No poder legislativo
federal, agita-se intensamente o submundo do crime que ali atua de modo
ostensivo. Por isso, diante do que vejo, torna-se impossível definir com
vocábulos brandos as maquinações constitucionais em negociação com vistas às
eleições de 2018.
É bom lembrar. No ano passado, ao cabo
de campanhas municipais marcadas pela escassez de recursos técnicos, materiais
e financeiros, sem militância paga, houve importante renovação e visível
encolhimento de alguns partidos. Ficou nítida, então, no resultado das urnas,
esta mensagem: "Senhores, por obséquio, abandonem o recinto". De lá para cá, a disposição para a faxina só
aumentou.
Enquanto governo e oposição se contorcem
numa luta virtual em que apenas reduzida militância se envolve, a nação aguarda
o momento de exercer sua soberania e mandar todos para o olho da rua, por justa
- justíssima! - causa: se querem fazer negócios pessoais, abram uma quitanda.
Recente pesquisa do Instituto Ipsos revelou que 94% da população não se sente
representada pela classe política e por essa legislatura naufragada no próprio
descaramento.
Congressistas que precisam comprar suas
cadeiras alarmaram-se com a falta de dinheiro que marcou a campanha de 2016. A
quem extorquirão agora? De que servirão os usuais requebros e acenos que
sugeriam acesso às facilidades do poder? Onde buscarão os milhões que, bem
geridos, enchiam as urnas mais indignas no mercado eleitoral? Tudo indica que a
conta sobrará para nós, mediante uma tarrafada legislativa que recolherá, sem
dó nem piedade, R$ 3,6 bilhões para a campanha deles no ano que vem. É o preço
da democracia", afirmam, simulando nobre proteção a um bem superior. Não,
não nos tomem por tão ingênuos. Esse é o
preço de vossas cadeiras. É a prudente primeira etapa do "Salvemo-nos
todos!".
A
segunda etapa pode ser resumida como uma bacanal de interesses escusos,
indecência que se imaginaria articulada num ambiente sob mortiça luz vermelha.
Refiro-me ao aleijão que recebeu o nome de distritão. Ele transforma em
majoritária a eleição proporcional de deputados, na base do cada um por si e o
diabo por todos. Elegem-se os mais votados. Ora. para que os atuais detentores
de mandato estejam entre os mais votados, basta, então, diminuir radicalmente o
número de candidatos, pois quanto maior o número de candidatos, menos votos
para cada um; e vice-versa. Se os eleitores querem renovar, feche-se a porta
para os novos candidatos. Assim, inverte-se o procedimento usual. Os partidos,
comandados pelos seus parlamentares, em vez de buscarem candidatos para ampliar
suas nominatas e bancadas, porão a correr os novos pretendentes, assegurando,
por falta de alternativa, as cadeiras dos que já têm.
É o mais recente truque da cartola dos
corruptos. Corrompe-se a democracia, impedindo que se expresse de modo pleno a
firme disposição do eleitorado: "Cavalheiros, abandonem o recinto!".
Custo a crer que o STF tolere tão nítida disposição de nossos congressistas de
promoverem uma farsa eleitoral. Não perceberá o Supremo, aí, o empenho de
inibir, por supressão de alternativas, a expressão da vontade dos cidadãos? Não
está, a proposta do distritão, em claro antagonismo com princípios essenciais
do regime democrático? Será necessário escancarar ainda mais os sinais de má fé
legislativa? É sutil a diferença entre a
constituinte de Maduro e a reforma política aprovada pela comissão. Ambas
estabelecem regras que conduzem a resultados divergentes da vontade social.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.