O médico e terapeuta João Borzino explicou o distúrbio caracterizado pelo desejo de mastigar substâncias que não têm valor nutricional
A Síndrome
de Pica, também conhecido picanismo, alotriofagia e picamalácia é um distúrbio
que se manifesta pelo impulso de mastigar ou consumir substâncias não
alimentares seja “inapropriado para o nível de desenvolvimento” da pessoa, e
que não faça parte de práticas culturais ou costumes socialmente aceitáveis.
De acordo
com o médico e terapeuta João Borzino, a definição de pica exige que o
comportamento dure pelo menos um mês, que o ato de ingerir substâncias não
alimentares seja “inapropriado para o nível de desenvolvimento” da pessoa.
“Exemplos
de substâncias ingeridas incluem terra, argila, gelo, papel, sabão, giz, giz de
lousa, cabelos, entre outras. A pessoa sente um impulso ou desejo para ingerir
materiais não alimentares de maneira persistente — e isso causa prejuízo à
saúde ou ao funcionamento social/psíquico”, esclarece.
João
Borzino aponta que a Síndrome de Pica não aparece isolada em todo caso, frequentemente
está associada a outras condições médicas, nutricionais ou psiquiátricas. Ele
listou algumas associações:
1.
Deficiência nutricional
Um dos
fatores mais citados é deficiência de ferro, de zinco, anemia ou desequilíbrios
minerais. Essas deficiências podem ser causas ou consequências do
comportamento.
2.
Transtornos do neurodesenvolvimento
o Autismo:
crianças com transtorno do espectro autista têm taxas mais altas de
comportamento tipo pica.
o
Deficiência intelectual / comprometimento cognitivo: em populações institucionalizadas,
taxas de pica são mais elevadas.
o Outros
atrasos do desenvolvimento: em alguns estudos, crianças com dificuldades de
desenvolvimento (DD) mostraram risco aumentado.
3.
Transtornos psiquiátricos
Há relatos
de casos de pica em pessoas com esquizofrenia, transtornos do controle de
impulsos ou transtornos obsessivo-compulsivos, ou em contextos de transtornos
alimentares maiores. Um exemplo clínico descrito na literatura: um paciente com
esquizofrenia com comportamento de alotriofagia, ingestão de substâncias não
alimentares, foi relatado como caso de estudo.
4.
Gravidez
Em
mulheres grávidas, o comportamento de pica (por exemplo, comer terra ou gelo) é
relatado com bastante frequência, possivelmente em relação a carências nutricionais
ou mudanças metabólicas.
5. Outras
condições médicas
o
Distúrbios gastrointestinais ou obstruções intestinais secundárias ao consumo
de materiais.
o
Envenenamento por metais pesados ou substâncias tóxicas (ex: chumbo, se a tinta
ou solo ingerido estiver contaminado)
o
Infecções parasitárias ou bacterianas, especialmente quando se ingere solo ou
detritos contaminados.
“Em muitos
casos, o comportamento de Pica pode ser um sintoma ou manifestação de uma
DDDcondição subjacente, e não simplesmente um “capricho estranho”.
condição
subjacente, e não simplesmente um “capricho estranho”.
Borzino
diz os dados de números de casos são escassos e heterogêneos. “A literatura
reconhece que a prevalência de pica na população geral não é bem estabelecida”.
• Em uma corte
de crianças australianas, aos 36 meses, cerca de 2,29 % apresentaram
comportamento de pica (relatos feitos por pais) — porém, muitos casos não
persistem em idades posteriores.
• Em
estudos com jovens entre 7 e 14 anos, foi identificada presença de “comportamentos
de pica” em 12,31 %, e “pica recorrente” em cerca de 4,98 %.
• Em
adultos, um estudo relatou que aproximadamente 1,1 % tiveram comportamentos
recorrentes de pica.
• Em
populações escolares adolescentes numa região do Sudão, um estudo relatou
30,4 % dos adolescentes como portadores de “sintomas de pica” (embora esse
número deva ser interpretado com cautela, dado o método de levantamento).
• Em
populações de gestantes, uma meta-análise relata estimativa de prevalência
geográfica variada: por exemplo, África ~ 44,8 %, América do Norte e do Sul
~ 23,0 %, Eurásia ~ 17,5 %.
• Em
crianças com autismo ou deficiência intelectual, taxas de pica relatadas variam
bastante: de 14 % a 36 % em alguns estudos.
“Embora
não seja um transtorno extremamente comum na população geral (comparado, por
exemplo, a depressão ou ansiedade), há nichos de risco onde sua frequência é
muito maior”, esclarece.
João
Borizino enfatiza que muitos casos não são reportados — por vergonha, por não
reconhecimento, ou por estigmas —, e as definições variam entre estudos, o que
limita comparações confiáveis.
Ele diz
que tipo de desordem tende a permanecer nos casos clínicos relatados em
periódicos. O médico citou alguns:
• O artigo
Allotriophagy in a Patient With Schizophrenia: A Case Report descreve um
paciente com esquizofrenia que manifestou ingestão de substâncias não
alimentares, e vem com detalhes de avaliação clínica.
• Em
revisões de pica, são mencionados pacientes que comeram “1.446 objetos”
(pregos, parafusos, tampas de colher, etc.) encontrados no estômago de um
paciente psiquiátrico.
• Em
contextos pediátricos, muitas vezes o relato surge em casos de crianças com
autismo ou deficiência intelectual (mas esses são descritos como “casos
clínicos”, não figuras públicas).
“Esses relatos servem de alerta: o que parece “estranho demais para ser verdade” às vezes existe, e pode ter consequências físicas graves”.
A seguir,
João Borzino listou um breve “auto‐check” — perguntas a si mesmo. Ele destaaca
que o testenão substitui uma avaliação médica ou psiquiátrica, mas podem
despertar uma suspeita.
1. Você
sente vontade persistente — por semanas ou meses — de ingerir materiais não
alimentares (terra, giz, gelo, papel, sabão, travas de metal, etc.)?
2. Você já
comeu (ou mastigou e engoliu) alguma substância que não deveria (por exemplo:
terra, argila, gelo, sabão, cabelos, tinta) repetidamente?
3. Esse
comportamento não é algo “aceito” culturalmente na sua comunidade (isto é, não
faz parte de costumes ou crenças tradicionais)?
4. Essa
ingestão causa desconforto, risco ou dano (como dor abdominal, obstrução,
náuseas, ferimentos)?
5. Você já
foi diagnosticado com deficiência de ferro, anemia, ou deficiências minerais?
6. Você
tem autismo, outra condição do neurodesenvolvimento, ou deficiência
intelectual?
7. Você
tem um transtorno psiquiátrico conhecido (por exemplo, esquizofrenia,
transtorno obsessivo-compulsivo)?
8. Essa
vontade é difícil de controlar — ou seja, você sente “impulso” ou “anseio
forte” por essas substâncias?
9. Você
esconde esse comportamento por vergonha, culpa ou medo de julgamento?
10. Isso
está interferindo no seu funcionamento (saúde, alimentação normal, vida social,
trabalho)?
Se você
respondeu “sim” para muitas dessas perguntas, sobretudo nas primeiras (1 e 2) e
na última (10), há motivo para buscar avaliação especializada.
Borzino
fez algumas recomendações caso você tenha o transtorno:
1. Procure
avaliação médica completa
Antes de
qualquer teoria psicológica, faça exames de sangue (hemograma, ferro,
ferritina, zinco), testes de metais pesados se houver suspeita (ex: chumbo).
Muitas vezes, o comportamento de pica é sinal de deficiência ou intoxicação.
2. Busque
um psiquiatra ou psicólogo com experiência em transtornos alimentares ou
transtornos do controle de impulsos
O
tratamento costuma combinar abordagens — controle do acesso às substâncias
(reduzir oportunidade), terapia cognitivo-comportamental, monitoramento médico.
3. Adote
intervenções comportamentais e ambientais
Por
exemplo: eliminar ou proteger substâncias objetivas (tintas com chumbo, solo
exposto, giz solto), substituir com alternativas menos perigosas (ex: gelo em
vez de substrato tóxico), reforçar hábitos alimentares saudáveis e nutritivos.
4.
Mantenha vigilância constante
Esteja
atento(a) nas crises — quando o impulso bater forte, tenha estratégias de
distração, suporte de rede (familiares ou amigos que ajudem a conter), diarize
episódios para análise com o profissional.
5. Não
espere estar “no fundo do poço” para agir
Quanto
mais cedo a intervenção, menores os danos físicos (intoxicação, lesões,
obstruções) e psicológicos (culpa, isolamento).
6. Cultive
a autoresponsabilidade e a honestidade consigo mesmo Reconhecer que
comportamentos estranhos não nos definem como “doentes morais” — mas agir para
retomar o controle é um ato de coragem. Não se esquive.
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