Estudo mostra que mudanças no intestino provocadas por alta ingestão de frutose, presente em vários alimentos ultraprocessados, precedem o descontrole glicêmico e o acúmulo de gordura no fígado.
Pesquisadores da Université Laval (ULAVAL), do Canadá, e do Instituto de
Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), descobriram que o
consumo excessivo de frutose – comum em dietas com alto teor de alimentos
ultraprocessados – modifica a forma como o intestino responde à glicose,
aumentando a absorção desse açúcar e comprometendo o controle da glicemia.
Esses efeitos precedem a intolerância à glicose e o acúmulo de gordura no
fígado, dois fatores ligados ao desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da Doença
Hepática Gordurosa Associada à Disfunção Metabólica (MASLD, na sigla em
inglês). O artigo que descreve o estudo, High
fructose rewires gut glucose sensing via glucagon-like peptide 2 to impair
metabolic regulation in mice, foi capa da edição de março da revista
científica Molecular Metabolism.
A
pesquisa, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São
Paulo (Fapesp), foi conduzida pelo pesquisador Paulo H. Evangelista-Silva,
doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Biologia Funcional e
Molecular do ICB-USP, em coautoria com Eya Sellami, pesquisadora da ULAVAL, e
Caio Jordão Teixeira, pós-doutorando do Departamento de Fisiologia e Biofísica
do ICB-USP. O trabalhou foi coordenador por Fernando Forato Anhê, professor
assistente da Faculdade de Medicina da Université Laval e pesquisador do
Institut Universitaire de Cardiologie et de Pneumologie de Québec (IUCPQ).
Absorção intestinal alterada é o gatilho do problema – No estudo, camundongos foram alimentados durante
sete semanas com uma dieta na qual 8,5% da energia vinha da frutose – proporção
considerada elevada, mas ainda próxima do consumo humano médio. Em apenas três
dias, os animais já apresentavam um aumento na capacidade do intestino de
absorver glicose, antes mesmo do surgimento da intolerância à glicose. Após
quatro semanas, a glicose já não era eficientemente removida do sangue, e ao
fim do estudo, observou-se acúmulo de gordura no fígado – condição que pode
evoluir para quadros mais graves, como a cirrose.
Curiosamente,
mesmo com esses efeitos adversos, os camundongos não desenvolveram resistência
à insulina nos músculos ou no tecido adiposo, indicando que o descontrole
glicêmico inicial ocorre por alterações no intestino, e não por falha na
resposta insulínica periférica.
A
explicação para esse fenômeno pode estar na ação de um hormônio chamado GLP-2,
produzido por células do intestino. Os pesquisadores constataram que o consumo
excessivo de frutose eleva os níveis circulantes de GLP-2, hormônio que
estimula o crescimento da superfície intestinal e o aumento da absorção de
nutrientes. Ao bloquear o receptor desse hormônio (Glp2r) com uma droga, foi
possível impedir o aumento da absorção de glicose, evitando tanto a
intolerância quanto o acúmulo de gordura no fígado.
No
entanto, a estratégia de bloqueio do Glp2r não é facilmente aplicável a
humanos, pois esse mesmo receptor está envolvido na proteção da barreira intestinal
contra infecções e inflamações. Isso reforça a complexidade do papel do GLP-2
na saúde metabólica.
"Mostramos
que o aumento da absorção de glicose pelo intestino ocorre antes da
intolerância à glicose. Isso abre caminho para o uso desse mecanismo como um
biomarcador precoce", afirma o professor Fernando Anhê. "O teste de
absorção intestinal de glicose é barato, seguro e já utilizado em humanos —
bastaria aplicá-lo em um novo contexto."
Nova
fase da pesquisa, com apoio do Canadian Institutes of Health Research (CIHR),
vai investigar como o microbioma intestinal pode ser manipulado para reduzir os
efeitos nocivos do excesso de frutose.
Frutas in natura continuam aliadas da saúde – O pesquisador Paulo H. Evangelista-Silva
ressalta que os resultados do estudo se referem ao consumo de frutose
adicionada a alimentos ultraprocessados. “Frutas in natura são ricas em
fibras, que ajudam a retardar a absorção de glicose e aumentam a saciedade.
Além disso, contêm nutrientes benéficos para a saúde intestinal e hepática”,
explica.
A
pobreza nutricional dos ultraprocessados, com baixo teor de fibras e altos
níveis de açúcares adicionados – como o xarope de milho e o açúcar de cana –,
sobrecarrega o organismo. Evangelista-Silva recomenda priorizar alimentos in
natura, conforme orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira,
desenvolvido pelo Ministério da Saúde com apoio da Opas/Brasil.
O
açúcar de cana-de-açúcar e o xarope de milho são exemplos de açucares ricos em
frutose amplamente utilizados pela indústria em alimentos ultraprocessados.
Confira abaixo uma lista com alguns exemplos de alimentos ultraprocessados que
contêm frutose em excesso:
Alimentos
ultraprocessados com alta concentração de frutose incluem:
- Refrigerantes
e sucos industrializados (mesmo os néctares “100% fruta”)
- Cereais
matinais e barras adoçadas
- Biscoitos
recheados e doces industrializados
- Pães
e bolos prontos (como bisnaguinhas e pão de forma)
- Chás
prontos e bebidas esportivas adoçadas
- Molhos
industrializados (ketchup, barbecue etc.)
- Iogurtes
adoçados, sobremesas lácteas e geleias
O estudo teve apoio das
agências FRQS (Fonds de Recherche du Québec – Santé), Fondation IUCPQ e FAPESP
(processos 2020/12201-4 e 2022/14545-8).
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