Adoção de práticas mais modernas de
cultivo pode gerar economia para os produtores agrícolas de mais de US$ 20
bilhões nas próximas décadas só com a redução do uso de fertilizantes
fosfatados, aponta estudo da Esalq-USP (
foto: Grupo Genafert/Unesp)
A implementação de estratégias mais
sustentáveis de manejo do solo, como o plantio direto com a rotação de culturas
e o uso de novos insumos biológicos à base de resíduos orgânicos ou de
microrganismos, entre outras soluções, pode ajudar a aumentar a eficiência
no aproveitamento e, consequentemente, diminuir o uso de fertilizantes minerais
críticos para agricultura brasileira. É o que indicam resultados de estudos
apoiados pela FAPESP e conduzidos por pesquisadores ligados a diferentes
universidades e instituições de pesquisa no país.
A adoção dessas práticas pode gerar
uma economia para os agricultores brasileiros da ordem de mais de US$ 20
bilhões nas próximas décadas só com a redução do uso de fertilizantes
fosfatados, estima Paulo Sérgio Pavinato,
professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de
São Paulo (Esalq-USP).
Nos
últimos dez anos, o consumo de fertilizantes fosfatados no Brasil aumentou
43,4% – e mais de 67% são importados de países do norte da África,
principalmente do Marrocos.
“Manter a palha e restos da planta na
superfície das lavouras entre as safras, como é feito no plantio direto, e
promover a rotação de culturas, explorando o solo o tempo todo e não o
deixando desnudo nunca, são formas de promover a ciclagem mais eficiente e
aumentar a eficiência no aproveitamento pelas plantas de nutrientes como o
fósforo”, diz Pavinato à Agência FAPESP.
De acordo
com o pesquisador, fósforo – que é um dos três macronutrientes mais utilizados
na adubação de lavouras no Brasil, atrás do nitrogênio e do potássio – é um dos
fertilizantes minerais com menores índices de aproveitamento pelas culturas
agrícolas nos solos brasileiros.
Isso
porque os tipos de solos no Brasil e em outras regiões tropicais, mais
argilosos, são ricos em óxidos de ferro e alumínio, que têm capacidade muito
alta de se ligar quimicamente e reter fósforo. Dessa forma, grande parte desse
fertilizante aplicado fica acumulado no solo em formas pouco ou não acessíveis
às plantas.
“Nos
últimos 20 anos, em média, a eficiência no aproveitamento do fósforo pelas
plantas cultivadas no Brasil tem sido de 50%”, afirma Pavinato.
“Do total
desse fertilizante adicionado na adubação, 50% são extraídos via colheita e os
outros 50% restantes ficam retidos no solo. Por isso, é comum aplicar nas
lavouras no país pelo menos mais do que o dobro da quantidade de fósforo de que
a planta necessita”, explica.
Por meio de um projeto apoiado pela
FAPESP, o pesquisador, em colaboração com colegas da Bangor University, do
Reino Unido, fez um inventário do fósforo acumulado ou residual nos solos
brasileiros a partir dos anos 1970, quando se começou a utilizar fertilizantes
em larga escala no país e o mineral passou a ser acumulado no solo.
Os cálculos,
baseados em estimativas de adições médias e de retiradas de fósforo pela
absorção pelas culturas agrícolas indicaram que, desde os anos 1970, cerca de
33,4 milhões de toneladas do fertilizante foram acumuladas nos solos agrícolas
brasileiros.
As áreas com maior tempo de cultivo,
situadas em boa parte do Sudeste, nos Estados de São Paulo, Paraná e Minas
Gerais, são as que apresentam os maiores estoques de fósforo no solo, apontaram
os pesquisadores em artigo publicado na
revista Scientific Reports.
“As
regiões com áreas agrícolas mais novas, como as localizadas nos Estados do Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e, mais recentemente, no Matopiba [área
considerada a nova fronteira agrícola brasileira, compreendida por porções dos
Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], têm bem menos fósforo acumulado
em função do tempo de cultivo”, diz Pavinato.
“Mas,
mesmo nesses Estados, há muito mais fósforo total no solo do que em regiões do
Reino Unido, por exemplo”, compara.
Por meio
da rotação de culturas, com o plantio de plantas de cobertura, como braquiária
ou milheto após o cultivo da soja, por exemplo, é possível não só aumentar a
eficiência no uso desse fósforo estocado no solo, como também aumentar a
resistência da lavoura à seca, afirma Pavinato.
Isso
porque com a implantação desse sistema as raízes das plantas têm maior
capacidade de explorar um volume maior do solo, explica o pesquisador.
“Os
produtores com sistema de produção bem implantado, que têm feito a rotação de
culturas nos últimos anos, podem passar uma safra ou mais sem precisar adubar
suas lavouras porque o solo já tem uma boa reserva de nutrientes,
principalmente de fósforo”, diz.
“Já os
produtores que seguem o sistema de plantio convencional vão sofrer muito mais
em períodos de crise de fertilizantes, como agora, porque não têm reserva no
solo”, compara.
Uso de plantas de cobertura
Em um estudo em andamento,
também apoiado pela
FAPESP, o pesquisador e colaboradores estão avaliando o uso de plantas de
cobertura, como ervilhaca, nabo forrageiro, tremoço e azevém no inverno, antes
do plantio de milho, no verão, para melhorar a exploração de fósforo no solo.
Para
realizar os experimentos foram aplicados durante sete anos seguidos, entre 2008
e 2015, fosfatos solúvel e natural em áreas de cultivo de milho no Paraná com
rotação com essas plantas de cobertura. Após esse período, essas áreas pararam
de ser adubadas.
Resultados
preliminares do estudo indicaram que, nos anos posteriores e com déficit
hídrico, a safra de milho nessas áreas foi duas vezes maior do que a das que
não receberam adubação fosfatada.
“As
plantas de cobertura que promoveram maior produtividade do milho nessas áreas
fosfatadas foram a aveia preta e a azevém. Essas gramíneas têm habilidade de
ciclar mais nutrientes de maneira geral. Mas é importante ressaltar que essas
respostas só podem ser obtidas em longo prazo”, sublinha Pavinato.
Fertilizantes organominerais
Um
fertilizante organomineral desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Solos
também pode contribuir tanto para aumentar a disponibilidade de fósforo para
cultivares agrícolas como também para aproveitar e gerar valor para um passivo
ambiental.
Os
pesquisadores da instituição desenvolveram ao longo dos últimos 11 anos um
fertilizante organomineral fosfatado granulado a partir da “cama” de frango –
material utilizado para forrar o piso dos galpões de granjas, composto por
maravalha, palha de arroz, feno de capim e sabugo de milho triturado ou a
serragem com as fezes, urina, restos de ração e penas de galinha.
Esse
resíduo agrícola era usado como fonte de alimento suplementar para bovinos no
Brasil, mas a utilização dele para essa finalidade passou a ser proibida no
país a partir de 2004 com o surgimento do “mal da vaca louca”.
Já na agricultura, o uso desse material
é consolidado, porém, sem recomendações técnicas específicas, pondera Joaquim José Frazão,
professor do Instituto Federal de Roraima (IFRR).
“A falta
de recomendações técnicas específicas tem causado o uso inadequado e aplicação
superficial da cama de frango, com doses inadequadas, baixas respostas
agronômicas e risco de contaminação do meio ambiente por nitrato, presente em
grande quantidade no material”, afirma Frazão.
Uma vez
que a cama de frango também apresenta teores variáveis de fósforo, os
pesquisadores da Embrapa Solos, em parceria com Frazão, realizaram nos últimos
anos diversos testes de misturas do material com fontes minerais a fim de
enriquecê-lo com o mineral para aplicação como fertilizante.
Os resultados de testes de aplicação
do fertilizante organomineral em casas de vegetação e em campo, nos municípios
de Rio Verde e Goiânia, em Goiás, e em Piracicaba, no interior de São Paulo,
durante o doutorado de Frazão, com Bolsa da FAPESP, indicaram que o produto tem
eficiência agronômica comparável com as fontes minerais tradicionais, como o
fosfato monoamônico (MAP) e o superfosfato triplo, já na primeira safra de
culturas como a soja e o milho. O estudo foi publicado na revista Sustainability.
“Também
observamos por meio de outros estudos que o produto tem efeito residual no
solo”, afirma Frazão.
Como a
liberação do fertilizante organomineral é mais lenta em comparação com as
outras fontes de fósforo disponíveis, que são solúveis em água, o produto supre
a demanda do macronutriente pela planta e, ao mesmo tempo, diminui os riscos de
perda do mineral pelo processo de adsorção (fixação) pelos óxidos de ferro e
alumínio, explica o pesquisador.
“Como os
fertilizantes fosfatados tradicionais são solúveis em água, a liberação deles
no solo após a aplicação é quase imediata. Já o organomineral que desenvolvemos
tem liberação mais lenta e, dessa forma, é possível mantê-lo disponível no solo
por mais tempo”, afirma Frazão.
De acordo
com o pesquisador, a Embrapa Solos patenteou a tecnologia do processo de
produção do fertilizante organomineral.
Além da
cama de frango, podem ser usadas diversas outras fontes orgânicas para produzir
o organomineral, como estercos de aves e bovinos e palha de arroz, ressalta
Frazão.
“As
respostas de eficiência agronômica do organomineral formulado com essas outras
fontes, contudo, podem não ser iguais às do composto por cama de frango em
razão da variação da composição química”, pondera.
Fertilizante orgânico à base de lodo do
esgoto
Outra
fonte promissora para produção de fertilizante é um composto gerado a partir do
lodo proveniente do tratamento do esgoto, apontam estudos conduzidos por
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Ilha
Solteira.
Rico em matéria orgânica e fonte de
macro e micronutrientes para as plantas, como nitrogênio, fósforo, cobre,
ferro, manganês e zinco, o lodo de esgoto já era apontado como um potencial
subproduto para aplicação como adubo na agricultura desde a década de 1980. A
preocupação com o risco de o resíduo contaminar o solo e as plantas com metais
pesados, além de carregar vírus e outros microrganismos patogênicos, porém,
limitou a aplicação para essa finalidade, diz Thiago Nogueira,
professor da Unesp e coordenador do estudo.
“Mesmo com
a comprovação do efeito benéfico do uso do lodo de esgoto na agricultura, as
legislações estaduais estabeleceram critérios que dificultaram a aplicação
desse resíduo urbano. Uma quantidade muito pequena desse material tem sido
usada em larga escala na agricultura não só no Estado de São Paulo, como em
outras regiões do país”, afirma Nogueira.
Por meio
de uma parceria com uma empresa em Jundiaí, os pesquisadores começaram a fazer
a compostagem do lodo de esgoto para eliminar a carga de patógenos e diminuir
os teores de metais a fim de viabilizar a aplicação do composto na agricultura.
Os
pesquisadores estão avaliando agora o uso do material como fonte orgânica de
nutrientes para solos da região do Cerrado, que são naturalmente muito pobres
em nitrogênio, fósforo, boro, manganês e zinco, em culturas como arroz, feijão,
soja, milho e cana-de-açúcar.
Resultados preliminares do estudo,
realizado no âmbito do mestrado da pesquisadora Adrielle Rodrigues Prates,
com bolsa da
FAPESP, indicaram que a aplicação do composto aumentou os teores principalmente
de cobre, manganês e zinco no solo e nas folhas da cultura da soja.
“Também já
observamos um aumento de 67% na produtividade da soja e efeito residual da
aplicação do composto com ganhos de produtividade da cultura do milho acima da
média nacional e com valores similares aos resultados obtidos somente com a
aplicação de fertilizantes minerais”, afirma Nogueira.
Segundo o
pesquisador, ficou claro que o composto de lodo de esgoto aumentou a
disponibilidade de nutrientes no solo, especialmente nitrogênio, fósforo e
alguns micronutrientes, com elevação na produtividade das culturas.
Mais
recentemente, outras pesquisas estão sendo desenvolvidas para conhecer melhor a
associação de doses do composto de lodo de esgoto com plantas de cobertura
cultivadas sob plantio direto no Cerrado, com ênfase no monitoramento da saúde
do solo, explica Nogueira.
Microrganismos solubilizadores
Além do
manejo, de variedades melhoradas de plantas e de fertilizantes mais eficientes,
outra estratégia que tem sido implementada para melhorar o aproveitamento de
nutrientes pelas plantas é a utilização de microrganismos solubilizadores, como
bactérias e fungos.
Esses microrganismos têm o potencial
de explorar e ajudar as plantas a acessar o fósforo não disponível no solo, por
exemplo, explica Antônio Pedro da Rocha Camargo,
colaborador do Centro de Pesquisa em Genômica
Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC) – um Centro de Pesquisa em
Engenharia (CPE)
constituído pela FAPESP e pela Embrapa na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).
“Microrganismos
podem ajudar as plantas a conseguir nutrientes de várias formas. Alguns dos
mais conhecidos são as micorrizas, que são fungos que se associam à raiz da
planta e aumentam a superfície de absorção. Mas também há bactérias que ajudam
as plantas a pegar o nutriente que está no solo de uma forma que elas
normalmente não conseguem absorver, como o fósforo insolúvel”, explica.
Durante seu doutorado, realizado
com bolsa da
FAPESP, o pesquisador investigou microrganismos associados às plantas nos
campos rupestres.
Situados
na região central do Brasil, os campos rupestres têm solo extremamente pobre em
fósforo, em razão das condições geológicas, e muito ácido, mas, ainda assim,
apresentam alta diversidade de espécies de plantas, a maior parte delas
endêmica (que ocorre exclusivamente naquela região).
“Há anos
tem sido estudada a fisiologia dessas plantas com o objetivo de entender como
elas crescem naquele bioma”, diz Camargo.
O
pesquisador e colaboradores constataram que o solo dos campos rupestres, apesar
de muito pobres, também apresenta uma grande diversidade de microrganismos
associados às plantas, principalmente bactérias, que também ocorrem
exclusivamente naquela região.
Ao
analisar esses microrganismos, eles observaram que bactérias encontradas nas
proximidades da raiz das plantas apresentam maior número de genes associados à
disponibilização de fósforo.
“Vimos que
várias funções associadas à disponibilização de fósforo para as plantas estão
enriquecidas nessas bactérias”, afirma Camargo.
Ao
comparar o genoma das bactérias dos campos rupestres com o de outras
evolutivamente próximas, encontradas em outros lugares, os pesquisadores também
constataram que elas possuem mais genes associados à disponibilização de
fósforo para as plantas.
“Isso
mostra que as funções de disponibilização de fósforo para as plantas
provavelmente estão sendo selecionadas naquele ambiente. As plantas podem
liberar compostos que são nutritivos para as bactérias que solubilizam fósforo
para recrutá-las e, dessa forma, obter o nutriente”, explica Camargo.
O objetivo
final do estudo é permitir selecionar e cultivar essas bactérias em larga
escala para produzir inóculos – cultura contendo uma ou mais espécies de
microrganismo para aplicação em lavouras com o objetivo de aumentar a absorção
de fósforo pelas cultivares agrícolas.
Elton Alisson
Agência
FAPESP
Fonte: https://agencia.fapesp.br/manejo-e-novos-insumos-ajudam-a-reduzir-o-uso-de-fertilizantes-minerais-na-agricultura-brasileira/38185/