Com a proximidade do carnaval, período onde as ações de
prevenção em saúde são reforçadas em todo o País, a Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP), por meio da atuação conjunta de seus Departamentos Científicos
(DCs) de Adolescência e de Infectologia, preparou recomendações com o objetivo
de alertar pais e jovens sobre as formas de prevenção, contágio e tratamentos
adequados para cada situação de risco, no que se refere às infecções
sexualmente transmissíveis. O texto enviado aos pediatras brasileiros e disponibilizado
para a população em geral, no site da entidade, analisa o tema e traz
recomendações sobre como superar os desafios impostos nessa área.
O documento científico “Infecções
Sexualmente Transmissíveis (ISTs) na adolescência” lista uma série de ações que
favorecem a promoção da saúde sexual e reprodutiva junto a esse segmento da população.
Dentre as medidas, que exigem o envolvimento da família, professores e
pediatras para atingirem suas metas, estão: estimulo ao estabelecimento de
relação de respeito e de confiança com o adolescente; manutenção dos parâmetros
de privacidade e confidencialidade nas consultas médicas; abertura de diálogo
sobre temas ligados à sexualidade de forma ampla, não se restringindo à
prevenção das ISTs e da gravidez não planejada; verificação do cartão de
vacinas (em especial para as doses de prevenção às hepatites e ao HPV); atenção
aos comportamentos de risco; e promoção do uso do preservativos (masculino ou
feminino) em qualquer relação ou atividade sexual.
De acordo com os autores do texto,
por meio do diálogo, o pediatra tem papel chave na orientação dos mais jovens,
pois pode avaliar comportamentos de risco e o grau de conhecimento do
adolescente sobre questões de sexualidade e saúde reprodutiva. Nesse sentido,
alertam os especialistas, na interação entre adultos e adolescentes é
importante abordar esclarecimentos sobre o ciclo menstrual, cuidados com a
higiene íntima, corrimentos (vaginal ou uretral), afetividade, relação sexual e
suas implicações, dentre outros. A informação adequada é fundamental para
evitar estas infecções e a gravidez neste período.
Participaram na elaboração desse
documento os seguintes especialistas da SBP: do DC de Adolescência – dra Alda
Elizabeth Boehler Iglesias Azevedo (presidente); dra Evelyn Eisenstein
(secretária); dra Beatriz Elizabeth Bagatin Veleda Bermudez, dra cElizabeth
Cordeiro Fernandes, dra Halley Ferraro Oliveira, dra Lilian Day Hagel, dra
Patrícia Regina Guimarães e dra Tamara Beres Lederer Goldberg (Conselho
Científico); e do DC de Infectologia - dr Marco Aurelio Palazzi Sáfadi
(presidente); dra Analiria Moraes Pimentel (secretária); dr Aroldo Prohmann de
Carvalho, dra Jaqueline Dario Capobiango, dra Leda Lucia Moraes Ferreira, dra
Maria Angela Wanderley Rocha, dr Robério Dias Leite e dra Silvia Regina Marques
(Conselho Científico). Atuaram como colaboradoras dra Andréa Lucchesi de
Carvalho, dra Cristiane de Freitas Cunha e dra Tatiane Miranda.
LACUNA
– De acordo com o documento, a
literatura especializada aponta uma lacuna entre o conhecimento sobre riscos
das práticas sexuais desprotegidas e o comportamento dos jovens que, mesmo
sabendo das possíveis consequências, continuam a se expor. Segundo dados da 3ª
edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada em 2015 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 27,5% dos escolares brasileiros
do 9º ano do ensino fundamental já tiveram relação sexual alguma vez; 61,2%
destes afirmaram ter usado preservativo no primeiro intercurso e 66,2% dos
escolares sexualmente ativos responderam ter feito o uso de preservativo na
última relação sexual.
A Organização Mundial da Saúde (OMS)
estima em mais de um milhão de novos casos de IST por dia no mundo. Anualmente,
ocorrem cerca de 357 milhões de novas infecções (entre clamídia, gonorreia,
sífilis e tricomoníase). A presença de uma IST, como sífilis e gonorreia, por
exemplo, aumenta consideravelmente o risco de se adquirir ou transmitir a
infecção por HIV, que deve ser sistematicamente enfatizada e que
tem aumentado sua prevalência entre os jovens. Em especial, a sífilis
na gestação ocasiona mais de 300 mil mortes fetais e neonatais por ano no mundo
e coloca um adicional de 215 mil crianças com maior risco de morte prematura.
As IST podem ser reconhecidas por
meio de sinais e sintomas em comum, que constituem os diagnósticos sindrômicos.
Isso permite a instituição do tratamento para as principais doenças por grupo,
com terapia combinada, reduzindo o número de pacientes e parceiros não
tratados. Dessa forma, as principais são agrupadas em úlcera genital (sífilis
herpes simples, cancro mole, linfo granuloma venéreo, donovanose ou granuloma
inguinal), corrimento vaginal e uretral (vaginite e vaginose, uretrites,
candidíase, tricomoníase), desconforto ou dor pélvica (gonorreia, clamídia) e
lesões verrucosas (verrugas anogenitais, como o HPV).
O documento da SBP explica ainda que
os exames diagnósticos variarão para cada uma dessas IST, podendo ser
utilizados testes sorológicos, pesquisa de antígeno viral por
imunofluorescência direta, Teste de Amplificação de ácidos nucleicos (NAAT,
sigla em inglês), isolamento de vírus em cultura de células, biópsia, entre
outros. Em caso de um diagnóstico positivo para alguma delas, o médico
prescreverá os tratamentos terapêuticos mais adequados de acordo com o quadro
clínico de cada paciente.
As IST são causadas por vírus,
bactérias ou outros microrganismos transmitidos principalmente por contato
sexual (vaginal, anal e/ou oral) sem o uso de preservativo (masculino ou
feminino) com uma pessoa infectada. A transmissão pode acontecer ainda de mãe
para filho durante a gestação, o parto ou a amamentação (transmissão vertical),
e pela utilização de seringas, agulhas ou outro material perfuro cortante
partilhado.
A terminologia Infecções Sexualmente
Transmissíveis (IST) passou a ser adotada em substituição à expressão Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) para destacar a possibilidade de uma pessoa
ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas. Esse fenômeno é
considerado um dos problemas de saúde pública mais comuns em todo o mundo.
PAPEL
DO PEDIATRA – Os especialistas também
destacaram no documento o papel do pediatra na intervenção para IST. “Este
vínculo médico-paciente permite a reflexão e construção de um saber próprio do
adolescente, que pode levar a modificações positivas no comportamento, embora
não haja garantia de mudanças. É importante orientar sobre os riscos de IST e
gravidez não planejada, apontando as atividades sexuais como fonte de prazer e
inseridas no processo do desenvolvimento humano. Tal abordagem deve ser livre
de julgamentos morais, de preconceitos e estereótipos, possibilitando ao
adolescente perceber seu médico como um interlocutor aberto para as dúvidas no
campo da sexualidade”, observam os especialistas.
Mais adiante, acrescentam: “o vínculo
de confiança construído com o jovem desde sua infância, e também com a família,
permite que o pediatra ofereça espaço de acolhimento durante a eclosão da
puberdade, das experiências amorosas e sexuais inerentes à fase. Trata-se de
oportunidade ímpar para intervenções medicamentosas e especialmente para medidas
preventivas, não devendo ser esquecida ou negligenciada”.
Os pediatras lembram que a fase da
adolescência – que compreende entre os 10 e 19 anos de idade, conforme
estabelecido pela OMS – marca a transição da infância para a idade adulta e é
caracterizada por profundas transformações físicas e psicossociais, pelo
despertar da sexualidade e separação simbólica dos pais, com grande influência
das particularidades de vida em cada indivíduo.
“A partir dessa fase, muitos
adolescentes passam a ter o contato sexual, muitas vezes assumindo
comportamentos de risco e colocando-se em situação de vulnerabilidade diante
das infecções sexualmente transmissíveis. De forma conjugada com o efeito
causado pelo consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas, esse quadro pode
causar prejuízos de forma direta à saúde”, conclui a presidente da SBP, dra
Luciana Rodrigues Silva, empenhada em articular ações que possam reduzir as
consequências de práticas indevidas.