Vesti uma
camisa... Listrada? Não! Não pode. Vão achar que vocês são uns reacionários de
direita que só pensam em por o Lula na cadeia. Cocar? Não!!! Lembrem-se do
genocídio dos povos indígenas e comecem a chorar, em pleno Carnaval. Homem
vestido de mulher magoa os trans. Fantasia de doméstica, de enfermeira, de nega
maluca? Não! Lembra a terrível opressão feminina, estimula o assédio, o
racismo. Mas, para os mais chatos dos chatos, a gente poderia, eles deixam, se
fantasiar de planta. De unicórnio (!). De super-heróis...
Pronto. Acabou. Agora deram de patrulhar até a mais livre
e libertária festa nacional, o Carnaval. Deus nos livre dessa gente que não só
entra com tudo na roubada de acreditar nos dogmas políticos, defender os
indefensáveis, como também agora quer patrulhar até as fantasias que devem ou
não ser usadas.
Mas eles – considerando que eles são um grupo de pessoas
que se acham as mais sabidas-intelectualizadas-informadas-corretas-especiais-ungidas
e etc. e tal do planeta – já não é de hoje que querem acabar com a alegria,
botando política social-esquerdizante ou religiosa e manipuladora em tudo o que
respira. Para eles, aqueles exércitos na Coreia do Norte seguindo o grande
líder deviam ser aqui repetidos, uniformizados.
Não é brincadeira não. Fizeram um vídeo com orientações
“politicamente corretas” – fantasias que não “deveriam” ser usadas por quem
segue essa doutrinação. Sobrou até pra Iemanjá, pro Allah-la-ô. Não pode porque
seria desconsiderar as religiões. Tapem os ouvidos. Nada de ficar por aí
ouvindo marchinhas como Cabeleira do Zezé, Nós, os Carecas, Máscara Negra,
Índio quer apito, Mulata Bossa Nova...
Em compensação, acredite, porque eu estava lá e na
hora eu mesma não acreditei. Bloco de Carnaval moderninho daqui de São Paulo
toca o Bolero, de Ravel. O mesmo Acadêmicos do Baixo Augusta, cheio de
“personalidades”, e que, a propósito, até agora não ouvi dar um pio sobre o
caso do menino eletrocutado durante o desfile deles, tocou também “Pra não
dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré. Faltou a Internacional.
Já não bastasse o baixo astral nacional, em pleno
Carnaval temos de ler, ouvir e ver tanta besteira desfilando nas avenidas.
Desfilando, propriamente, não. Esses blocos grandes são paradas. Gente parada.
Se o caminhãozinho anda, vão atrás, como se fosse uma passeata. Repara só. Nem
os dedinhos para cima. As mãos agora estão ocupadas: seguram bebidas ou
celulares para selfies, lives, zaps.
Legal. São Paulo realmente está nas ruas, com muita
gente, especialmente jovens, com alguma fantasia – nem que seja só aquele
horrível e inexplicável chifrinho de unicórnio na cabeça que parece uma
casquinha de sorvete ao contrário. Mas não se pode dizer mais que se brinca o
carnaval, essa expressão tão bonita. Não dá para relaxar. É violência. Roubos,
assaltos, cuidado para não arrumar alguma treta, pessoas armadas, risco de
arrastões. E agora tem ainda a pavorosa versão “choque no poste”. Some-se a
isso um prefeito arrumadinho cheio de mania de dar ordens, querendo regular,
normatizar, mudar até as rotas e caminhos dos blocos que estavam indo tão bem
organizados naturalmente.
Nessa toada os cordões logo serão – ou voltarão a ser -
só os de isolamento e os blocos, só os de cimento e concreto. Foi indo nessa
toada que no século passado uma certa elite conseguiu acabar com os corsos, com
os blocos nas ruas, confinando todos só em quadras de escolas de samba.
Abaixo a ditadura. Todas. O samba não fica só nos pés,
tem de percorrer o corpo inteiro, e invadir o cérebro desse povo chato que não
gosta de ver a gente dar a nossa risada.
Com roupa, sem roupa, pouca roupa. Vestido do que quiser.
Por isso, aliás, é que chama fantasia. Que vivam os blocos afros, de
sujos, das piranhas, de paródias!
Marli Gonçalves -
jornalista - Se for se
vestir de planta, legalize já. Se for de super-herói, escolha o Super
Pateta. Mas, por favor, esqueça o tal chifre do unicórnio.
São Paulo,
..."Se acaso
meu bloco, Encontrar o seu,
Não tem problema,
Ninguém morreu,
São três dias de folia e brincadeira,
Você pra lá e eu pra cá ,Até quarta feira"....
Não tem problema,
Ninguém morreu,
São três dias de folia e brincadeira,
Você pra lá e eu pra cá ,Até quarta feira"....