Diário Oficial da União no início deste ano, e logo
depois, sustentada pela Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde, surgiu com a
finalidade de regulamentar e operacionalizar medidas de enfrentamento
emergencial visando a saúde pública. A AMB – Associação Médica Brasileira, em
carta publicada em abril deste ano, “acredita que a incorporação de novas
tecnologias à medicina é um caminho sem volta e que esse avanço pode ser muito
positivo, desde que disciplinado por diretrizes responsáveis com foco no
fortalecimento da relação médico-paciente”.
Vale
lembrar que, no final de 2019, o mundo recebeu o primeiro alerta da OMS –
Organização Mundial da Saúde, sobre um vírus que se propagava muito rapidamente
em Wuhan, maior cidade da província de Hubei, na China, com uma população
estimada em mais de 10 milhões de pessoas. Com
a proporção de indivíduos contaminados no Brasil, e em vários países pelo
SARS-CoV-2, ou seja, o coronavírus, a telemedicina e teleconsulta ganharam
holofotes e está propiciando um caloroso debate envolvendo a classe médica e
suas entidades representativas. Mas afinal, as novas formas de relacionamento
representam avanços necessários e inevitáveis para a medicina contemporânea ou
se configuram como perigosas e um retrocesso com nefastas consequências para a
relação médico-paciente?
Importante
dizer que essa foi a premissa estabelecida na Resolução nº 1.643/2002 do CFM -
Conselho Federal de Medicina, que definiu a telemedicina como o exercício da
medicina, mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa,
prevenção de doenças, lesões e promoção da saúde. Também estabeleceu que ela
pode ser síncrona (quando realizada em tempo real) ou assíncrona (atendimento
off-line), elencando uma série de possibilidades de atendimento à distância,
como a teleconsulta, o telediagnóstico, a teleinterconsulta, a telecirurgia, a
teletriagem, a teleorientação, a teleconsultoria e o telemonitoramento.
Dentre
todas estas modalidades mediadas pelas novas tecnologias, sem dúvida, a mais
polêmica é a teleconsulta, definida como a consulta médica remota, quando o
médico e o paciente estão localizados em diferentes espaços geográficos. De
acordo com a Resolução, a primeira consulta deve ser presencial, mas com
previsão de exceção para os casos de comunidades geograficamente remotas, desde
que no local o paciente esteja acompanhado por um profissional de saúde. Nos
casos de atendimento por longo período ou de doenças crônicas, deverá ser
realizada uma consulta presencial em intervalos não superiores a 120 dias.
A
história da telemedicina é antiga e remete aos nossos primórdios. A invenção do
estetoscópio eletrônico em 1910 remonta um passado antigo, porém muito
presente. Acoplado a amplificadores, receptores e repetidores, conseguia
transmitir sinais por cerca de 50 milhas. A partir do século XIX, com a criação
do telégrafo e da telegrafia, o uso da medicina à distância aumentou de forma
significativa, permitindo o envio de laudos radiográficos entre locais
diferentes.
No
final do século XIX, a popularização da telefonia resultou na criação de redes
de transferência de dados facilitando a transmissão de sinais gráficos, como
eletrocardiogramas, permitindo o compartilhamento dos resultados entre vários
profissionais. Nos tempos contemporâneos, a telemedicina tem ajudado na
assistência aos astronautas em órbita na estação espacial, por meio de envios
de sinais como pressão arterial, ritmo respiratório, eletrocardiograma,
temperatura corpórea etc.
Estes
sinais enviados para os controles na Terra são monitorados por médicos que
podem, a partir das informações, adotar condutas clínicas. E a telecirurgia que
vem ganhando cada vez mais espaço, foi também incluída na Resolução do CFM e
definida como o procedimento feito por um robô, manipulado por um cirurgião à
distância, desde que, ao lado do paciente, esteja um médico com a mesma
habilitação do cirurgião remoto.
As
primeiras experiências com a telemedicina no Brasil se iniciaram efetivamente
em 1994 com a transmissão a distância dos exames de eletrocardiograma. Em 1995,
o InCor criou o “ECG-FAX”, que disponibilizava a análise dos exames por médicos
do Instituto, enviados por fax por profissionais de outras cidades. Um ano
depois, em 1996, a mesma instituição tornou possível o monitoramento de
pacientes em domicílio, por meio do sistema denominado “ECG-Home”.
Em
nosso país, e na última década, houve uma grande evolução da telemedicina que
recebeu incentivo governamental, possibilitando a formação de núcleos de
pesquisa em várias universidades brasileiras. Seguramente, a telemedicina se
tornará uma grande aliada do médico disponibilizando recursos tecnológicos que
permitirão ao profissional oferecer ao paciente um diagnóstico e uma
terapêutica mais precisa e eficaz.
A
teleconsulta ainda é uma questão em debate, que precisa ser analisada com
temperança, pois não contempla aspectos fundamentais da relação médico-paciente
caracterizados pela presença física das partes, do olho-no-olho, do exame
clínico e, principalmente, do apoio e conforto psicológico que, no momento da
consulta, nós médicos podemos oferecer aos pacientes fragilizados e a seus
familiares. Por mais desenvolvida que seja, nenhuma tecnologia conseguirá
reproduzir estas ações. Como se manifestou o cirurgião oncológico Ademar Lopes
do A.C. Camargo: “a medicina virtual dificilmente conseguirá ser tão completa
quanto a consulta presencial”.
Dr.
Geraldo Faria - presidente da Sociedade Brasileira de Urologia de São Paulo.
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Urologia, Membro Internacional da AUA
- American Urological Association, Membro da EAU - European Association of
Urology.
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