Com tantos amigos querendo
ir morar em Portugal para viver em ambiente civilizado, pus-me a pensar que
isso representava uma espécie de regressão à vida intrauterina. Afinal, foi de
lá que nos veio a civilização com os valores e os padrões de relação que lhe
são inerentes. Nas últimas décadas, na cidade e no campo, o ambiente social
brasileiro foi se decompondo, brutalizando. A mobília urbana é civilizada.
Temos hospitais, escolas, e tudo mais, mas os usuários, em número crescente,
foram deixando de lado referenciais e limites indispensáveis a um convívio
social que se identifique com civilização. Então, além-mar; então, Portugal.
Não éramos assim. Nos anos 60, cantamos
com Vinícius de Moraes e Tom Jobim que “quando derem vez ao morro, toda cidade
vai cantar!”. Hoje, quem canta no morro são fuzis e metralhadoras. Chegamos a
um ponto em que o país se tornava tão insuportável quanto insanável, pois a
hegemonia do pensamento esquerdista preservava o caos em todas as suas
vertentes. Por isso, a rejeição à ordem, à segurança pública, às várias formas
de autoridade, à instituição familiar; por isso, também, a defesa da liberação
das drogas, do aborto, da ideologia de gênero nas escolas, do ativismo
pedagógico e da militância política no Poder Judiciário.
Então,
neste abençoado ano da graça de 2018, a democratização do direito de opinião
emergiu poderosa nas redes sociais. Vieram as eleições e as vitórias de
outubro. Interrompeu-se o predomínio da esquerda, que se dizendo “progressista”
estava retirando o Brasil do mundo civilizado. Não há bem possível quando o mal
é insistentemente buscado, louvado e praticado. Ademais, a Venezuela estava
logo ali, suscitando reverências e apontando descaminhos.
Para
escândalo dos tradicionais fazedores de cabeça, monitores habituais da opinião
pública, após 30 anos de um ruinoso roteiro sinalizado pela Constituição de
1988, a maioria da opinião pública deu um solene “Basta!” aos
“progressistas”. Literalmente, a maioria
saiu do armário onde, constrangida, remoía as próprias convicções
conservadoras, patrulhadas pelo politicamente correto e pela única ideologia que
se fazia ouvir no tom alto e glamoroso dos grandes meios de comunicação.
Contudo,
é bom que eleitores e eleitos saibamos: não salvaremos o Brasil do caos apenas
com os valiosos e imprescindíveis princípios do conservadorismo. Nossos
problemas não são apenas de conduta e regras de convivência. Precisaremos das
reformas usualmente identificadas com o rótulo de “liberais”, voltadas à
redução do tamanho e peso do Estado, ajuste fiscal e reforma tributária,
desregulamentação, desburocratização, desaparelhamento da máquina pública,
extinção de mordomias e privilégios. Sem a reforma da previdência social, o
país afundará em nova recessão. Ela levará à instabilidade política e ao caos –
caldo de cultura dos que hoje juntam forças para, na oposição, jogar como
sabem: à base de tranco, empurrão, puxão de camiseta, cama-de-gato e carrinho
por trás. É sua receita para o ameaçador retorno.
Obtida
a vitória nas urnas, o sucesso passa a depender da combinação das duas
receitas. De um lado, os princípios e valores que inspiram condutas
civilizadas; de outro, as ações de Estado com vistas às liberdades econômicas e
ao equilíbrio das contas públicas. Ainda é mais viável do que uma mudança para
Portugal.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no
país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.