No dia 31 de maio de 2017, com presença
de 70 senadores, o plenário do Senado
Federal aprovou a PEC 10/2013, por unanimidade, extinguindo o foro
privilegiado para os crimes comuns praticados por autoridades do mais alto escalão
republicano. A atitude dos senadores foi nacionalmente louvada. Com
surpreendente altivez, suas excelências se dispuseram a extinguir o próprio
benefício e a fazê-lo cessar, também, para governadores e autoridades federais
atualmente beneficiadas (exceção feita a presidentes de poderes). Só que não.
As trombetas que
uma semana depois acompanharam a PEC no curto trajeto que separa as duas casas
legislativas entraram em surdina na Câmara dos Deputados. E sobre ela caiu o
silêncio dos arquivos à prova de fungos, traças e outros bisbilhoteiros. Ali
ela dorme há seis meses. É conhecida como interna 333/2017, sem parente
conhecido. Ninguém por ela. Não deu sequer um passeio no corredor. Quem indagar
a respeito no portal da Câmara será informado de que desde o dia de sua baixa,
há meio ano, ela "aguarda criação de comissão temporária". Só que
não.
No último dia 23,
a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, colocou na pauta da sessão do pleno
a restrição do foro privilegiado. A matéria tivera uma primeira rodada de
debates em maio deste ano e tudo indicava, desde então, apoio para a posição do
ministro Roberto Barroso que restringia as prerrogativas de foro especial para
crimes ligados ao desempenho da atividade. Crimes comuns e os praticados antes
da vigência do mandato, seriam julgados em juízo singular. E assim andava a
deliberação do dia 23. Sete votos favoráveis à posição do ministro Barroso
apontavam como já contadas as favas para o fim desse privilégio nada
republicano. Só que não.
Quando chegou a vez
do douto Dias Toffoli, experiente doutrinador da advocacia petista, ele
primeiro abriu a divergência e, depois, pediu vistas. Ao divergir,
posicionou-se por aguardar a decisão da matéria que estaria em deliberação na
Câmara dos Deputados (só que não, como se viu), e defendeu, principalmente, a
permanência dos julgamentos na alçada do STF. Para sustentar sua posição, subiu
nas tamancas da retórica falaciosa e lascou: "Este tribunal trabalha, este tribunal investiga. Não pratica
impunidade". Só que não. O índice de condenação da corte é inferior a 1% e
os arquivos do STF à prova de fungos, traças e xeretas, dão aconchego ao sono
de 528 processos.
O Regimento
Interno do Supremo determina que o ministro Toffoli tem que devolver o processo
no prazo de duas sessões consecutivas. Só que não. Existem nos registros da
corte pedidos de "vistas" tão longe dos olhos quanto dos corações e
do plenário quanto se pode alcançar com o passar dos anos.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.