A existência de um bem que possa ser usurpado de
maneira ilícita, gerando lucro para quem busca vantagens fora de preceitos
legais ou em detrimento de terceiros, representa a fórmula que garantiu uma
exploração descontrolada sobre o patrimônio natural brasileiro ao longo dos
últimos séculos.
A exploração sem limites do período em que éramos
ligados a Portugal já aponta para a existência de uma cultura pragmática de
busca pelo enriquecimento a qualquer custo. Com vistas, inclusive, a buscar o
desfrute desses ganhos em outras paragens, muito distantes do Novo Mundo.
Os ciclos econômicos que se seguiram à época do
descobrimento foram eminentemente extrativistas espoliativos. Tanto que o final
desses ciclos, reiteradamente, deu-se pela exaustão desses produtos, ocasionada
pela exploração desenfreada. Seguiram as práticas agrícolas e de pecuária,
subsequentes à devastação da vegetação nativa. Sempre em busca do uso máximo do
território, desrespeitando encostas, beiras de rios ou mesmo a existência de
remanescentes naturais em alguma proporção nas regiões exploradas.
A prática de troca de favores entre o privado e o
público para obtenção de permissões para avanços exacerbados no uso da natureza
foi, portanto, a maneira como uma significativa fração de nossa sociedade
acumulou vantagens e enriqueceu indevidamente em nosso país. E, em boa parte, esse
entendimento de ajustar acordos ilícitos para garantir vantagens continua em
plena atividade.
O ciclo da madeira no sul do Brasil, ocorrido em
décadas passadas, gerou um grupo de famílias abastadas que até hoje desfruta do
resultado da empreitada destruidora que assumiu ser a maneira de desenvolver
suas atividades, sempre com um aval conivente dos governantes. Mudam os
negócios, pelo fim da madeira nativa, mas fica a origem dúbia e o péssimo
exemplo de como esse processo de geração de riquezas foi executado.
Somente há poucas décadas, as leis ambientais
começaram a ser estabelecidas em nosso país. E não foi a falta de inteligência
e de qualidade que impediu a nossa passagem para uma condição mais iluminada. O
exímio contexto estabelecido pelo Código Florestal de 1965 – talvez o maior
marco de evolução na compreensão do interesse público sobre a propriedade
privada – nunca obteve um entendimento pleno de parte da sociedade. Falou mais
alto a garantia de impunidade e a expectativa de ganho maior, em detrimento do
resto da sociedade.
O descompasso entre o que o Código Florestal
preconizava e o arrebatador descompromisso leviano da sociedade rural em
cumprir o que se estabeleceu como limite ao uso da terra, gerou o verdadeiro
desmonte desse arcabouço legal , em 2012. E que foi vergonhosamente referendado
pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. O poder quase ilimitado de grupos
setoriais, que avança na estruturação de uma legislação de conveniências, é uma
das maiores e mais perversas demonstrações de corrupção que podemos oferecer
nos dias atuais, contaminando todas as esferas de poder.
Portanto, a corrupção endêmica e amplamente
espalhada em nosso meio, pode-se afirmar, começa com práticas ilícitas
envolvendo a sina de destruição da natureza, com amplas e variadas modalidades.
E continua muito ativa na forma de excessos conscientes e negociados em troca
de vantagens. São atividades de mineração, silvicultura, pecuária, agricultura,
implantação de indústrias e até ações envolvendo infinitas iniciativas mais pontuais.
Como uma farsa programada para não atender à sua
missão primordial, delimita-se um complexo de estruturas frágeis e suscetíveis
a todo o tipo de pressões, chamadas formalmente de órgãos ambientais. É de
conhecimento amplo a prática de licenciamentos ilícitos, facilitados para o
atendimento aos amigos do rei. Uma moeda de troca na forma de favores políticos
e repasses de recursos sem procedência. Evidencia-se a garantia para campanhas
eleitorais ou postos estratégicos em estruturas de governo para os elementos
coniventes com o crime.
O desenvolvimento a qualquer custo, assim pontuado
como uma forma de exploração que não atende ao respeito aos limites da
natureza, ou mesmo aos preceitos estabelecidos em lei, é uma atividade
intimamente ligada à corrupção. Gera resultados econômicos abusivos e imorais.
E consolida um comportamento que, nos dias de hoje, todos percebemos, tomou
conta da nação.
Incorporamos na pele esse comportamento, na forma
de uma cultura institucionalizada, crônica e patológica. De nada importa o
prejuízo coletivizado, nem a perda irreversível de recursos que poderiam ser
usados de maneira contínua. Agimos em apoio cego em prol da destruição da
natureza por meio de ações sem nenhuma coerência estratégica, impostas a partir
de atos inconsequentes e criminosos.
Somos hoje, de fato, uma sociedade de corruptos. Um
povo que cultua um profundo e irresponsável descompromisso com o futuro de
todas as gerações que nos seguirão logo mais, por tratar a natureza como um bem
descartável e que é visto como simples forma de usura. Depois de tantas
Marianas, o que ainda precisamos viver para que uma virada aconteça? Ou estamos
diante de uma condição inexorável que assume a mediocridade como uma sina sem
volta?
Clóvis Borges - diretor-executivo da Sociedade de
Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de
Especialistas em Conservação da Natureza
Caetano Fischer Ranzi - psicólogo e Mestre em Meio
Ambiente e Desenvolvimento
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