Há cerca de um século, o surgimento de
análises de laboratório e de equipamentos de diagnóstico fez com que o
atendimento médico em domicílio se tornasse cada vez menos comum. Não apenas
essa tecnologia afastou os médicos dos atendimentos realizados na casa do
paciente, mas também o fato de que poucos poderiam pagar honorários mais altos
que permitissem ao profissional não ter de acumular três a quatro empregos em
sua jornada diária.
Somado a esses fatores, há de se falar
sobre a intensa especialização desenvolvida pelos profissionais de forma a não
analisarem mais seus pacientes de forma integral; mas sim, fragmentada.
O paciente, então, passou a procurar
médicos distintos, segundo seus sintomas, observando o credenciamento do
profissional em um plano de saúde, a distância da residência ou trabalho ou, em
caso de atendimento particular, a preocupação passou a ser também com o valor
dos honorários.
Assim, a relação médico e paciente
esvaziou-se. Mesmo no SUS, onde está presente a figura do médico de família,
raramente o profissional permanece tempo suficiente para desenvolver uma
relação de confiança.
De outro lado, é fato que, nos últimos
anos, a tecnologia tem mudado a forma como o mundo se configura e como as
pessoas se relacionam com ele, nos mais diversos setores, inclusive da saúde. O
que poderia ser mais um fator para o distanciamento entre médicos e pacientes,
porém, está revolucionando esse relacionamento, notadamente no que se refere ao
uso da internet.
É inconteste que ferramentas como
WhatsApp e Skype, bem como a comunicação via e-mail, estão servindo para
aproximar médico e paciente, o qual se sente mais bem assistido durante a fase
pós-consulta. Segundo as normas emanadas pelo CFM – Conselho Federal da
Medicina, o médico não pode fazer consultas, diagnosticar ou prescrever à
distância, mas nada o impede de orientar o paciente a certas condutas menos
complexas.
Na verdade, há uma tendência mundial,
tanto nos Estados Unidos como na Europa, a levar o médico novamente para mais
perto do paciente, inclusive com atendimentos em domicílio. Nesses lugares,
criou-se uma modalidade: a do médico concierge. Trata-se de médicos, não
exclusivamente clínicos gerais, que atuam no atendimento de pacientes em seus
domicílios, de uma forma bem personalizada. Nos Estados Unidos há profissionais
que ficam disponíveis 24 horas por dia, e chegam até a acompanhar seus
pacientes em outros especialistas, claro que a um custo difícil para a maioria
da população suportar.
Aqui no Brasil, de forma análoga,
busca-se essa volta dos médicos às residências pela forma de aplicativos que
possibilitam a escolha pelos pacientes de profissionais especialistas que se
cadastram em uma plataforma e precificam suas consultas. Tal formato já
encontra respaldo em resolução específica, de número 2178/2018, publicada em 28
de fevereiro último, pelo CFM.
A resolução tem o escopo de normatizar
a prática de forma a obrigar as plataformas que oferecem tal serviço a terem um
diretor técnico que seja o responsável pelos médicos cadastrados, em especial
no que se refere à sua habilitação para o exercício da Medicina e seu registro
de especialista perante o Conselho. Tal medida é importante como proteção aos
pacientes/consumidores.
Outra modalidade que tem crescido no
Brasil é a telemedicina, em razão da má distribuição de profissionais médicos
nas regiões mais distantes, em especial no Norte e Nordeste do país. Já há
algum tempo, centros de excelência hospitalar, como o Albert Einstein, conseguem
levar a expertise do médico a locais em que a falta de especialistas poderia
trazer prejuízos indeléveis aos pacientes. É o caso do hospital na cidade de
Floriano, no interior do Piauí, que atende pelo SUS e está conectado ao Albert
Einstein, a uma distância física de 2.500 quilômetros.
Nesse formato de atendimento à
distância, mas envolvendo médico e paciente diretamente, em 2014, a Secretaria
de Saúde de São Paulo começou a implementar uma rede de atendimento. O sistema,
operado pela equipe da Cross – Central de Regulação da Oferta de Serviços de
Saúde, na capital paulista, servirá como apoio ao processo de regulação de
leitos e transferência de pacientes entre unidades de saúde. O investimento foi
alto, em torno de R$ 3,1 milhões.
No entanto, o sistema foi criticado
pelo CFM, em razão de a resolução que regulamenta a telemedicina não prever o
atendimento não presencial ao paciente. É necessário que haja um médico
assistente para fazer a anamnese e o exame clínico do paciente. A regulamentação
não tem o escopo de evitar que essas ferramentas tecnológicas sejam usadas na
Medicina, mas, sim, de criar regras de segurança dos dados e informações dos
pacientes.
A telemedicina, segundo resolução do
CFM, deve ser vista como um recurso de médico para médico, do médico que
assiste o paciente ao médico consultor. E ambos têm responsabilidade pelo
paciente, de forma solidária e proporcional aos atos realizados. Tal
responsabilização é essencial para que todos estejam envolvidos no processo e não
se coloque apenas ao médico assistente a incumbência de cuidar do paciente e
buscar a aplicação de todos os meios possíveis para seu tratamento.
Nessa seara dos atendimentos à
distância, podem ser incluídos também os aplicativos usados para que o próprio
paciente monitore suas doenças, aqueles que sofrem de diabetes ou hipertensão
arterial, por exemplo. Há outros aplicativos que ajudam os pacientes a tomarem
adequadamente seus remédios, o que os auxilia a obter um melhor resultado e a
aderir aos tratamentos propostos.
Na esteira tecnológica, de um caminho
sem volta, o Ministério da Saúde lançou o app e-Saúde. O aplicativo é a
plataforma móvel e de serviços digitais que agrega informações do paciente,
como CNS – Cartão Nacional do SUS, medicamentos usados, exames, médicos, além
de informações como serviços do SUS mais perto de sua residência, propondo-se a
ser um canal de comunicação entre o usuário e o governo.
Mais interessante é que o aplicativo
possibilita maior transparência quanto às informações gerais do cidadão, como a
consulta da posição na lista de transplantes. Também é possível denunciar o
lançamento indevido de medicamentos em seu nome. Além disso, o aplicativo tem o
objetivo de diminuir fraudes e a qualidade na prestação de serviços públicos.
Por exemplo, o app permite que o Ministério da Saúde seja informado diretamente
pelo usuário quando o atendimento não foi realizado.
A tecnologia usada na saúde com a
proposta de diminuir fronteiras do conhecimento, possibilitar o acesso a
tratamentos e aproximar o médico do paciente deve ser comemorada.
Sandra
Franco - consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde,
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, presidente da
Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São
José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres
humanos e doutoranda em Saúde Pública.