Cerca de 30-40% dos
cânceres se correlacionam com hábitos alimentares (Davis & Milner, 2007).
A adoção de hábitos
saudáveis é uma estratégia eficiente para a prevenção e o tratamento do câncer.
Alimento
ou suplemento na prevenção do câncer?
Os
suplementos não fazem o mesmo efeito dos alimentos no contexto da prevenção
contra o câncer e na preservação da saúde. Isso não significa que suplementos
não tenham suas indicações pontuais e específicas, mas a alimentação tem mais
peso positivo para a saúde.
Como exemplo,
sabemos que o consumo humano de flavonoides, compostos importantes na prevenção
contra o câncer, ultrapassa 5.000 tipos diferentes quando usamos os alimentos
naturais e integrais. Não temos nem 1% deles disponíveis para colocar em
cápsulas.
O uso de
cenoura cozida, por exemplo, protege muito mais o DNA contra lesões (que podem
fomentar o desenvolvimento de uma célula tumoral) do que consumir quantidade
equivalente de alfa e betacaroteno. Há uma interação de nutrientes e
fitoquímicos nos vegetais que torna seu efeito potencializado.
Assim, no
contexto do câncer, o alimento é muito mais importante que o suplemento.
E os
alimentos de origem vegetal contêm 64,27 vezes mais antioxidantes que os de
origem animal, o que promove muito mais proteção ao organismo ao se adotar uma
alimentação baseada em plantas, quando ela é integral (Carlsen, 2010).
Alguns
hormônios e interações alimentares.
Há outros
fatores interessantes e tão importantes quanto os que já descrevi no contexto
da prevenção e tratamento do câncer.
Sabermos que
o aumento dos níveis de insulina influencia o crescimento tumoral. Em outras
palavras, quanto mais insulina há circulando no organismo, maior é o estímulo
para a proliferação de células tumorais. Praticamente, todos os estudos com
dietas vegetarianas estritas com redução de gordura e uso de alimentos naturais
e integrais mostram-se altamente eficientes em reduzir os níveis de insulina,
mesmo quando se compara essa dieta com dietas considerdas saudáveis
preconizadas pala Associação de Diabetes Norte-Americana (Barnard, 2006; Cohen,
2006; Joshua, 2006).
A forma ativa
do hormônio de crescimento se chama IGF-1. Sua elevação inibe a morte celular
programada (chamamos isso de apoptose). Assim, uma célula danificada tem de ser
eliminada ou se suicidar (apoptose) para que não seja reproduzida e gere um
tumor. Ter níveis mais altos de IGF-1 é negativo para a prevenção e o
tratamento do câncer e correlaciona-se com maior risco de câncer de mama antes
da menopausa, câncer de intestino grosso (cólon e reto) e de próstata. O
aumento de calorias, por sua vez, aumenta os níveis de IGF-1, assim como o
consumo de leite. Indivíduos vegetarianos estritos têm níveis de IGF-1 13%
menores do que os onívoros e ovolactovegetarianos (Yu an Rohan, 2000;
Giovannucci, 2001; Pollak, 2001; Allen, 2002).
Estudos
sobre câncer em populações vegetarianas.
Há vários
estudos sobre a prevalência de câncer em populações vegetarianas. Vamos ver os
resultados de 3 desses trabalhos.
Um desses
estudos, interessante pelo fato de ter sido feito com adventistas, que têm
baixo consumo de álcool e cigarro, assim como níveis de atividade física
similares, mostrou que, avaliando 34.198 indivíduos com mais de 25 anos, por 6
anos, a população onívora apresentava incidência 88% maior de câncer de cólon
(intestino grosso) e 54% maior de câncer de próstata (Fraser, 1999).
Em 2012, um
estudo de revisão sistemática e metanálise mostrou que vegetarianos, quando
comparados com não vegetarianos, apresentaram redução de 18% de todos os tipos
de câncer (Huang, 2012).
Um estudo
publicado em 2013, avaliando 69.120 indivíduos onívoros e vegetarianos,
encontrou 2.939 casos de câncer. A correlação de achados mostrou que a dieta
ovolactovegetariana proporcionou proteção contra câncer gastrointestinal. Já a
dieta vegetariana estrita mostrou redução de todos os tipos de câncer
(Tantamango-Bartley, 2013).
Assim, os
estudos apontam fortemente para a adoção de uma dieta vegetariana na prevenção
do câncer, e ela pode ser utilizada, tranquilamente, no seu tratamento.
O
Parecer da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 26 de
outubro de 2015, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), uma
agência pertencente à OMS, liberou seu parecer sobre o efeito carcinogênico do
consumo de carne vermelha e carnes processadas. O material foi desenvolvido por
22 especialistas de 10 países (OMS, 2015).
Esse parecer
fomentou a questão ligada à dieta vegetariana no contexto do câncer, pois liga
diretamente o câncer de intestino grosso com o consumo de carnes, especialmente
as processadas.
Como
surgiu o parecer da OMS?
Em 2014, um
comitê internacional resolveu que, entre diversos alimentos, as carnes
vermelhas e carnes processadas eram de elevada prioridade em sua avaliação de
risco ao consumo humano, pois diversos estudos epidemiológicos mostravam que
pequenos aumentos na quantidade de carne consumida elevavamo risco de ter
vários tipos de câncer e que quanto maior o consumo, maior o risco. Baseado
nessa avaliação inicial, o grupo começou a fazer os levantamentos científicos.
Esse grupo
considerou mais de 800 estudos diferentes que investigaram mais de 12 tipos de
câncer (em seres humanos) relacionados ao consumo de carne vermelha e carne
processada, em vários países e com populações diversas.
Alguns desses estudos
apresentavam dados sobre o consumo de carne processada e vermelha ao mesmo
tempo. Um total de mais de 700 estudos epidemiológicos forneceu dados sobre o
consumo de carne vermelha, e mais de 400 estudos epidemiológicos, sobre carne
processada.
Assim, vemos
a importância desse material emitido pela OMS, pois ele não representa um
estudo isolado, mas sim a reunião de mais de 800 estudos de grande evidência
científica.
No documento
produzido consta a recomendação explícita, em termos de saúde pública, para que
seja limitada a quantidade de carne ingerida. Ainda é estimulado aos governos e
às agências regulatórias internacionais que estabeleçam recomendações sobre o
balanço entre riscos e benefícios no consumo de carne vermelha e carne
processada.
Os
resultados da análise
As carnes
processadas foram classificadas como pertencentes ao Grupo 1A (substância
carcinogênicas para humanos), esta categoria é usada quando há evidências
suficientes do efeito carcinogênico da substância em humanos. Em outras
palavras, há evidências convincentes de que o agente (carne processada) causa
câncer em seres humanos que o consomem.
São
consideradas carnes processadas: todas as carnes que tenham sido submetidas à
secagem, salgagem, fermentação, defumação ou a outros processos para realçar o
sabor e melhorar sua conservação. A maioria das carnes processadas contém carne
de porco ou de vaca, mas as carnes processadas, também, incluem carne de aves,
vísceras e outros produtos, como sangue.
Para
exemplificar esse grupo, temos salsichas, utilizadas em cachorros-quentes, presunto,
carne enlatada, carne seca ou charque, assim como carne enlatada e preparações
com caldo de carnes.
Veja como
esse grupo é vasto, pois ele inclui carnes utilizadas pelas pessoas
diariamente, inclusive, na forma de caldo de carne.
O documento da OMS mostra que, para
cada 50g de carne processada consumida diariamente, o risco de câncer de cólon
e reto aumenta em 18%.
Na avaliação
da OMS, as carnes vermelhas foram classificadas como parte do Grupo 2A
(provavelmente, carcinogênico para seres humanos – essa classificação é baseada
em limitadas evidências de estudos epidemiológicos que mostram associação
positiva entre o consumo e o desenvolvimento da doença e, nesse caso, há forte
relação de evidência).
Essa
associação com o câncer foi observada principalmente para o câncer de intestino
grosso, mas, também, para os de pâncreas e próstata.
Assim,
verifica-se que, se a carne vermelha for processada, ela vira grupo 1, ou seja,
é reconhecidamente carcinogênica.
São
consideradas carnes vermelhas: todos os tipos de músculos de carne de
mamíferos, como vaca, porco, vitelo, cordeiro, carneiro, cavalo e cabra.
Ao que tudo
indica, é possível que seja apenas questão de tempo para que esses produtos
passem do grupo 2A para o grupo 1 (reconhecidamente carcinogênico para
humanos).
O
interessante desse relatório da OMS é que fica evidente que, com relação ao
risco de câncer, não importa a origem da carne (se ela veio de um animal criado
solto, saudável e sem receber antibióticos ou hormônios, pois o ato de aquecer
o tecido animal de algumas formas a torna nociva.
Perguntas
sobre a carne
O aquecimento
da carne aumenta as chances de ter um câncer?
- Sim, a
temperatura mais alta gera compostos que contribuem para aumentar o risco
carcinogênico, apesar de nem todos os compostos terem seus efeitos
completamente conhecidos.
Há
explicações que nos façam entender por que o aquecimento das carnes aumenta o
risco de câncer?
- Sim.
Cozinhar em altas temperaturas ou com a carne em contato direto com a chama ou
a superfície quente, como ocorre com o churrasco e no ato de grelhar, produz
substâncias químicas carcinogênicas, como as aminas heterocíclicas aromáticas e
os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.
Quais são os
componentes da carne que aumentam o risco de câncer?
Há elementos
da carne que mostram associação com o câncer, como o próprio ferro heme.
Substâncias carcinogênicas produzidas pelo aquecimento são: composto N-Nitroso
e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. O cozimento da carne vermelha ou
processada, também, produz aminas heterocíclicas aromáticas, bem como outros
produtos, incluindo hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (que igualmente são
encontrados na poluição do ar). Há outras substâncias suspeitas em termos
carcinogênicos, mas ainda pouco estudadas.
Usar carne
crua é mais seguro?
Até o
momento, apesar de alguns estudos sugerirem menor associação da carne crua com
risco de câncer, o comitê da OMS refere não ter dados conclusivos sobre isso e
levanta o risco de infecções relacionadas a essa forma de consumo.
As carnes
processadas foram classificadas como pertencentes ao Grupo 1 (carcinogênica
para humanos), que é a mesma categoria que se encontram classificados o tabaco
e asbesto. Isso quer dizer que o consumo de carne processada é tão
carcinogênico quanto o do fumo?
- Não, as
carnes processadas, apesar de estarem na mesma categoria do tabaco e do
asbesto, não têm o potencial cancerígeno em igual proporção de perigo. A
classificação que foi colocada mostra que o produto avaliado é reconhecidamente
carcinogênico, mas não estabelece o grau de potência carcinogênico.
Quantos casos
de câncer são atribuídos, anualmente, ao consumo de carne processada e carne
vermelha?
Segundo
o relatório da OMS, aproximadamente 34.000 casos de morte por câncer no mundo
são atribuídos às dietas com alta quantidade de consumo de carne processada.
Esse número foi estimado por uma organização acadêmica de pesquisa
independente, chamada Global Burden of Disease Project. Essa mesma entidade
calcula que o consumo de carne vermelha pode ser responsável por cerca de
50.000 mortes por câncer no mundo. O que ainda não faz a OMS usar esse dado do
Global Burden of Disease Project sobre a carne vermelha é sua classificação
como 2A (como vimos anteriormente).
Para termos
uma ideia numérica, por ano, no mundo, morre cerca de 1 milhão de pessoas por
câncer devido ao fumo, 600.000 devido ao consumo de bebida alcoólica e mais de
200.000 pela poluição do ar.
O documento
da OMS quantifica a risco de câncer pelo tipo de carne consumida?
- Sim.
O consumo de
carne processada sugere que, para cada 50g de consumo diário, o risco de câncer
de cólon aumenta em torno de 18%.
Para o câncer
devido ao consumo de carne vermelha, o risco é mais difícil de ser
estabelecido, mas, sendo completamente provado, para cada aumento de 100g de
carne consumida diariamente, o risco aumenta em 17%.
Vale a pena
lembrar que o consumo de carne (de todos os tipos), no Brasil, é de 233g por
dia, em média, por pessoa, que é 3 a 4 vezes mais o que as diretrizes
nutricionais sugerem para a população que come carne.
Adotar uma
dieta vegetariana é uma estratégia inteligente para a prevenção contra o
câncer.
Campanha
promovida pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB)
Dr. Eric Slywitch - Médico (formado pela Faculdade de
Medicina de Jundiaí) - C.R.M.(SP) - 105.231
Mestre em
Nutrição (pela UNIFESP/EPM) - tema: Avaliação metabólica de indivíduos onívoros
e vegetarianos.
Especialista
em Nutrologia pela Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Especialista
em Nutrição Parenteral e Enteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição
Parenteral e Enteral (SBNPE).
Pós-graduado
em Nutrição Clínica pelo Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parenteral
(GANEP).
Docente do
curso de especialização (pós-graduação latu sensu) do Grupo de Nutrição
Humana (GANEP).
Tem
aperfeiçoamento em teoria psicanalítica com foco em conflito e sintoma (SEDES).
Foi Diretor
do Departamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira
(SVB) de 2004 a 2015.
Autor dos
livros: "Alimentação sem Carne - guia prático", "Virei
Vegetariano. E agora?" e "Emagreça sem Dúvida".
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