Lei pode recorrer à
medida pelo bem-estar dos menores, mas só após rigorosa análise, explica
especialista
Quando alguém faz uma denúncia às autoridades sobre
a religião ou costumes de pais e mães, essa situação pode levar à perda da
guarda dos filhos, mas o desfecho vai depender de análise minuciosa da Justiça,
explica Leandro Nava, professor de Direito e pós-graduado em Direito de
Família. "Conforme o artigo 22 do Estatuto da Criança do e do Adolescente
(ECA), está resguardado o direito 'de transmissão familiar de suas crenças e
culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei'. E ainda
o artigo 5º da Constituição Federal assegura o livre exercício dos cultos
religiosos. Mas a questão é muito delicada, ainda mais na sociedade atual que
vivemos, repleta de direitos, mas, muitas vezes, com esquecimentos dos seus
respectivos deveres", afirma ele.
Em Araçatuba, interior de São Paulo, uma mãe
perdeu a guarda da filha de 12 anos depois que outra parte da família a
denunciou dizendo que menor era vítima de maus tratos e abuso - ela havia
passado por um ritual de iniciação ao candomblé, em que ocorre a raspagem da
cabeça. Após a defesa da mãe, a guarda foi restituída. Já em Foz do Iguaçu, no
Paraná, a mãe de um bebê perdeu a guarda porque a Justiça entendeu que a
criança estava com problema sérios de saúde e sem a vacinação em dia. A mãe
alegou ser vegana. O caso ainda está em andamento e o pai detém a guarda.
"Neste exemplo, a criação do menor deveria ter sido discutida entre
genitores para haver harmonia entre as partes. A partir do momento que um não
aceita e não tolera as imposições prestadas, a intolerância nasce e deverá ser
resolvida o quanto antes. Tais situações são, por vezes, analisadas pelo
Judiciário, como a vacinação das crianças, em que o STF reconheceu por
unanimidade a repercussão geral, obrigando os pais a vacinarem seus
filhos", destaca.
Caso a caso
A perda da guarda pode acontecer, sim, mas até
chegar a esse ponto será preciso que se prove eventuais maus tratos e abusos ao
menor, independentemente de se tratar de crenças e rituais religiosos ou
costumes culturais. "São diversos os casos nos quais o Poder Judiciário
pode retirar a guarda da mãe, mesmo em período de amamentação, porque
entende-se que são situações que podem colocar a vida do menor em risco como,
por exemplo, o comportamento inadequado e antissocial, o uso de substâncias
proibidas por parte da mãe ou detentor da guarda, entre outros. No quesito
religioso, devido ao próprio procedimento daquela crença ou ritual ser mais
intenso e forçoso, poderá, por algumas vezes, caracterizar algum tipo de abuso,
mas reitero a necessidade cabal de prova do ato", explica Nava.
Pela lei, sempre será considerado o que for
melhor para a proteção e segurança do menor envolvido. "Cada caso será
analisado de forma individualizada. O processo geralmente é proposto por um
parente interessado ou pelo Ministério Público, ao constatar uma atitude nociva
aos direitos das crianças e dos adolescentes", afirma Leandro Nava. O
processo judicial de perda ou suspensão da guarda garante o direito de defesa
da mãe ou pai, que devem contar com um advogado. "Detalhes serão
analisados em estudo psicossocial - um trabalho conjunto das áreas de
psicologia com a assistente social do juízo, para que se tenha uma ideia da
realidade da criação oferecida à criança. Nessa avaliação serão considerados
também a estrutura familiar e a qualidade de relacionamento entre pais e
filhos, tudo de modo a oferecer ao Juízo um panorama completo da criança em
família", detalha.
De acordo com o especialista, na lei existe o
poder familiar, que é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais para
cuidarem da pessoa e dos bens dos filhos menores, incluindo o dever de
assistência, amparo, sustento e direção no processo de formação da
personalidade dos filhos. A guarda é o direito que estes têm de manter consigo
a criança. "A perda ou a suspensão do poder familiar é a sanção mais grave
imposta aos pais que faltarem com os deveres em relação aos filhos",
destaca.
Segundo ele, é fundamental se levar em
consideração que ter liberdade de crença e religião não significa abusar desse
direito de forma física ou psicológica sobre o menor. "Essa liberdade deve
ser mantida junto com os princípios da democracia e com a responsabilidades
daqueles que são detentores e responsáveis pela vida, saúde, segurança, lazer,
alimentação, entre outras necessidades do menor".
Situações de perda de guarda:
- Os artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil
indicam as hipóteses em que o pai ou a mãe poderão perder o poder familiar, se
comprovada a falta, a omissão ou o abuso em relação aos filhos.
- Podem vir a perder caso coloquem em risco o menor como em casos de violência
ou ameaças físicas e verbais contra o filho.
- Outras situações são: abuso da autoridade
de pais, falta com os deveres a eles inerentes,
danos ou prejuízos aos bens dos filhos, castigos imoderados, abandono do filho,
prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, incidência reiterada em
atos lesivos aos interesses dos filhos ou, ainda, condenação a mais de dois
anos de prisão por sentença irrecorrível.
Leandro Caldeira Nava - advogado, Mestre em Direito, Pós-Graduado em Direito de
Família e Sucessões e Direito Civil. É professor convidado de Pós-Graduação do
SENAC, professor de Graduação na UNIFMU; professor convidado no curso Federal
Concursos; Diretor da Caixa de Assistência aos Advogados de São Paulo - CAASP
(2019/2021); Palestrante da Comissão de Cultura e Eventos da OAB/SP. Foi
presidente Estadual da Comissão da Jovem Advocacia da OAB/SP (2016/2018).