O art. 12 do novo Código de
Processo Civil, reflexo das melhores intenções democráticas, está a depender de
uma hígida e criativa orientação do Conselho Nacional de Justiça e das
Corregedorias de Justiça para que aquelas, não desprendidas do inconsciente
coletivo, sejam efetivamente materializadas.
Preceituou-se que juízes e
Tribunais atenderão à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou
acórdão.
Vê-se de início que a norma,
antes de ser endereçada ao todo da máquina judiciária, voltou-se exclusivamente
aos atos decisórios. Além disso, esqueceu-se das decisões interlocutórias, não
raro de maior importância prática ao ideal de justiça célere ou razoável em
relação às sentenças ou acórdãos.
É como se o legislador
resumisse nos atos superiores e exaurientes de natureza decisória
(sentenças ou acórdãos) o ponto onde eventualmente residisse o melhor
ou pior desempenho da administração da justiça.
Esta é muito mais complexa.
E a consequência, como os advogados militantes há muito percebem, está em que
os servidores submetem não só os autos aptos ao conhecimento por uma sentença
ou acórdão, mas todas as petições, à conclusão, em primeiro grau, segundo ordem
cronológica de sua apresentação, como se todas fossem igualmente importantes.
Excetuam-se as hipóteses raras em que o advogado obtém do Magistrado uma
determinação especial consistente na atração de processos que demandam um
pronunciamento judicial, muitas vezes, imediato, ainda que não se trate de
sentença.
Os servidores
têm presente em sua consciência ou inconsciência, intuitivamente, que esse
não é o melhor método de se fazer justiça. Mas, obviamente, a observância
simples e nada criativa forma de um procedimento é a maior garantia de
segurança funcional.
Por força da regra
precitada, que se generalizou, tudo segue a ordem cronológica; ao juiz, por
exemplo, são encaminhadas as petições segundo a ordem de sua protocolização.
Pouco importa se uma delas simplesmente junte um documento e a outra
requeira uma penhora, quando o credor concorre com outros e, à determinação da
preferência concursal, consagre nosso processo civil a regra "prior in
tempore potior in iure". As petições,
exemplificativamente, apresentadas em incidentes de cumprimento de
sentença, seguem à conclusão, no lento corso do andamento processual
brasileiro, atrás de uma de aditamento à inicial, distribuída há poucos dias,
enquanto aquelas somente vieram à tona depois de um longo périplo, muitas
vezes de décadas, no processo de conhecimento, que seguiu até nossas instâncias
judiciárias mais elevadas.
Se o dispositivo sob análise
optou por uma igualdade, "sic et simpliciter", derrapou drasticamente
no caminho da equidade, por razões imprevisíveis de um universo mais amplo que
o suposto. A igualdade envolve abordagem tão complexa que sua consagrada
definição se dá por meio de um oxímoro: igualdade é tratar
desigualmente as situações desiguais.
Como fazer que uma
burocracia estatal, que, por razões plenamente justificáveis, pretende ser
estável, seja, concomitantemente, criativa, no sentido do justo? Sabemos que
não se trata de uma tarefa fácil e tampouco insuscetível de influências
indesejáveis, mas os responsáveis pelas Serventias, os veneráveis
"escrivães" de nossa história processual, poderiam perfeitamente,
segundo regras traçadas pelas cúpulas responsáveis pela funcionalidade da
prestação jurisdicional, aplicar, como devido, o princípio tão complexo da
isonomia.
Desse modo, a adotar-se o
exemplo citado, uma petição apresentada em incidente de cumprimento de
sentença num processo antigo, para fixação do "quantum debeatur",
depois da longa batalha pela obtenção do "an debeatur", obviamente
seria levada ao Magistrado em situação de preferência a processos noviços.
Seria a observância da "ordem cronológica" sob o signo da
inteligência dos valores, não sob uma conduta robótica e contrárias aos valores
humanos que a regra, aplicada mecanicamente, procura preservar.
Imprimir inteligência
criadora ao ramerrão burocrático das instituições públicas talvez seja
como possibilitar ao homem comum a compreensão de James Joice ou de Picasso.
Não custa tentar, entretanto.
Amadeu Garrido de
Paula - Advogado, sócio do
Escritório Garrido de Paula Advogados.