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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Suicídio na mídia: estão fazendo isso certo?


 O Prof. Dr. Jack Brandão, especialista em imagens, ressalta aspectos negativos e positivos de como o suicídio vem sendo tratado na mídia


Tema considerado tabu social e religioso por décadas, nos últimos anos, o suicídio vem, cada vez mais, ocupando os espaços midiáticos, sejam televisivos, impressos, virtuais... Trata-se, especialmente no ramo jornalístico, de uma quebra paradigmática, pois o assunto, até há poucos anos, permanecia no limbo de temas tratados pela mídia, pelo risco de influenciar outras pessoas a atentarem contra a própria vida, bem como pelo fato de tratar-se de um assunto delicado e particular. Todavia, o aumento corrente de suicídios no Brasil e no mundo tem tirado o tema de sua obscuridade, como forma de alerta e prevenção à população.

Segundo dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida no planeta, totalizando cerca de 1 milhão de suicídios no mundo. No Brasil, cerca de 32 pessoas tiram a própria vida, diariamente. São dados alarmantes e que podem ser ainda maiores, considerando o número de casos omitidos por vergonha dos familiares da vítima, entre outros motivos.

O Prof. Dr. Jack Brandão, pesquisador e especialista em imagens, aborda o impacto que a divulgação do tema pode gerar na sociedade. De acordo com o professor, é preciso falar sobre o tema com o intuito de instruir, orientar e conscientizar a população sobre um assunto tão delicado. No entanto, para ele, é necessário ter cautela quanto a forma como tal instrução é dada para não gerar um efeito reverso, especialmente naqueles que já possuem tendências suicidas.

No Brasil, uma das grandes campanhas de conscientização sobre a prevenção do suicídio é o Setembro Amarelo, que foi criado em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar à cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro). 

Para Brandão, ações como essas que envolvem caminhadas, palestras, entre outras atividades são fundamentais para lidar com o problema, porém devem ser intensificadas ao longo de todo o ano. “Como o próprio nome da campanha já diz, trata-se de um mês dedicado a medidas preventivas contra o suicídio. Óbvio que elas também ocorrem em outros períodos, todavia acabam ganhando mais visibilidade no mês de setembro, em razão da campanha. Não se deve esquecer, porém, que este tema deve estar sempre em pauta em seu sentido instrutivo”.

Outra preocupação manifestada pelo pesquisador é quanto à exposição imagética de casos de suicídio na TV e nas mídias sociais. “A forma como muitos casos são expostos, invadindo a privacidade das vítimas, pode acabar influenciando, negativamente, aqueles que já possuem tais comportamentos. Alguns exemplos são os casos de jovens que atentam contra a própria vida após saírem de um relacionamento amoroso, por não aceitarem o próprio corpo, por sofrerem bullying, dentre diversos outros problemas”, ressalta Brandão. Ele completa, afirmando que a difusão de tais cenários contribui para gerar pontos perigosos de identificação com quem sofre do mesmo mal.

De acordo com o professor, trata-se também de uma questão imagética, reforçada pelo chamado efeito latente, que contribui para condicionar o olhar do leitor imagético para determinada conclusão. “Por exemplo, se um jovem, vítima de bullying e com problemas psicológicos, se depara com outros casos, veiculados pela mídia, semelhantes ao seu e que terminaram em suicídio, pode ser levado a acreditar que uma das soluções para acabar com o seu problema seria dar um fim à própria vida”, diz Brandão. “Mas, atenção: não estou querendo dizer que todas as vítimas de bullying serão influenciadas pela exposição midiática a ponto de cometerem suicídio, é evidente. Sabemos que, na grande maioria dos casos, o indivíduo, por já possuir problemas psicológicos e, em muitos casos, por não buscar ajuda, pode ser mais suscetível a ser influenciado pelos casos midiáticos divulgados”, completa.

São justamente os mais jovens que fazem parte da faixa etária mais acometida pelo tema, pois, segundo a OMS, a terceira causa de morte entre indivíduos de 15 a 29 anos é, justamente, o suicídio. Com o objetivo de alertar, especialmente, esse público, a indústria do entretenimento também tem se lançado na exibição de produtos que sirvam de alerta e prevenção ao suicídio. Um exemplo é a série americana exibida pela Netflix chamada 13 Reasons Why, que traz a história de uma jovem estudante que, antes de se matar, grava uma série de fitas exibindo os motivos que a levaram a tirar a própria vida, como o bullying e até o estupro.

Embora o intuito do programa tenha sido fazer um alerta sobre os jovens que tiram a própria vida, ele acabou gerando muita polêmica, de modo especial pela exibição da cena, desnecessária, em que a protagonista corta os próprios pulsos e sangra até morrer. Em julho deste ano, passados dois anos da estreia da série, a Netflix resolveu remover tal cena, seguindo orientações de médicos especialistas e entidades filantrópicas. Para Brandão, tal exibição sequer deveria ter sido cogitada, de modo especial para o público a que se destina a série:

“Óbvio que se o programa está abordando o cotidiano de jovens com determinados problemas e que culmina no suicídio de um deles, o público será composto por aqueles que se identificam com as personagens – mesmo que, no início da série, seja exibido um alerta para que aqueles que estejam com problemas psicológicos não a veja”. Evidentemente que, conforme afirma Brandão, tal alerta tem um efeito contrário, “afinal estamos falando de adolescentes”. Portanto, a exibição de tais imagens tende a abalar, ainda mais, a estrutura psicológica daqueles que já estão enfrentando quadros depressivos, por exemplo.

O professor ainda aborda o modo negativo como muitas séries e filmes reforçam determinados estereótipos presentes, especialmente, na fase escolar. “Ainda é muito comum vermos a imagem de personagens esbeltos e bonitos associados à popularidade, aqueles que sempre se dão bem, enquanto os que são tímidos, estudiosos e/ou estão acima do peso são sempre associados aos fracassados, discriminados e ridicularizados pelos demais colegas”, afirma.

Para o pesquisador, tais estereótipos criam rótulos no mundo real que precisam ser rompidos. “Uma das formas é utilizar a imagem para focar mais na solução, não no problema, conscientizando não só a população em geral, como também aquele que passa por um quadro depressivo. Todavia, isso não se faz com a exposição intensa de imagens sobre o problema pelo qual ele está passando, mas com exemplos de superação e inspiração”, conclui.





Prof. Dr. Jack Brandão - Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.   


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