Dentre as chamadas doenças orificiais do aparelho
digestivo, a fissura anal e a hemorroida são as que mais incomodam no dia a dia
das pessoas, sobretudo adultos, público de maior acometimento do problema,
especialmente entre a terceira e a quinta década de vida. A incidência de
doenças orificiais na população em geral é de 5% e acomete na mesma proporção
homens e mulheres. Apesar do incômodo, muitos pacientes postergam o diagnóstico
e o tratamento, o que pode agravar o seu quadro clínico.
O gastroenterologista Renato de Araújo Pereira, da
clínica Gastroinclusive, especialista pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia
Digestiva e membro da Society for Surgery of The Alimentary Tract, alerta para
um fator comum de desencadeamento destes problemas, em especial da fissura
anal: a constipação intestinal, popularmente conhecida como “prisão de ventre”,
quando o paciente evacua com pouca frequência (uma vez a cada três ou
quatro dias ou mais) ou sob grande esforço, com fezes excessivamente duras e
pequenas. A constipação intestinal acomete mais mulheres do que homens, numa
proporção de 3 para 1, com predominância durante a gravidez, devido ao aumento
da pressão abdominal.
O tratamento da fissura anal e da hemorroida é
simples e eficaz quando adotados melhores hábitos alimentares e higienização
adequada. “Ao tratar o fator desencadeante, conseguimos prevenir o surgimento
do problema ou conter a sua evolução”, diz o médico. Neste sentido, é
importante adotar uma dieta rica em fibras e com muita hidratação, que melhoram
a consistência das fezes e aumentam a frequência evacuatória.
Com similaridade nos sintomas, como dor e
sangramento nas evacuações e coceira local, tanto a fissura anal como a
hemorroida exigem cuidados especiais, tratamentos e procedimentos clínicos
específicos.
Entendendo a fissura anal
Trata-se de uma úlcera, um pequeno machucado, como
um lábio rachado na mucosa do canal anal, que ocorre em grande parte das vezes
pelo atrito causado por evacuação ressecada, uso excessivo de papel higiênico e
falta de uma correta higiene anal. Muitas vezes, costuma ser mais dolorida do
que a hemorroida. “Fazer a higienização da região com água, após as evacuações,
diminui o atrito causado pelo papel higiênico”, diz o gastroenterologista.
O tratamento da fissura anal geralmente requer
apenas alterações nos hábitos alimentares para uma melhor função intestinal,
com ingestão de fibras, por exemplo, além de banhos de assento com água morna e
medicamentos de uso tópico, que devem ser indicados pelo médico.
Em 10% dos casos, quando a úlcera evolui, ou seja,
torna-se crônica, são necessários procedimentos cirúrgicos, como a
esfinterectomia, corte de uma pequena porção do músculo do esfíncter anal. O
procedimento tem boa cicatrização em 90% dos casos, embora possa causar
incontinência em 5% dos pacientes, mas que geralmente regride com passa do
tempo. Também é possível remover a fissura, através de um procedimento
cirúrgico que recobre com um retalho cutâneo-mucoso.
Entendendo as hemorroidas
São veias dilatadas ao longo do canal anal que
quando sofrem um trauma se rompem e sangram. A hemorroida também pode ser
corrigida com mudanças higiênico-dietéticas, alimentação rica em fibras e boa
hidratação, que melhoram a consistência das fezes e aumentam a frequência
evacuatória. Em contrapartida, deve-se evitar sempre o consumo de pimenta,
curry e outros condimentos apimentados. A higienização da região com água, após
as evacuações, também diminui o atrito causado pelo papel higiênico.
A hemorroida é classificada como interna e externa.
Na interna, é subdividida em 4 graus: grau 1 mais, mais leve, pode ser tratado
clinicamente e é exclusivamente interno; grau 2, também tratado clinicamente,
porém se exterioriza e regride espontaneamente; grau 3, necessita de
intervenção cirúrgica, é interno, se exterioriza, mas a regressão ocorre
somente quando colocada para dentro, e o grau 4, mais grave, quando a
hemorroida é interna e se exterioriza, mas não regride sozinha. “O tratamento
dos casos mais leves evita a evolução para outros mais críticos (graus 3 e 4).
Por isso é importante procurar um especialista logo no início”, explica o
gastroenterologista.
Nos casos mais críticos, pode ocorrer a trombose
hemorroidária, quando o sangue dentro da hemorroida coagula (endurece),
causando dor intensa e a presença de um “caroço” na região anal.
Além dos fatores gerados pela constipação
intestinal, a hemorroida também ocorre por aumento da pressão abdominal, o que
leva ao aumento da pressão nos vasos anais, como acontece comumente em grávidas
e pessoas obesas. A hemorroida tende a se agravar em indivíduos que já estão na
terceira idade, pois as veias localizadas na região anal perdem a complacência,
a capacidade de elasticidade e, por isso, se dilatam com mais facilidade.
O tratamento das hemorroidas menores é
clínico, enquanto que nas maiores a cirurgia (hemorroidectomia) é a melhor
opção.
Nos casos mais simples, pode-se adotar cuidados
caseiros, como o uso de medicamento tópicos, pomadas com corticoides que ajudam
a reduzir a dor e o inchaço, ou com lidocaína, que reduz a dor, e ainda com
emolientes, que ajudam a reduzir o esforço e a constipação. Os banhos caseiros
de assento com água morna também são indicados.
Nos casos mais graves, as alternativas são
intervenções cirúrgicas e não-cirúrgicas. A melhor opção não-cirúrgicas é a
coagulação infravermelha, em que uma sonda com luz infravermelha é aplicada no
local e os vasos que levam sangue à região são coagulados. Este procedimento
geralmente é rápido, tem baixo índice de complicações e a eliminação de alguns
tecidos desaparecem em algumas semanas. Outra alternativa não-cirúrgica é a
indicação de injeções nas veias inflamadas para diminui-las.
Os dois principais tratamentos cirúrgicos mais
adotados são a ligadura elástica e a hemorroidectomia, neste caso quando o
paciente sente muita dor e a hemorragia grave não cessa com tratamentos
caseiros e não-cirúrgicos.
A ligadura elástica consiste em amarrar alguns
elásticos na base das veias inflamadas para cortar a circulação. Em poucos dias
as hemorroidas caem sozinhas durante a evacuação. Na hemorroidectomia,
considerado tratamento “padrão” para os casos em que o paciente tem hemorroidas
recorrentes, são retiradas as veias inflamadas que causam sangramento e dor.
Diferenciando o sintoma da
hemorroida e do câncer de cólon
É comum que algumas pessoas se assustem ao perceber
sangramento após a evacuação, pensando ter alguma relação com câncer
colorretal. O gastroenterologista Renato Pereira esclarece que nos casos de
hemorroida, o sangramento é percebido na água do vaso sanitário ou no papel
higiênico, assim como acontece em pacientes com fissura anal. No caso do câncer
colorretal, o sangue permanece em meio às fezes. O médico Renato Pereira
ressalta que em todas as situações é imprescindível procurar ajuda profissional
para o diagnóstico e tratamento corretos.
Fonte: Dr. Renato de Araujo Pereira – Diretor da Clínica
GastroInclusive, membro da Society for Surgery of The Alimentary Tract e médico
Cirurgião na Unidade UPA Campo Limpo da Sociedade Beneficente Israelita Albert
EInstein. Preceptor dos alunos da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de
Julho. Especialista e Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia
Digestiva e certificação em Cirurgia Oncológica do Aparelho Digestivo pelo
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Área de atuação: Cirurgia do Aparelho
Digestivo, Coloproctologia, Cirurgia da Obesidade (Bariátrica), Cirurgia Geral
e Gastroenterologia.