Em agosto de 1939, uma carta assinada pelo físico Albert
Einstein alertava ao presidente americano Franklin Roosevelt sobre a
possibilidade de a Alemanha nazista desenvolver um artefato a partir da fissão
nuclear. Einstein considerava "seu dever" sugerir ao presidente
norte-americano uma maior atenção às pesquisas sobre urânio e, principalmente,
mais (muito mais) investimentos. Em outubro, o presidente respondeu a carta e
afirmou que iniciaria imediatamente os estudos de viabilidade para atender ao
pedido e ao alerta do grande físico alemão, exilado desde os anos 30 nos EUA.
Entre 1942 e 1945, mais de 25 bilhões de dólares (em valores atuais) foram
gastos para construir três bombas atômicas, mobilizando um complexo de
universidades, centros de pesquisa e áreas militares, além de centenas de
especialistas, como o italiano Enrico Fermi e o judeu americano J. Robert
Oppenheimer. Curiosamente, a participação direta de Einstein no projeto foi
vetada pelo FBI, por causa de suas ideias simpatizantes ao anarquismo e ao
socialismo. Apesar disso, graças aos intelectuais americanos e europeus - e o
gigantesco esforço logístico, financeiro e de engenharia dos EUA - unidos em
torno da defesa do mundo livre, a possibilidade de a Alemanha dispor de um
artefato nuclear seria contida pelas armas desenvolvidas por eles.
O que os intelectuais envolvidos no chamado Projeto Manhattan não esperavam -
ou imaginavam - é que, afinal, a Alemanha não desenvolveu a bomba e o governo
americano resolveu lançar as suas sobre Hiroshima e Nagasaki, três meses depois
de a Alemanha ter assinado a rendição na Europa. Hitler, o líder do nefasto
regime que vitimou seis milhões de judeus, havia se matado no dia 30 de abril.
O perigo, para o qual a bomba devia sua razão de ser pelos cientistas e
intelectuais do calibre de Albert Einstein, não existia mais.
Porém, a bomba existia. A primeira foi detonada no deserto do Novo México, em
julho de 1945. Uma explosão equivalente a vinte mil toneladas de dinamite. Sucesso!
As outras duas, artefatos de cerca de três metros e mais de quatro toneladas
cada uma - uma de urânio, outra de plutônio - embarcaram em um B-29 e foram
jogadas no dia 6 e 9 de agosto, matando cerca de 120 mil japoneses. No dia 14,
o Japão se rendia. Acabava a guerra no Pacífico.
Até hoje, 70 anos depois, uma pergunta ainda incomoda: e se Einstein não
tivesse escrito aquela carta? E se a ideia de que era preciso os EUA investirem
em armamentos nucleares não tivessem sido aventada? O que teria acontecido?
Como afirmam os defensores da medida tomada pelo governo Truman - que assumiu
em 12 de abril, por causa da morte do presidente Roosevelt -, se os EUA não
lançassem a bomba, as vítimas da guerra com o Japão seriam ainda em maior
número. Será?
Como sabemos, as bombas de 1945 deram início a uma corrida nuclear que consumiu
trilhões de dólares, recursos que poderiam ter resolvido de forma permanente
questões prementes da humanidade, como a fome na África, ou a moradia e a
educação em amplas regiões do planeta. Mas, em vez disso, o que há é a ameaça
diária que paira sobre nossas cabeças. Milhares de ogivas nucleares estão
espalhadas pelo mundo, capazes de exterminar a vida na Terra muitas vezes. No
leste europeu, com a desagregação da União Soviética, ninguém sabe exatamente o
nível de controle e cuidado com os depósitos nucleares. Outros países
produziram a bomba. Alguns têm e dizem não ter. Alguns ainda alimentam a
intenção. Ninguém está a salvo.
No texto "Fé e Saber", o pensador alemão Jurgen Habermas afirma que a
ciência precisa ter a humildade de pensar sua ação e os efeitos sociais (e
morais) de suas pesquisas. Hoje - a isso se refere o pensador alemão - o grande
"fantasma" da Ciência é a engenharia genética. Os seus apoiadores
lembram dos avanços na medicina. Habermas discute as implicações éticas de
controlar a "criação" de espécies.
Que o exemplo das bombas atômicas, chamadas de Little Boy e Fat Man, possa ser
a lembrança presente para os "avanços" da Ciência e recordem,
principalmente para os intelectuais, que suas ações têm sim consequências e que
estas consequências podem ser nefastas, sombrias. A neutralidade é um mito e a
"Ciência pela Ciência", uma falácia que beira à má-fé. Há sempre
limites humanitários, éticos, morais às ações dos cientistas. Que o diga a
empresa alemã IG Farben, criadora do pesticida inodoro Zyklon B, usado nas
câmaras de gás, vitimando milhões de judeus nos campos de concentração de toda
a Europa. É certo que foi criado para matar insetos. Mas foi produzido em larga
escala para matar gente.
Hannah Arendt, filósofa alemã radicada nos EUA (assim como Einstein)
referindo-se ao nazista Adolf Eichmann, o executor do complexo trabalho de
levar milhões de judeus para os campos de concentração, comparou-o a um
funcionário incapaz de pensar por si mesmo e que via a excelência como a
tradução da obediência. Obedecer sem questionar: "Eichmann era um homem
que não parava para refletir. Ele não tinha perplexidades e nem perguntas,
apenas atuava, obedecia. Seu desejo [era] de agir corretamente, de ser um
funcionário eficiente, de ser aceito e reconhecido dentro da hierarquia"
(in: SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. In: Extensão. Belo
Horizonte. V.8. nº26, p.53
E se os cientistas dessa época tivessem se recusado? E se os de hoje não
aceitassem nunca usar a Ciência para a criação de armas ou qualquer outro
artefato que possa ser usado para ferir, matar? E se negassem, ao menor sinal
de uso inapropriado, emprestar sua inteligência para produzir ou dar
continuidade a qualquer coisa que coloque em risco outras pessoas?
Nos 70 anos do "pequeno rapaz" e do "homem gordo" e da
memória da sombra de poeira nuclear que se transformaram cento e vinte mil
pessoas, por que não apostar nessa utopia?
Daniel Medeiros - professor de História no
Curso Positivo.
Em agosto de 1939, uma carta assinada pelo físico Albert
Einstein alertava ao presidente americano Franklin Roosevelt sobre a
possibilidade de a Alemanha nazista desenvolver um artefato a partir da fissão
nuclear. Einstein considerava "seu dever" sugerir ao presidente
norte-americano uma maior atenção às pesquisas sobre urânio e, principalmente,
mais (muito mais) investimentos. Em outubro, o presidente respondeu a carta e
afirmou que iniciaria imediatamente os estudos de viabilidade para atender ao
pedido e ao alerta do grande físico alemão, exilado desde os anos 30 nos EUA.
Entre 1942 e 1945, mais de 25 bilhões de dólares (em valores atuais) foram
gastos para construir três bombas atômicas, mobilizando um complexo de
universidades, centros de pesquisa e áreas militares, além de centenas de
especialistas, como o italiano Enrico Fermi e o judeu americano J. Robert
Oppenheimer. Curiosamente, a participação direta de Einstein no projeto foi
vetada pelo FBI, por causa de suas ideias simpatizantes ao anarquismo e ao
socialismo. Apesar disso, graças aos intelectuais americanos e europeus - e o
gigantesco esforço logístico, financeiro e de engenharia dos EUA - unidos em
torno da defesa do mundo livre, a possibilidade de a Alemanha dispor de um
artefato nuclear seria contida pelas armas desenvolvidas por eles.
O que os intelectuais envolvidos no chamado Projeto Manhattan não esperavam -
ou imaginavam - é que, afinal, a Alemanha não desenvolveu a bomba e o governo
americano resolveu lançar as suas sobre Hiroshima e Nagasaki, três meses depois
de a Alemanha ter assinado a rendição na Europa. Hitler, o líder do nefasto
regime que vitimou seis milhões de judeus, havia se matado no dia 30 de abril.
O perigo, para o qual a bomba devia sua razão de ser pelos cientistas e
intelectuais do calibre de Albert Einstein, não existia mais.
Porém, a bomba existia. A primeira foi detonada no deserto do Novo México, em
julho de 1945. Uma explosão equivalente a vinte mil toneladas de dinamite. Sucesso!
As outras duas, artefatos de cerca de três metros e mais de quatro toneladas
cada uma - uma de urânio, outra de plutônio - embarcaram em um B-29 e foram
jogadas no dia 6 e 9 de agosto, matando cerca de 120 mil japoneses. No dia 14,
o Japão se rendia. Acabava a guerra no Pacífico.
Até hoje, 70 anos depois, uma pergunta ainda incomoda: e se Einstein não
tivesse escrito aquela carta? E se a ideia de que era preciso os EUA investirem
em armamentos nucleares não tivessem sido aventada? O que teria acontecido?
Como afirmam os defensores da medida tomada pelo governo Truman - que assumiu
em 12 de abril, por causa da morte do presidente Roosevelt -, se os EUA não
lançassem a bomba, as vítimas da guerra com o Japão seriam ainda em maior
número. Será?
Como sabemos, as bombas de 1945 deram início a uma corrida nuclear que consumiu
trilhões de dólares, recursos que poderiam ter resolvido de forma permanente
questões prementes da humanidade, como a fome na África, ou a moradia e a
educação em amplas regiões do planeta. Mas, em vez disso, o que há é a ameaça
diária que paira sobre nossas cabeças. Milhares de ogivas nucleares estão
espalhadas pelo mundo, capazes de exterminar a vida na Terra muitas vezes. No
leste europeu, com a desagregação da União Soviética, ninguém sabe exatamente o
nível de controle e cuidado com os depósitos nucleares. Outros países
produziram a bomba. Alguns têm e dizem não ter. Alguns ainda alimentam a
intenção. Ninguém está a salvo.
No texto "Fé e Saber", o pensador alemão Jurgen Habermas afirma que a
ciência precisa ter a humildade de pensar sua ação e os efeitos sociais (e
morais) de suas pesquisas. Hoje - a isso se refere o pensador alemão - o grande
"fantasma" da Ciência é a engenharia genética. Os seus apoiadores
lembram dos avanços na medicina. Habermas discute as implicações éticas de
controlar a "criação" de espécies.
Que o exemplo das bombas atômicas, chamadas de Little Boy e Fat Man, possa ser
a lembrança presente para os "avanços" da Ciência e recordem,
principalmente para os intelectuais, que suas ações têm sim consequências e que
estas consequências podem ser nefastas, sombrias. A neutralidade é um mito e a
"Ciência pela Ciência", uma falácia que beira à má-fé. Há sempre
limites humanitários, éticos, morais às ações dos cientistas. Que o diga a
empresa alemã IG Farben, criadora do pesticida inodoro Zyklon B, usado nas
câmaras de gás, vitimando milhões de judeus nos campos de concentração de toda
a Europa. É certo que foi criado para matar insetos. Mas foi produzido em larga
escala para matar gente.
Hannah Arendt, filósofa alemã radicada nos EUA (assim como Einstein)
referindo-se ao nazista Adolf Eichmann, o executor do complexo trabalho de
levar milhões de judeus para os campos de concentração, comparou-o a um
funcionário incapaz de pensar por si mesmo e que via a excelência como a
tradução da obediência. Obedecer sem questionar: "Eichmann era um homem
que não parava para refletir. Ele não tinha perplexidades e nem perguntas,
apenas atuava, obedecia. Seu desejo [era] de agir corretamente, de ser um
funcionário eficiente, de ser aceito e reconhecido dentro da hierarquia"
(in: SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. In: Extensão. Belo
Horizonte. V.8. nº26, p.53
E se os cientistas dessa época tivessem se recusado? E se os de hoje não
aceitassem nunca usar a Ciência para a criação de armas ou qualquer outro
artefato que possa ser usado para ferir, matar? E se negassem, ao menor sinal
de uso inapropriado, emprestar sua inteligência para produzir ou dar
continuidade a qualquer coisa que coloque em risco outras pessoas?
Nos 70 anos do "pequeno rapaz" e do "homem gordo" e da
memória da sombra de poeira nuclear que se transformaram cento e vinte mil
pessoas, por que não apostar nessa utopia?
Daniel Medeiros - professor de História no
Curso Positivo.