O Brasil ficou estarrecido com a tragédia da Escola
Raul Brasil, em Suzano, no mês de março. O ato covarde de dois jovens, que
resultou na morte de sete pessoas, não somente produziu comoção e reprovação,
mas também trouxe à tona a necessidade de discussão sobre a violência nas
escolas, bem como o acesso a armas de fogo.
Debater o tema da violência não é tarefa simples.
Diferentes áreas do conhecimento como sociologia, psicologia, antropologia e
criminologia tentam melhor entender essa temática. A violência pode ser
percebida de diferentes formas, em diferentes perspectivas: violência física,
psíquica, sexual, moral, econômica, simbólica, dentre outras. Assim, não é
difícil perceber que, no Brasil, vivemos em uma sociedade essencialmente
violenta. E antes que se interprete esta afirmação como “ideológica”, basta
conferir as taxas de mortes violentas ou feminicídios, os discursos de ódio ou
mesmo o sensacionalismo policialesco propagado por certos programas
televisivos.
Naturalizamos a violência a ponto de não mais nos
incomodarmos com a mesma (salvo em casos excepcionais como este). Mais do que
isso, recorremos a respostas violentas como forma de resolução de nossos
problemas diários, por menores que sejam, da criação dos filhos aos
desentendimentos com vizinhos.
Entender a motivação de ataques como o da escola de
Suzano é tarefa bastante complexa. O campo especulativo – para não usar a
expressão “achismo” – se sobrepõe a qualquer explicação baseada em
evidências científicas. Assim, é comum aparecer um “bode
expiatório”, no qual projetamos toda nossa incapacidade de encontrar uma
explicação razoável: a culpa é dos videogames, de “doença mental”, do uso de
drogas, da autoafirmação da masculinidade, etc.
Não há aqui tentativa (vã) de identificar a causa
(a etiologia)
da violência ou do crime, mas sim de problematizar as formas de melhor prevenir
tais situações. Efetivamente, a questão do acesso às armas é elemento
importante neste debate. Chegaram inclusive a dizer que se algum professor
estivesse armado, tal tragédia não teria ocorrido.
É preciso pensarmos, enquanto sociedade, como
enfrentar essa questão. Será razoável responder à violência com mais violência?
Facilitar o acesso a armas de fogo ajudaria na prevenção de casos como a da
escola de Suzano? Pergunta-se com seriedade. O acesso a armas contribuirá na
redução de qual tipo de violência? Na violência doméstica e nos feminicídios
(4.558 em 2017)? Nas mortes de crianças e adolescentes por armas de fogo (foram
9.517 em 2016)? Na redução de homicídios (62.517 em 2016), em grande parte
vinculados a guerra às drogas? Na redução das mortes de policiais (385 em 2017)
ou provocadas por policiais (5.012 em 2017)? A criação de um mercado legal mais
volumoso de armas de fogo não acarretará no aumento da circulação destas no
plano da ilegalidade?
O aumento da circulação de armas no país no máximo
trará uma falsa sensação de segurança, não contribuindo no enfrentamento real
da violência, mas possivelmente a agravando. É o que demonstram as pesquisas
científicas.
Medidas como essa são uma tentativa do Estado de se
eximir de sua responsabilidade em prover segurança, transferindo-a para o
particular. Tal deslocamento vai na contramão de importante conquista
civilizatória que atribui justamente ao Estado o monopólio do uso legítimo da
força. Ao particular, o caminho deve ser o oposto da violência. O mesmo vale
para as escolas.
Políticas públicas devem ser mais inteligentes. A
questão precisa ser tratada com honestidade intelectual e científica (e não
pautada por achismo, paixão ou viés ideológico), sendo essencial entender a
dimensão complexa da violência. É necessário desconfiar das “soluções”
populistas e superficiais, em especial daquelas que apostam em respostas
violentas (simbólicas ou reais) como solução mágica para a violência. Apostas
como essas costumam cobrar um alto preço em vidas humanas.
Flávio Bortolozzi Junior
- doutor em Direito, é professor de Criminologia e Sociologia Jurídica da
Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.
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