Segundo a pesquisa, a fibrose cardíaca está relacionada ao
tempo de exposição às partículas de carbono negro,
um indicador de poluição atmosférica
(foto: Marcelo Camargo/Wikimedia Commons)
Estudo da USP, publicado na revista Environmental Research, analisou resultado das autópsias de 238 pessoas e dados epidemiológicos; perigo é maior para hipertensos
A
relação entre viver em uma cidade poluída como São Paulo e doenças pulmonares
ou câncer é bem conhecida. Os problemas, no entanto, vão além. Uma pesquisa
inédita aponta que a exposição de longo prazo à poluição atmosférica está
diretamente ligada ao aumento dos riscos cardíacos em moradores da capital
paulista. Para indivíduos hipertensos o perigo é maior.
Publicado na revista Environmental Research,
o estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com
o apoio da FAPESP (projetos 13/21728-2, 16/23129-7 e 19/06435-5). A
investigação mostra que a fibrose cardíaca, um indicador de doenças do coração,
está relacionada ao tempo de exposição às partículas de carbono negro, um
indicador de poluição atmosférica.
Os pesquisadores
fizeram a análise das autópsias de 238 pessoas e de dados epidemiológicos para
mensurar essa relação. Eles também entrevistaram familiares das vítimas para
recolher informações sobre fatores de risco, como histórico de tabagismo e
hipertensão. A partir da observação macroscópica do tecido pulmonar
estabeleceram a presença e quantidade da fração de carbono negro nos pulmões.
Amostras de miocárdio revelaram a fração de fibrose cardíaca.
Os resultados
revelaram associação significativa entre a fração de carbono negro nos pulmões
e a fibrose cardíaca nos indivíduos estudados. Isso significa que, quanto mais
tempo uma pessoa é exposta à poluição, maior a probabilidade de desenvolver a
fibrose. “Esse dado ressalta o papel crucial da autópsia na investigação dos
efeitos do ambiente urbano e dos hábitos pessoais na determinação de
doenças", afirma um dos autores da pesquisa, o patologista e professor da
USP Paulo Saldiva.
Além disso, foi
constatado que o risco é aumentado para indivíduos hipertensos. Entre eles, a
presença do marcador de doenças cardíacas cresce com o aumento da presença do
indicador de exposição à poluição, tanto em fumantes quanto em não fumantes.
Entre os não hipertensos, os maiores riscos foram observados principalmente nos
tabagistas.
A hipertensão, ou
pressão alta, é uma doença que pode ser silenciosa e não apresentar sintomas.
De acordo com o Ministério da Saúde, em dez anos a taxa de mortalidade passou
de 11,8 óbitos para 100 mil habitantes, em 2011, para 18,7 em 2021. Cerca de
60% dos idosos que vivem no Brasil têm hipertensão.
Se a hipertensão é
silenciosa, a poluição nem sempre está tão à vista de todos. Em alguns casos,
no entanto, é possível saber onde ela é mais prejudicial. A exposição à
poluição dentro da mesma cidade depende de fatores como hábitos e deslocamentos
das pessoas. “Podemos dizer que existem dois indicadores de poluição, um medido
pela rede da Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], que é
objetivo. E outro relacionado a quanto cada indivíduo é exposto a ela”, afirma.
“Ou seja, o nível de concentração de poluição ambiental não significa a mesma
dose recebida por todos. Se você está em um corredor de tráfego por horas,
recebe uma dose maior porque a concentração daquele ambiente é particularmente
mais elevada.”
Saldiva explica que
diversos fatores, como a própria hipertensão, influenciam no desenvolvimento da
fibrose cardíaca e que, agora, fica provado que a poluição é um deles. “A
pergunta era ‘a poluição tem tamanho suficiente para aparecer nessa foto?’ Ela
tem e foi a primeira vez que foi demonstrado no mundo em humanos. Essa é a
diferença do trabalho”, pontua.
Segundo o médico, o
estudo só foi possível graças ao trabalho realizado pelo Serviço de Verificação
de Óbito (SVO) na cidade, 24 horas por dia, 365 dias por ano. Ele afirma que o
apoio da Faculdade de Medicina da USP e da FAPESP, em convênios estabelecidos
no passado com o SVO, construiu um vasto conjunto de processos e informações
que resultam hoje em novas possibilidades científicas.
A pesquisa da USP
fornece evidências sobre os impactos da poluição do ar na saúde cardiovascular
e destaca a necessidade de medidas eficazes para reduzir a exposição da
população a esse mal. A implementação de medidas como a redução das emissões de
veículos, o incentivo ao transporte público sustentável na cidade e o incentivo
de fontes de energia limpa são estratégias eficazes na mitigação dos impactos
da poluição atmosférica na saúde pública.
O artigo Association
of pulmonary black carbon accumulation with cardiac fibrosis in residents of
Sao Paulo, Brazil pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0013935124002846.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisa-demonstra-relacao-entre-poluicao-e-riscos-cardiacos-em-moradores-de-sao-paulo/51488
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