O Ministério da Saúde declarou estado de transmissão comunitária do novo Coronavírus (COVID-19) em todo território nacional e a pandemia está apresentando rápida evolução no Estado de São Paulo. Estamos passando por uma situação inédita e desconhecida não só no Brasil, mas em todo o mundo e é impossível prever a duração desta pandemia. E, diante dessa nova realidade, surgem muitas dúvidas com relação aos direitos e deveres das gestantes e dos médicos ginecologistas e obstetras.
A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo,
SOGESP, por meio das perguntas e respostas a seguir, tem como objetivo orientar
os especialistas nesse momento tão delicado.
Quais orientações sobre a infecção COVID-19 eu
devo fornecer as minhas pacientes?
A SOGESP recomenda que os médicos orientem às gestantes que:
- de acordo com as evidências científicas atuais, a infecção do novo Coronavírus não tem se mostrado mais grave ou mais frequente em gestantes.
- a maioria dos pacientes com infecção pelo novo Coronavírus (80 a 85%) apresenta a forma leve da doença e serão orientados a realizar repouso, hidratação e medicação para alívio dos sintomas e isolamento em domicílio.
- é importante intensificar medidas de prevenção como lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool gel, não compartilhar objetos pessoais, manter os ambientes ventilados e evitar aglomerações.
- devem entrar em contato com seu ginecologista ou obstetra ou com a unidade de saúde caso apresente febre, tosse, congestão nasal ou conjuntival, anosmia, dor de garganta, dores musculares, mas que não devem buscar o pronto atendimento hospitalar nesses casos.
- deve buscar atendimento hospitalar para investigação, diagnóstico, isolamento e tratamento apenas se houver piora do quadro clínico ou sinais de gravidade, como febre que não cede, queda do estado geral, taquicardia (aumento dos batimentos cardíacos), dor pleurítica (dor no peito), fadiga e dispneia.
Quando devo solicitar o teste para diagnóstico
da infecção COVID-19?
Neste momento, a orientação dos gestores da rede pública de saúde é que
o teste seja solicitado e realizado apenas para pacientes internados e
profissionais de saúde. Para as gestantes beneficiárias de plano de saúde, o
teste de biologia molecular (“SARS-CoV-2 (CORONAVÍRUS COVID-19) - PESQUISA POR
RT-PCR”) poderá ser solicitado para gestantes com quadro suspeito de infecção,
entretanto a tendência na rede suplementar é seguir a mesma orientação da rede
pública e indicar apenas para pacientes internados. É importante acompanhar as
informações e diretrizes dos órgãos oficiais, que podem ser alteradas com a
evolução da epidemia.
Quando eu devo orientar isolamento domiciliar
para gestantes?
O isolamento domiciliar é indicado apenas para casos suspeitos ou
confirmados de COVID-19. Entretanto, o isolamento social, isto é, não
participar de atividades em grupo, seja como trabalho ou entretenimento, é uma
das medidas mais eficientes para combater a propagação do novo Coronavírus.
Desta forma, a SOGESP reitera a importância de se seguir as determinações das
autoridades de saúde, no sentido de se evitar ao máximo os contatos sociais.
Devo afastar minha paciente gestante do
trabalho?
No caso da gestante estar sintomática (tosse, dor de garganta ou
dificuldade respiratória, acompanhada ou não de febre) sem sinais de gravidade
(falta de ar, febre que não cede, queda do estado geral, dor torácica) o
ginecologista e obstetra deverá indicar o isolamento domiciliar e fornecer
atestado para de gestante. Recomenda-se solicitar à paciente a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o termo de declaração
contendo a relação das pessoas que residam no seu endereço devidamente
preenchidos e assinados. A SOGESP disponibiliza modelos desses documentos em
seu site.
No caso de gestante assintomática, considerando que qualquer infecção
grave pode comprometer a evolução da gestação e aumentar o risco de
prematuridade, recomenda-se avaliar caso a caso. Gestantes consideradas de alto
risco (portadoras de doenças crônicas ou desenvolvimento de doença durante a
gravidez), dependendo da função exercida, recomenda-se troca de função ou home
office (trabalhar em casa). Se essas opções não forem viáveis, recomenda-se o
afastamento da gestante em razão da pandemia pelo Covid-19, que pode afetar
a saúde da gestante e do bebê.
Caso a paciente esteja no final da gestação, o médico também poderá
sugerir a antecipação do afastamento do serviço para licença maternidade, que
poderá ocorrer a partir do 28o dia antes da data provável do
parto, ou seja, a partir de 36 semanas de gestação e, nesse caso, fornecer o
competente atestado médico.
Para a emissão do atestado médico devem ser respeitadas as normas
previstas na Resolução nº 1.658/2002 do Conselho Federal de Medicina, que
estabelece que o atestado é parte integrante do ato médico, sendo seu
fornecimento direito inalienável do paciente, não podendo importar em qualquer
majoração de honorários. Prevê ainda que, ao fornecer o atestado, o médico
deverá registrar em ficha própria e/ou prontuário médico os dados dos exames e
tratamentos realizados. Na elaboração do atestado, o médico deverá registrar os
dados de maneira legível, bem como:
- Identificar o paciente;
- Especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente;
- Estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente;
- Registrar data e hora da emissão;
- Identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no conselho regional de medicina.
Caso o paciente autorize, o médico deverá inserir no atestado médico o
código da doença revisto na CID-10[1], que poderá ser uma das seguintes opções:
- J11 (Influenza (gripe) devida a vírus não identificado) – caso a paciente apresente sintomas respiratórios; ou
- B34.2 (Infecção por
Coronavírus de localização não especificada) – caso a paciente apresente
resultado laboratorial positivo para o SARS CoV-2
Devo manter meu consultório aberto?
Em regra, sim. A Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas
para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do COVID-19, estabelece que quaisquer medidas que forem tomadas
deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e
atividades essenciais. E o Decreto Federal nº 10.282/2020 estabelece que o
serviço médico e hospitalar, público ou privado, é essencial, devendo ser
mantido em funcionamento. Porém, é preciso avaliar se há decretos ou outras
normas estaduais ou municipais que restrinjam de alguma forma os funcionamentos
dos consultórios.
Quais medidas e cuidados devo estabelecer no
meu consultório?
Os consultórios devem ser mantidos arejados e devem ser adotadas medidas
para evitar aglomeração de pacientes, reduzindo ao máximo o tempo de espera da
consulta. Também devem ser implementadas medidas extras de higiene do
local e do material utilizado (sonar, fita métrica, termômetros, entre outros)
a cada atendimento com álcool 70%. Importante disponibilizar dispensador
de álcool gel para higiene das mãos, e treinar uma funcionária para realizar
triagem na chegada da paciente aferindo temperatura e interrogando queixas
respiratórias. Veja aqui mais informações sobre as medidas sanitárias que
deverão ser tomadas durante a pandemia do novo Coronavírus.
Devo manter minhas consultas ginecológicas?
Cabe ao médico avaliar o quadro de saúde da paciente para decidir se a
consulta ginecológica pode ou não ser adiada. Caso a consulta seja
indispensável para evitar danos à vida ou à saúde do paciente, ela deverá ser
realizada.
Os médicos devem manter os atendimentos necessários às pacientes, sob
pena de serem responsabilizados junto aos Conselhos de Medicina e às operadoras
de planos de saúde. Configura infração ética abandonar pacientes sob seus
cuidados, conforme o artigo 36 do Código de Ética Médica.
Devo manter o atendimento de pré-natal das
minhas pacientes?
As consultas de pré-natal devem ser mantidas e não se caracterizam como
eletivas. A periodicidade destas consultas deve ser suficiente para
garantir o cuidado adequado de cada gestante, evitando excesso de visitas a
ambientes fechados e/ou com aglomeração de pessoas, situações que aumentam o
risco de exposição ao COVID-19. O obstetra deve organizar com as gestantes
que estão sob seus cuidados como será o agendamento das consultas de pré-natal.
Importante alertar que as gestantes que apresentaram a infecção COVID-19 e
evoluíram para a cura devem ter monitorizado o crescimento fetal por meio da
ultrassonografia. Os médicos devem manter os atendimentos necessários às
pacientes, sob pena de serem responsabilizados junto aos Conselhos de Medicina
e às operadoras de planos de saúde. Configura infração ética abandonar
pacientes sob seus cuidados, conforme o artigo 36 do Código de Ética Médica.
Posso solicitar os exames indicados para o
acompanhamento pré-natal?
Sim, exames necessários para avaliação do bem-estar materno e fetal
devem ser realizados. Oriente a paciente a entrar em contato com o laboratório
para verificar se há condições especiais para atendimento, como agendamento de
horário.
Posso atender minhas pacientes remotamente?
O Ministério da Saúde permitiu, em caráter excepcional e temporário, a
Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de
enfrentamento da emergência de saúde pública. Esta permissão estará em vigor
enquanto permanecer a situação de Emergência em Saúde Pública de Importância
Nacional (ESPIN), declarada por meio da Portaria nº 188/2020, também do
Ministério da Saúde (Portaria nº 467/GM/MS, publicada no Diário Oficial da
União de 20 de março de 2020).
As ações de Telemedicina de interação à distância podem contemplar o
atendimento pré-clínico, suporte assistencial, consulta, monitoramento e
diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do
SUS e da saúde suplementar e privada. O atendimento deverá ser efetuado
diretamente entre médicos e pacientes, por meio de tecnologia da informação e
comunicação que garanta a integridade, segurança e o sigilo das informações.
Os médicos que participarem das ações de Telemedicina deverão empregar
esse meio de atendimento com objetivo de reduzir a propagação do COVID-19 e
proteger as pessoas e deverão atender aos preceitos éticos de beneficência,
não-maleficência, sigilo das informações e autonomia; e observar as normas e
orientações do Ministério da Saúde sobre notificação compulsória, em especial
as listadas no Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (COVID-19)[2].
No caso de atendimento via Telemedicina, o registro em prontuário
clínico deverá conter, além dos dados já registrados em atendimentos
presenciais, os dados clínicos necessários para a boa condução do caso em cada
contato com o paciente, assim como data, hora, tecnologia da informação e
comunicação utilizada para o atendimento (WhatsApp ou outro aplicativo); e
número do Conselho Regional Profissional e sua unidade da federação.
No âmbito do atendimento por Telemedicina, os médicos poderão emitir
atestados ou receitas médicas, que serão válidos em meio eletrônico, mediante
uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. Os médicos poderão
também emitir o atestado ou receita em via física, com assinatura e carimbo, e
encaminhar ao paciente em envelope lacrado, para garantir o sigilo e
confidencialidade das informações, com documento que comprove o recebimento.
Em caso de atendimento por Telemedicina e concluindo-se pela necessidade
de isolamento, o médico deverá encaminhar o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e, se for o caso, o termo de declaração, contendo a relação
das pessoas que residam no mesmo endereço, cabendo ao paciente a devolução dos
mesmos devidamente assinados.
Vale lembrar que, independente do atendimento presencial ou por
Telemedicina, a relação médico-paciente deve seguir com o fornecimento de
informações claras, com garantia de sigilo das informações do paciente.
E como fica minha remuneração em caso de
atendimento remoto?
Caso se trate de consulta particular, o médico deverá combinar
previamente com a paciente o valor e a forma de pagamento de seus honorários.
Em caso de consulta prestada a paciente beneficiária de plano de saúde,
é importante que o médico entre em contato com a operadora à qual é credenciado,
referenciado ou cooperado para definir se e como será possível o
teleatendimento. A ANS já declarou que a consulta médica deve ser coberta pelo
plano de saúde, independente da forma pela qual é realizada, e que os
atendimentos de telessaúde não dependem de alteração contratual, sendo
necessário apenas prévio ajuste entre as operadoras e os prestadores de
serviços através de qualquer instrumento, como por exemplo, troca de e-mail e
troca de mensagem eletrônica no site da operadora que permita a identificação
dos:
- serviços que podem ser prestados por intermédio do tipo de atendimento telessaúde;
- valores que remunerarão os serviços prestados neste tipo de atendimento; e
- ritos a serem observados
para faturamento e pagamento destes serviços.
Minha paciente mantém seu direito a
acompanhante durante o parto?
Segundo a Lei Federal 11.108/2005, toda gestante tem direito a ter o seu
acompanhante durante o trabalho de parto, no parto e durante o pós-parto
imediato (10 dias após o parto) porém, no sentido de garantir a segurança
da paciente e dos profissionais e acompanhantes durante o período de pandemia
do Coronavírus, é importante seguir as orientações técnicas contidas em:
Desta forma, recomenda-se que durante a assistência ao parto de
gestantes sintomáticas, haja restrição do número de profissionais na sala de
parto, mantendo-se a equipe mínima, de preferência já estipulada anteriormente
sendo que, nestes casos, a restrição da presença do acompanhante deve ser
devidamente documentada em prontuário médico, enfatizando-se a atual situação
de pandemia.
Caso minha paciente tenha suspeita ou confirmação
de Coronavírus, isso inviabiliza o parto normal?
As gestantes em boas condições gerais, sem restrição respiratória, com
taxa de oxigenação dentro da normalidade podem se beneficiar do parto vaginal,
assim como o bebê. No entanto, com restrição respiratória, a interrupção da
gravidez por cesárea, a despeito do risco anestésico, seria a melhor opção. As
decisões sobre o parto de emergência e a interrupção da gravidez são desafiadoras
e baseadas em muitos fatores: idade gestacional, idade materna condição e
estabilidade fetal.
Que cuidados devo orientar minha a paciente a
tomar durante a internação?
Embora se trate de uma gestante que passou por um processo intenso de
trabalho de parto ou tratamento cirúrgico e de um bebê recém-nascido, as
precauções contra a doença não se alteram:
- Evitar contato próximo com pessoas apresentando infecções respiratórias agudas;
- Lavar frequentemente as mãos (pelo menos 20 segundos), especialmente após contato direto com pessoas doentes ou com o meio ambiente e antes de se alimentar. Se não tiver água e sabão, use álcool em gel 70%, caso as mãos não tenham sujeira visível;
- Evitar tocar olhos, nariz e boca sem higienizar as mãos;
- Higienizar as mãos após tossir ou espirrar;
- Usar lenço descartável para higiene nasal;
- Cobrir nariz e boca ao espirrar ou tossir;
- Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
- Manter os ambientes bem
ventilados
Caso a paciente apresente sintomas ou tenha
confirmado estar com Coronavírus, isso impossibilita a amamentação?
A recomendação geral é que a amamentação deve ser recomendada desde que
a puérpera observe os cuidados de higiene de mãos e uso de máscara cirúrgica.
Destaca-se que para muitos recém-nascidos, a amamentação é a única fonte de
alimento, e sua suspensão poderia fragiliza-lo aumentando a suscetibilidade à
infecção COVID-19. Entretanto, a depender do quadro clínico da puérpera esta
recomendação pode se modificar.
O médico deve orientar a puérpera sobre a necessidade de ser mantida em
isolamento (durante a internação hospitalar e após a alta). O recém-nascido
pode ficar junto no isolamento, posicionando o berço a uma distância maior que
1 metro.
Nas puérperas com quadro grave, parece razoável suspender a amamentação,
mantendo-se, entretanto, todas as medidas para manter a lactação.
Caso não deseje amamentar, outras alternativas devem ser oferecidas à
puérpera como ordenha e oferecimento do leito materno em mamadeira.
Devo permitir que minha paciente receba
visitas após o nascimento do seu bebê?
Como o isolamento social é uma das medidas mais eficientes para
combater a propagação de COVID-19 até o presente momento, a SOGESP recomenda
que o médico oriente às pacientes a importância de se evitar visitas ao bebê
durante a pandemia.
A Associação Médica Brasileira (AMB) também esclarece dúvidas:
[1] Apesar de a OMS recomendar o uso do código de emergência da CID-10
U07.1 para o diagnóstico da doença respiratória aguda devido ao COVID-19, essa
codificação está ausente nos volumes da CID-10 em português. Os códigos
referidos no texto poderão ser utilizados até que tenhamos a edição atualizada
da publicação da 10ª Classificação Internacional de Doenças, em língua
portuguesa que, encontra-se em fase de revisão. Essa é a recomendação da Secretaria
de Estado da Saúde de São Paulo: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/20/20200318-Fast-Track-ver002.pdf