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sábado, 6 de abril de 2024

Metódica modéstia intelectual

Em geral, se temos nossas concepções confrontadas, tendemos a permanecer com o pensamento estabelecido. Raramente abrimos mão de uma opinião formada, não obstante a razoabilidade de argumentos contrários. A filosofia considera a argumentação uma ferramenta base de trabalho. Sócrates inventou o melhor método argumentativo, a maiêutica, que consiste em perguntar ao interlocutor, não em afirmar-lhe algo.

Multiplicando perguntas, Sócrates conduzia o conversante a determinadas respostas. Assim, como as conclusões restavam advindas do seu colocutor, o filósofo obtinha com mais facilidade adesão às suas proposições. Não obstante a eficácia do procedimento, ou até mesmo por culpa dela, sobrou a Sócrates um pequeno incidente: ele foi condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude e ofender os deuses com suas ideias.

Embora a persuasão seja necessária para o trânsito de juízos e para a própria vida em comum, persuadir não é tarefa fácil. Usualmente se supõe que pessoas de escassa inteligência ou intelectualmente parcas são menos suscetíveis. Não é assim; antes, pelo contrário: quem é inteligente e estruturou seus pensamentos no senso comum tende a usar a inteligência e a estrutura conceitual para mantê-los, esgrimindo falação com maestria.

Assinado por Tauriq Moosa, papodehomem.com.br publicou Os perigos de ser inteligente, que edito: conforme “recente texto de Jonah Lehrer no New Yorker, ‘a inteligência parece piorar as coisas’. Isso se dá porque, como concluíram Richard West e seus colegas, ser mais inteligente não faz com que você seja melhor em transcender visões injustificadas e crenças ruins que naturalmente acabam fazendo parte da sua vida.

Pessoa mais inteligentes são mais capazes de justificar a si mesmas e as suas inconsistências ou falhas óbvias, enquanto provavelmente censurariam interlocutores que exibissem tolices equivalentes. São as piores nesse aspecto porque não conseguem reconhecer os seus condicionamentos e enganos graças a uma camada complexa e profunda de justificativas que contaram a si mesmas e que manobram com habilidade”.

Mesmo quem é dado ao bom hábito da leitura muita vez reproduz esse mau costume. Há quem resuma os estudos à confirmação do que já pensa; não se põe sob checagem, decifrando a vida em uma rota de mão única. Talvez de feitios assim advenham as “bolhas”: aglomerados fanatizados de favoráveis à mesma causa. Nesses casos, a defesa de posições extrapola em ataques já não a adversários de ideias, mas a inimigos ideológicos.

Enfim, gente inteligente, intelectualmente convicta e com aptidão de raciocínio, mais se munida de “certos” dados, argumenta melhor contra críticas, inclusive as adequadas. Inteligência, contudo, nem sempre abona correção. Em muitos casos, ela só faz a pessoa ficar melhor em se haver por certa. Eu sugeriria, assim, que você desfrute de sua inteligência, contudo, indague seus saberes. Seja: que cultive uma metódica modéstia intelectual. 



Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.


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