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sexta-feira, 5 de abril de 2019

Devemos apostar na violência?



O Brasil ficou estarrecido com a tragédia da Escola Raul Brasil, em Suzano, no mês de março. O ato covarde de dois jovens, que resultou na morte de sete pessoas, não somente produziu comoção e reprovação, mas também trouxe à tona a necessidade de discussão sobre a violência nas escolas, bem como o acesso a armas de fogo.

Debater o tema da violência não é tarefa simples. Diferentes áreas do conhecimento como sociologia, psicologia, antropologia e criminologia tentam melhor entender essa temática. A violência pode ser percebida de diferentes formas, em diferentes perspectivas: violência física, psíquica, sexual, moral, econômica, simbólica, dentre outras. Assim, não é difícil perceber que, no Brasil, vivemos em uma sociedade essencialmente violenta. E antes que se interprete esta afirmação como “ideológica”, basta conferir as taxas de mortes violentas ou feminicídios, os discursos de ódio ou mesmo o sensacionalismo policialesco propagado por certos programas televisivos.

Naturalizamos a violência a ponto de não mais nos incomodarmos com a mesma (salvo em casos excepcionais como este). Mais do que isso, recorremos a respostas violentas como forma de resolução de nossos problemas diários, por menores que sejam, da criação dos filhos aos desentendimentos com vizinhos.
Entender a motivação de ataques como o da escola de Suzano é tarefa bastante complexa. O campo especulativo – para não usar a expressão “achismo” – se sobrepõe a qualquer explicação baseada em evidências científicas. Assim, é comum aparecer um “bode expiatório”, no qual projetamos toda nossa incapacidade de encontrar uma explicação razoável: a culpa é dos videogames, de “doença mental”, do uso de drogas, da autoafirmação da masculinidade, etc.
Não há aqui tentativa (vã) de identificar a causa (a etiologia) da violência ou do crime, mas sim de problematizar as formas de melhor prevenir tais situações. Efetivamente, a questão do acesso às armas é elemento importante neste debate. Chegaram inclusive a dizer que se algum professor estivesse armado, tal tragédia não teria ocorrido.

É preciso pensarmos, enquanto sociedade, como enfrentar essa questão. Será razoável responder à violência com mais violência? Facilitar o acesso a armas de fogo ajudaria na prevenção de casos como a da escola de Suzano? Pergunta-se com seriedade. O acesso a armas contribuirá na redução de qual tipo de violência? Na violência doméstica e nos feminicídios (4.558 em 2017)? Nas mortes de crianças e adolescentes por armas de fogo (foram 9.517 em 2016)? Na redução de homicídios (62.517 em 2016), em grande parte vinculados a guerra às drogas? Na redução das mortes de policiais (385 em 2017) ou provocadas por policiais (5.012 em 2017)? A criação de um mercado legal mais volumoso de armas de fogo não acarretará no aumento da circulação destas no plano da ilegalidade?

O aumento da circulação de armas no país no máximo trará uma falsa sensação de segurança, não contribuindo no enfrentamento real da violência, mas possivelmente a agravando. É o que demonstram as pesquisas científicas.     
Medidas como essa são uma tentativa do Estado de se eximir de sua responsabilidade em prover segurança, transferindo-a para o particular. Tal deslocamento vai na contramão de importante conquista civilizatória que atribui justamente ao Estado o monopólio do uso legítimo da força. Ao particular, o caminho deve ser o oposto da violência. O mesmo vale para as escolas.

Políticas públicas devem ser mais inteligentes. A questão precisa ser tratada com honestidade intelectual e científica (e não pautada por achismo, paixão ou viés ideológico), sendo essencial entender a dimensão complexa da violência. É necessário desconfiar das “soluções” populistas e superficiais, em especial daquelas que apostam em respostas violentas (simbólicas ou reais) como solução mágica para a violência. Apostas como essas costumam cobrar um alto preço em vidas humanas.




Flávio Bortolozzi Junior - doutor em Direito, é professor de Criminologia e Sociologia Jurídica da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo.



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