Quanta falta
faz ao Brasil uma boa reforma institucional! Em nosso país, o pau que bate nas
consequências se ergue em defesa das causas. Supõe-se, creio, que as coisas se
corrijam, ou que surja um grande corregedor que porá tudo no devido lugar. Não
é assim que a banda toca.
Desde que
começaram as mobilizações de rua, só não participei daquelas que ocorreram
quando eu não estava em Porto Alegre. Mas sempre tive a consciência de que se
tratava de um excepcional momento político. Uma janela no paredão da história.
A esperança nascida nas redes e nas ruas hoje se surpreende com a perspectiva
de que nosso país - este pobre rico de nossos afetos cívicos - apenas
sobreviva, e mal, a sucessivos e frustrados acordos, tão velhos quanto errados
sobre temas da mais alta relevância.
Com efeito,
no Brasil que emergiu do ano de 2018, parcela significativa da sociedade foi
mobilizada pelo desejo de mudança e por uma justificada idealização da nova
realidade nacional. Não preciso descrever o quanto tais perspectivas desgostavam
as forças políticas e culturais que viam seu poder liquefazer-se, e sentiam o
gélido medo de verem as teias de aranha avançarem sobre as gavetas do caixa.
Não preciso descrever, tampouco, a vigorosa resistência dos interesses
contrariados. Tanto vimos isso acontecer que continuamos indo às ruas.
Eis por que,
nestes tempos de isolamento, me vem à mente a consolidada convicção de que
tratei no último capítulo de meu livro "Pombas e gaviões" (2010) no
qual respondo à pergunta - "O Brasil tem jeito?". Ali, numa
antecipação de dez anos, está a descrição das dificuldades enfrentadas por este
novo governo, cuja atualidade faz prova provada de que não nos basta mudar as
pessoas; é preciso mudar as instituições. E isso não significa mudar apenas as
pessoas que as integram, mas mudar as instituições elas mesmas. Senão, vejamos:
{C}·
Nossas más instituições recompuseram o velho
centrão um mês após o início da nova legislatura, em fevereiro do ano passado.
Trinta dias bastaram para o velho esquema se reestruturar.
{C}·
Nossas más instituições vêm fazendo com que o
STF, numa clara usurpação, atue como poder moderador de uma República cuja
constituição não menciona poder moderador! Sendo o presidente, ao mesmo tempo,
chefe de Estado e de governo não pode ele ser poder moderador de si mesmo. E
mais, se não comprar maioria parlamentar acaba sendo o mais fraco e instável
dos poderes.
{C}·
Nossas más instituições não dispõem de
mecanismo de solução de conflitos entre os poderes e levam o povo a uma
justificada ojeriza por seus membros.
{C}·
Nossas más instituições não refletem sobre si
mesmas e não se reciclam por serem as beneficiárias singulares dos desarranjos
nacionais.
{C}·
Nossas más instituições criam insegurança
jurídica e não se mudam - por isso, precisam ser mudadas.
{C}·
Nossas más instituições não permitem
dissolver o parlamento e induzem à conduta irresponsável e inconsequente.
{C}·
Nossas más instituições não tem como reagir
quando ministros do STF instituem uma governança paralela, impondo ao governo
seu querer. Membros do Supremo frequentam a ribalta da comunicação social,
imiscuindo-se publicamente em assuntos de governo.
Mais uma vez
em nossa história republicana, sob esse mesmo malsucedido figurino
institucional - referência de insegurança jurídica, malgrado seu todo poderoso
STF! - se vai restabelecendo a mixórdia e o Brasil ficando com cara de
republiqueta bananeira.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.